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26/11/16 às 10:34 | Atualizada: 26/11/16 às 11:22

Jovens apresentam resultados da pesquisa sobre mudanças climáticas durante II Gincana Intercultural da Rede

Preocupada com o seu futuro e com os desafios relacionados às mudanças climáticas, a Associação Rede de Sementes do Xingu (ARSX) iniciou no ano passado um trabalho com os jovens da região Xingu Araguaia, no Mato Grosso. Hoje, muitos jovens das zonas rurais têm escolhido migrar para as cidades, seja para estudar ou por falta de perspectiva no campo. Na Rede não era diferente.

Valorizar o conhecimento dos mais velhos e as muitas oportunidades do campo, é importante para despertar o interesse dos jovens. A Rede de Sementes do Xingu entende que o conhecimento tradicional dos indígenas, dos agricultores familiares e daqueles que vivem da terra, é muito importante, seja para a soberania alimentar, seja para a conservação do meio ambiente.

Em novembro do ano passado, cerca de 30 jovens participaram da I Gincana Intercultural da ARSX e por meio de uma construção participativa foi idealizado o curso Sementes Socioambientais. O curso aconteceu em quatro módulos ao longo do ano e quinze jovens foram convidados para participar. Eles foram protagonistas de uma pesquisa sobre a relação das mudanças climáticas com a produção de sementes florestais e os impactos em suas comunidades.

Neste mês de novembro, entre os dias 18 e 20, durante a II Gincana Intercultural da Rede, realizada em Canarana-MT, os jovens pesquisadores tiveram a oportunidade de apresentar os resultados obtidos com suas pesquisas para outros 30 jovens, da zona rural, urbana e indígenas, com relação direta ou indireta com a ARSX, convidados pelos próprios jovens pesquisadores. Através de registros fotográficos, desenhos e redações, os pesquisadores compartilharam os resultados com o grupo de convidados.

Durante a gincana, além desse momento de troca de saberes entre jovens pesquisadores e os novos integrantes, houve diversas brincadeiras numa disputa divertida entre três equipes. O objetivo é integrar todos os jovens para que possam ter uma nova atuação no próximo ano.
 
II Gincana Intercultural reuniu mais de 40 jovens da região Xingu Araguaia. Foto – Guaira Maia
II Gincana Intercultural reuniu mais de 40 jovens da região Xingu Araguaia. Foto – Guaira Maia
 
No decorrer do curso, os integrantes ajudaram na criação de dois jogos didáticos, tratando o tema de forma mais interativa para apoiar outros jovens do Brasil. O jogo Fenofasicus, pré-lançado no XIII Encontro Geral da Rede, já tem sua versão final e traz o tema da fenologia das plantas de forma lúdica em um jogo de cartas. Enquanto o Jogo de Tabuleiro, ainda em fase final de criação e que foi testado durante a II Gincana Intercultural, terá como objetivo a restauração da Área de Preservação Permanente de uma nascente, em um jogo de tabuleiro com perguntas sobre o meio ambiente, curiosidades da ASRX e dinâmicas interativas.
 
Curso de Sementes Socioambientais deixará dois jogos como legado. Foto – Guaira Maia
Curso de Sementes Socioambientais deixará dois jogos como legado. Foto – Guaira Maia
 
No terceiro dia da Gincana, os jovens participaram de uma expedição à Terra Indígena Pimentel Barbosa, na aldeia Ripá, do povo Xavante, e tiveram uma experiência de grande troca intercultural. Abeldo Virawê, o jovem pesquisador anfitrião, teve a oportunidade de compartilhar as atividades tradicionais de sua cultura, como canto tradicional de padrinho para afilhado, luta corporal, corrida de velocidade, arco e flecha. Os jovens visitantes também compartilharam atividades de seu povo, como luta indígena Waurá, canto tradicional Ikpeng e brincadeiras de corda.
 
II Gincana Intercultural levou os jovens para a Aldeia Ripá, na terra Indígena Pimentel Barbosa, em Canarana, dos indígenas Xavante. Foto – Guaira Maia
II Gincana Intercultural levou os jovens para a Aldeia Ripá, na terra Indígena Pimentel Barbosa, em Canarana, dos indígenas Xavante. Foto – Guaira Maia
 

Diretor executivo do Instituto Bacuri Francisco Gonsales. Foto – Guaira Maia
O psicólogo e arte educador Francisco Gonsales é diretor executivo do Instituto Bacuri, parceiro da ARSX, e conselheiro fiscal da Rede. Para Francisco, a gincana foi um chamariz e o curso uma oportunidade dos jovens se apropriarem da Rede para contribuírem diante de uma nova realidade. “O importante não é somente os jovens se apropriarem para conduzir a Rede da mesma forma que vem sendo feito até aqui, mas que eles contribuam para uma nova etapa em um novo mundo com a incidência das mudanças climáticas. Nós fizemos a besteira e eles vão ter que ajudar a consertar”.
 
Consultora do ISA Raíssa Ribeiro. Foto – Guaira Maia
Consultora do ISA Raíssa Ribeiro. Foto – Guaira Maia
Para a consultora do Instituto Socioambiental (ISA), Raíssa Ribeiro, através do curso se percebe que os jovens passaram a dar atenção aos sinais de mudanças climáticas que antes passavam despercebidas aos seus olhos. “Começaram a criar sensibilidade para o tempo da floração, frutificação e a quantidade e qualidade dos frutos. Quando eles trouxeram os resultados da pesquisa para compartilhar com o grupo, eles perceberam que as mudanças não eram restritas apenas à sua terra. O calor, a falta de chuva, as queimadas, estão afetando toda a região e esse fato foi discutido com muita excitação por esses jovens pesquisadores. A qualidade da pesquisa é algo que me impressionou nesse curso”.
 
Técnico do ISA Dannyel Sá. Foto – Guaira Maia
Técnico do ISA Dannyel Sá. Foto – Guaira Maia
As mudanças climáticas interferem diretamente na produção e coleta de sementes florestais. Para o técnico do ISA Dannyel Sá, é extremamente importante entender as mudanças, através da conversa com os mais velhos, para saber como era, mas sobretudo é importante despertar a observação da natureza para entender como está agora e como ficará no futuro. “Ter a sensibilidade de observar os sinais da natureza. No caso da Rede, para fazer o planejamento na coleta de sementes. No âmbito geral, para aqueles que dependem diretamente do clima, para entender a época da queimada da roça, do plantio. Isso precisa estar sincronizado com a natureza. Gerar essa sensibilidade, foi na minha opinião, o principal resultado com esse curso”.

O que apresentaram os jovens pesquisadores
 
Tawaiku Juruna, 29 anos. Foto – Guaira Maia
Tawaiku Juruna, 29 anos. Foto – Guaira Maia
O coletor de sementes Tawaiku Juruna, 29 anos, é da etnia Yudja, da Terra Indígena Xingu (TIX). Primeiro ele conversou com os mais velhos e depois começou a observar a natureza. Tawaiku disse que os rios não estão mais enchendo como antes, as florestas estão mais secas e o solo não tem umidade. Ele também fotografou uma lagoa com 100 metros de cumprimento que fica dentro de uma ilha do rio Xingu e que secou neste ano. “Ali nunca secava, dava peixes e nesse ano secou, ficou sem nada”. Tawa acredita que são dois os motivos para secar a lagoa: mudanças climáticas e as PCHs Paranatinga no rio Culuene, tirando a força da água. “Eu preciso compartilhar essas informações de que as coisas estão mudando”.
 
Lagoa secou em ilha no rio Xingu – Foto Tawaiku Juruna
Lagoa secou em ilha no rio Xingu – Foto Tawaiku Juruna
 
Anderson Righi, 21 anos. Foto – Guaira Maia
Anderson Righi, 21 anos. Foto – Guaira Maia
Os relatos demonstram que o desmatamento não acabou na região Xingu Araguaia. Anderson Righi tem 21 anos, mora no PDS Bordolândia, em Serra Nova Dourada-MT. Ele é coletor há um ano. Anderson observou muita queimada e desmatamento nas reservas do PDS e fazendas ao redor. “Queimadas provocadas por grileiros para desmatar e formar pastagens. Como não tem cerca, eles estão invadindo as reservas que pertencem ao PDS. A lei não é imposta”.
 
Ana Cláudia Timóteo Barbosa, 22 anos. Foto – Guaira Maia
Ana Cláudia Timóteo Barbosa, 22 anos. Foto – Guaira Maia
Ana Cláudia Timóteo Barbosa, 22 anos, coletora há um ano, mora no PA Dom Pedro, em São Félix do Araguaia-MT. Em sua pesquisa, Ana Cláudia encontrou o caju em três estágios diferentes (floração, fruto verde e fruto maduro) ao mesmo tempo. “Isso não se via acontecer antes, porque tem um espaço da floração, do fruto verde e do fruto maduro. Além disso, teve espécies que florou e não vingou, abortou os frutos, acredito que pelas altas temperaturas. Então a gente foi vendo isso e aprendendo”. Para Ana Cláudia, isso prejudica o potencial de coleta que cada coletor faz de sua área. “A gente pode levantar um potencial que depois a gente não vai ter”.
 
Caju em três estágios ao mesmo tempo - floração, fruto verde e maduro. Foto - Ana Cláudia Timóteo Barbosa
Caju em três estágios ao mesmo tempo – floração, fruto verde e maduro. Foto – Ana Cláudia Timóteo Barbosa
 
O técnico do ISA Dannyel Sá deu exemplos apresentados pelos pesquisadores durante o curso. “O canto da cigarra é um sinal de chuva, mas hoje a cigarra tem cantado e a chuva não tem vindo. No caso do conhecimento dos povos do Xingu, a floração do ipê amarelo é um sinal para fazer as queimadas, porque logo depois vinha a chuva. Mas eles têm feito a queimada e a chuva não vem, o que gera incêndios incontroláveis. Os mais velhos também usam as estrelas como sinal para queimada da roça e início do plantio, porque indicam, entre outros fenômenos, a época da chuva. E a estrela está lá no ponto quando sempre chovia, mas não chove ou chove antes da hora. Fica confuso. É preciso observar para ver se isso vai se acomodar ou continuar mudando”.

Cartilha e documentário

Os jovens pesquisadores receberam um kit contendo um equipamento audiovisual (celulares, câmeras fotográficas ou tabletes) e entre um módulo e outro eles pesquisavam em suas comunidades a relação das mudanças climáticas com o ciclo fenológico das árvores, os ciclos anuais, a produção e qualidade das sementes, as condições ambientais e as atividades de restauração. Além de observarem e registrarem as mudanças que estão percebendo no meio em que vivem, os jovens pesquisadores tiveram a oportunidade de conversar com os mais velhos para saber como era o clima antes e como está mudando agora e como isso tem.

Os resultados foram apresentados durante a II Gincana Intercultural realizado neste mês de novembro e esses resultados, em breve, serão publicados em livro e em documentário, que trazem a perspectiva das mudanças climáticas nos contextos que esses jovens vivenciam, a zona urbana, a rural e as terras indígenas.

O projeto conta com o apoio do Instituto Bacuri, da Manos Unidas, do Environmental Development Fund (EDF), da Fundação Moore, do Fundo Vale e do Fundo Amazônia.
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