Preconceito dói, machuca. Conversava ao telefone com um cidadão que botou na linha uma senhora. Disse-lhe que tive a honra de destacar seu pai, num dos meus livros, que focaliza o Nortão, onde fundou uma cidade. Ela espichou o assunto e me disse: “olha, doutor Eduardo Mahon...”. Expliquei quem sou. Seu desencanto foi total e a ligação, interrompida. Atitude preconceituosa é isso e muito mais. Quem vive a terceira idade - meu caso - sente na pele a indiferença social e ela se torna ainda mais agressiva quando o velho é pobre. Não é fácil.
Por dever jornalístico, é preciso abordar a fala do general Hamilton Mourão, vice na chapa de Bolsonaro, que foi distorcida pelo “politicamente correto” alimentado pela esquerda, para empurrá-lo ao abismo onde coabitam preconceituosos. Mourão é neto de cabocla. Na fala polemizada pela esquerda, disse que temos herança cultural ibérica, da indolência indígena e da malandragem da África. Não há nenhum tipo de preconceito ou injúria racial em suas palavras.
O Brasil seria hipócrita se dissesse que índio é operário padrão. Contextualizada, a indolência é citação carinhosa. Malandragem da África é expressão perfeita à criatividade africana entre nós. Os senhores da casa-grande se lambuzavam com a carne suína de primeira e os negros criaram a feijoada. Os mesmos gajos não permitiam que andassem armados: bolaram a capoeira. A Santa Madre lhes batia as portas e eles elevavam as mãos aos orixás da Mama África. Na nossa quase tricentenária Cuiabá, negro escravo ou forro não entrava na Igreja do Rosário, e eles, com humildade e devoção ao Santo Negro, construíram em anexo a Capela de São Benedito.
Antes que um fosso bote brasileiros de um lado e de outro por força da pirraça e da vingança comunista, devemos desarmar todos os espíritos, abrirmos mãos da ‘fabricação’ de fatos e da criação de factoides. Encontrem alguma razão para execrarem Mourão, mas não por aquela fala.
Em 1945 o brigadeiro Eduardo Gomes disputava a Presidência com o cuiabano marechal Eurico Gaspar Dutra. O xará estava a um passo do poder quando Hugo Borghi, político paulista, distorceu trecho de sua fala no Teatro Municipal do Rio, em que disse “não necessito dos votos dessa malta de desocupados que apoia o ditador para eleger-me presidente”, mudando a palavra ‘malta’ para ‘marmiteiros’ – quem se alimenta com marmita. Foi o suficiente para mudar o cenário.
Transcorridos 73 anos da leviandade de Borghi com o brigadeiro Eduardo Gomes, que lhe custou a Presidência, a esquerda com amparo da Globo contra Mourão tenta mudar a tendência nacional pelo nome de Bolsonaro. Tenhamos serenidade. Não podemos nos guiar por distorções. Quanto a mim, no episódio sobre o livro, nada a acrescentar. Quem sou eu pra tocar o coração de uma filha por simplesmente reverenciar a memória de seu pai e tirá-la da oralidade regional para perpetuação na publicação?