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30/06/19 às 16:23

Nobres/MT - Clientes pagam a conta e pegam o troco em restaurante

Certa vez, enquanto fritava os peixes para o almoço do restaurante no Distrito de Bom Jardim, em Nobres (a 151 km de Cuiabá), Agostinho Dias Pedroso ou "Chapolin", como prefere ser chamado, pediu para que uma cliente pagasse o que havia consumido e pegasse o troco por conta própria.
 
A partir dali, ele contou que optou por confiar na freguesia. O estabelecimento não tem um caixa para pagamento, os turistas que fecham a conta. Tudo na base da confiança.
 

"Era alta temporada e um casal de São Paulo queria fazer o pagamento, estavam atrasados para um passeio, mas eu estava cozinhando e não podia sujar minhas mãos com o dinheiro. Eles me falaram o que tinham comido e bebido, fizemos a conta, falei para pegarem o troco e virei as costas para cuidar do meu peixe frito. Entreguei a confiança para os turistas", lembrou. 
 
Desde então, o sistema foi adotado oficialmente por Chapolin. Há alguns anos, ele guardava o lucro diário em uma caixinha de sapato. Era nela que os turistas faziam o pagamento e pegavam o próprio troco. 
 
Porém, em um dia de grande movimento e vento forte na região, uma turista terminou de se alimentar e foi acertar o pagamento. A caixinha de sapato acabou voando e Chapolin assistiu as notas de R$ 5, R$ 10 e até R$ 50 serem consumidas pelas chamas do fogão a lenha. 
 
Se voce plantar o bem, você vai colher coisas boas. Se alguém me 'der um cano' de R$ 100, por exemplo, pode ser que no futuro tenha um prejuízo muito maior

A cena foi trágica. Ele contou que a mulher "sapecou" os braços na tentativa de salvar o dinheiro e gritou em desespero. Depois do susto, tudo acabou bem: um marceneiro de Várzea Grande, região metropolitana de Cuiabá, que também almoçava no restaurante, ofereceu ajuda e construiu uma caixinha de madeira para Chapolin. 
 
"Ele disse que faria a caixa de madeira para eu não passar mais por isso e eu uso até hoje. Não quero mudar, assim está bom. Ninguém mexe no meu dinheiro", explicou. 
 
Pela decisão de confiar integralmente nos clientes, a ponto de virar as costas enquanto os mesmos fazem os pagamentos, Chapolin já passou por algumas situações desagradáveis. Uma senhora foi até o restaurante, consumiu o almoço com direito a bebida e foi embora sem pagar. 
 
"Achei que ela tinha pago", afirmou Chapolin, que sequer sabia do "calote". 
 
Alguns dias depois a mulher retornou ao estabelecimento dele e disse que não conseguia dormir pois estava com a consciência pesada pelo que havia feito. Conforme Chapoling, ela pediu para que ele cobrasse o valor que ela estava devendo. 
 
"Ela não estava bem com o que tinha feito, voltou na outra semana. Falei que depois, que primeiro ela almoçaria, daíacertaríamos o valor. Ela comeu, bebeu e depois foi até mim com o dinheiro para pagar. Eu falei que ela pagaria e disse para ir até a caixa, deixar o dinheiro e pegar o troco. Virei as costas como sempre faço", lembrou. 
 
Arrependida, a senhora chegou a chorar enquanto pedia perdão a Chapolin. "Disse que ela podia voltar sempre que quisesse, dei um beijo na testa dela. Era uma pessoa já de idade e chorava muito", contou. 
 
Chapolin é adepto da filosofia de que tudo que "plantamos" na Terra, sejam ações boas ou ruins, retornam de alguma forma através de consequências que também podem ser agradáveis ou não. 
 
"Se voce plantar o bem, você vai colher coisas boas. Se alguém me 'der um cano' de R$ 100, por exemplo, pode ser que no futuro tenha um prejuízo muito maior. Na hora, talvez, não lembre do que me fez. Mas, na hora de dormir, vai pensar um pouquinho e lembrar de onde veio o prejuízo", afirmou. 
 
Começo do restaurante 
 
Natural de Mato Grosso, Chapolin morou uma parte da vida em Minas Gerais, onde chegou a seguir carreira política como vereador. Ele decidiu retornar à Nobres para ficar perto dos pais e da família. O homem contou que começou a observar o movimento turístico da região e a pensar em formas de empreender no local. 
 
Depois de pensar muito, decidiu colocar a mão na massa. Comprou dez pratos e talheres, algumas panelas para cozinhar e uma mesa com espaço para menos de uma dúzia de clientes. Quando finalmente abriu as portas, um turista que estava no município com a família combinou com Chapolin que os três se alimentariam no local durante cinco dias. 
 
O cozinheiro, então, se preparou para fazer comida para três pessoas. 

CHAPOLIN RESTAURANTE
Ele recebe os turistas vestido como o personagem mexicano "Chapolin Colorado" - Foto: Agostinho Pedroso/Arquivo Pessoal
 
No dia combinado a surpresa: o homem que era de Porto Velho (RO) e visitava Nobres, chegou ao restaurante de Chapolin com mais turistas para almoçar. 
 
"Esse homem apareceu com muitos carros. Minha mãe morava perto e eu resolvi pedir ajuda. Se tenho um conselho é que nunca devemos morar longe de nossos pais", brincou. "Ela me emprestou algumas panelas maiores, pratos e talheres e eu comecei a cozinhar. A mesa encheu de clientes", lembrou. 
 
Na época, Chapolin ainda não tinha congeladores no restaurante. Para conseguir servir bebidas para os clientes, perguntava de um por um o que eles queriam beber e, com um balde cheio de gelo, ia até o "bulixo" do pai dele para pegar água, refrigerantes e sucos. 
 
"Esse homem ficou os cinco dias só enchendo meu restaurante. Graças a Deus continuo trabalhando e crescendo. Hoje já tenho meus freezer, fui fazendo mais mesas e agora tenho várias", comemorou. 
 
Vez ou outra, motoqueiros também organizam encontros no restaurante de Chapolin. Ele contou que para conseguir atender os cerca de 600 motoqueiros, ele acorda ainda de madrugada, por volta das 2h, para se certificar de que o pacu recheado e assado na folha de bananeira, a farofa de banana e a carne de porco na lata estarão sempre deliciosos. 
 
"Os turistas ficam encantados com minha cozinha. Já recebi muitas pessoas dos Estados Unidos e do Japão", contou. 
 
O apelido
 
Chapolin ganhou o apelido há mais de 33 anos, por conta da paixão que criou pelo personagem de Roberto Bolaños. Na época, ele havia acabado de conseguir comprar a primeira televisão e chamou um primo para assistir ao seriado mexicano "Chapolin Colorado". 
 
"Ele [o primo] começou a me chamar de Chapolin e fiquei bravo, xinguei. Minha mulher também começou a me chamar pelo apelido. Tinha acabado de casar e pensei: 'Agora vou ter que aceitar o nome ou brigar com a esposa'. Hoje em dia sou muito grato", contou. 
 
Através do apelido, Chapolin também implantou outro "diferencial" no atendimento do restaurante. Todos os dias, depois que termina de cozinhar, ele se veste como o personagem mexicano e recebe os turistas nas portas dos carros. 
 
"Faço minha comida e visto minha fantasia para receber os turistas. Todos ficam muito animados, pedem para tirar fotos. Não são apenas crianças que pedem, os adultos das mais variadas idades e nacionalidades se divertem também", disse.
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