Artigos / João Baptista Herkenhoff

22/11/17 às 10:48 / Atualizado: 22/11/17 às 10:56

Velhos arquivos

Disse Millôr Fernandes: “Em ciência leia sempre os livros mais novos. Em literatura, os mais velhos.”
 
Parafraseando Millôr podemos dizer:
 
Se o objetivo de uma busca é a praticidade, os arquivos novos devem ter preferência. Se queremos reviver histórias, a primazia deve ser conferida aos velhos arquivos.
 
O desejo de remontar ao passado é mais forte à medida em que avançamos na idade.
 
Rebusquei há dias a revista “Essa – Espírito Santo Sociedade Aberta”, edição de fevereiro de 2007.
 
Encontrei nessa publicação uma entrevista concedida à Jornalista Jeanne Bilich, que é hoje confreira na Academia Espírito-Santense de Letras.
 
A entrevista a que me refiro ficou muito boa, não tanto pelo que disse, mas sobretudo pela arte com que a jornalista produziu a matéria. O trabalho ficou ainda melhor com as fotos que o ilustraram, obra do Jornalista Herlon Ribeiro de Souza.
 
A inteligente entrevistadora provocou toda uma recapitulação sobre minha carreira jurídica. Numa das respostas, tive a oportunidade de dizer:
 
Sempre achei que o “encontro” do réu com o magistrado não pode ser uma coisa fria. Para o juiz as audiências passam a ser corriqueiras. Para o réu o “encontro” com o juiz é alguma coisa extremamente séria.
 
Mais adiante:
 
Fui convidado para a Comissão de Justiça e Paz pelos bispos Dom João Baptista da Mota e Albuquerque e Dom Luiz Gonzaga Fernandes. Recebi o chamado como “convocação de consciência”. Não se tratava de um convite comum. Pedia coerência da ação concreta com a fé cristã que tinha dentro de mim.
 
O Tribunal de Justiça via com má vontade minha presença num órgão dessa natureza. Entendia que o exercício da presidência seria ilegal e intolerável. Respondi a processo disciplinar. A primeira página dos autos continha um pronunciamento feito à imprensa, em nome da Comissão, censurando abusos contra presos. Às dez horas da manhã, recebi intimação para uma audiência marcada para as 14 horas. Telefonei para o bispo perguntando o que sugeria para que eu me defendesse. Ele simplesmente aconselhou-me a abrir a Bíblia e ler o trecho do Evangelho onde o Cristo diz a seus seguidores que, quando fossem chamados a Tribunal, por causa de seu Nome, não se preocupassem com o que haveriam de dizer, porque o Espírito Santo sopraria. Pensei: Se é assim como o bispo está dizendo, nada tenho a preparar. Apenas comparecer. No horário aprazado, lá estava e fiz o que o bispo havia sugerido. Fui salvo pela posição assumida pelo desembargador Homero Mafra, hoje falecido, que compreendeu e fez compreender aos demais que a consciência do juiz sob julgamento era inviolável. O processo deveria ser trancado.”
João Baptista Herkenhoff

João Baptista Herkenhoff

João Baptista Herkenhoff é juiz de Direito aposentado (ES), possui graduação em Direito pela Faculdade de Direito do Espírito Santo (1958), mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1975) e livre docência na Ufes (1979). Pós doutorado em Wisconsin (1984) e na Universidade de Rouen (1992).

Atualmente é Coordenador Pedagógico do Curso de Direito da Faculdade Estácio de Sá no Espírito Santo e Professor Pesquisador da mesma instituição e m
inistra cursos de pequena duração sobre Direitos Humanos.
ver artigos

comentar  Nenhum comentário

AVISO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do Agua Boa News. É vetada a inserção de comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros. O site Agua Boa News poderá retirar, sem prévia notificação, comentários postados que não respeitem os critérios impostos neste aviso ou que estejam fora do tema da matéria comentada.

 
 
 
Sitevip Internet