Missionário jesuíta viveu e morreu entre os índios em MT
Entre o final dos anos 60 e início dos 70, o padre jesuíta Thomáz de Aquino Lisboa foi um nome destacado no movimento surgido nas fileiras da Igreja Católica no Brasil inspirado pelo Concílio Vaticano II. Nascido em 1936 em Itapetininga, no interior de SP, era um dos missionários que propunha ao invés de evangelizar, celebrar missas e ensinar a Bíblia, valorizar os ritos, as histórias, os mitos e as tradições dos índios.
Esse grupo de religiosos, que inclui Antonio Iasi Jr., Egydio Schwade e Tomás Balduíno, levaria à criação do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), em 1972. Muitos jovens católicos foram enviados a diversas prelazias de todo o país a fim de buscar a “encarnação” com os povos indígenas.
Thomáz, um dos principais incentivadores da nova visão, foi ainda mais longe. Radicalizando o novo conceito, ele abraçou o trabalho missionário por mais de 50 anos, mas depois abandonou sua vida no clero, casou-se com uma índia, Njakau, e passou a viver inteiramente integrado à rotina da terra indígena myky, em Brásnorte (MT), uma etnia que vivia isolada até o início dos anos 70 e que ele próprio ajudou a contatar.
Thomáz mudou-se para a aldeia e nunca mais saiu. Em 1979, lá chegou outra religiosa, Elizabeth Rondon Amarante, irmã da Congregação do Sagrado Coração de Jesus, uma das netas do marechal Cândido Rondon (1865-1958) e que também vive por lá até hoje.
Ambos passaram a defender os interesses dos índios, àquela altura já pressionados por invasores e fazendeiros no processo de ocupação da região Centro-Oeste estimulado pela ditadura militar.
Ao lado do seu grande amigo Vicente Cañas, um jesuíta espanhol radicado no Brasil, Thomáz esteve à frente de duas operações de contato com etnias até então isoladas, os myky e os enawenê-nawê.
O governo militar havia autorizado a prelazia de Diamantino (MT) a realizar seu trabalho nas aldeias. Em 1974, perto do rio Juruena, em Mato Grosso, Thomáz e um grupo de índios de outras etnias se aproximou do grupo que a princípio foi chamado de “salumã” mas que, soube-se depois, se autodenominava enawenê-nawê. Thomáz conseguiu estabelecer um bom diálogo e até tirou fotografias e filmou o contato.
Os religiosos trabalharam intensamente para convencer o governo a demarcar e homologar as duas terras indígenas, o que só viria a ocorrer depois do fim da ditadura, em 1987 e em 1996.
No mesmo ano de 1987, contudo, Cañas, chamado pelos índios de Kiwxi, foi assassinado aos 47 anos em um barraco que construiu com autorização dos índios na terra indígena enawenê-nawê, distante alguns quilômetros da aldeia.
Segundo a denúncia apresentada pelo Ministério Público anos depois, Cañas foi morto por um grupo formado por fazendeiros e policiais contrários à demarcação da terra de 742 mil hectares.
Os amigos mais próximos, como o também missionário Sebastião Carlos Moreira, o Tião, lembram que o assassinato abalou profundamente Thomáz, que passou a enfrentar problemas psicológicos e recorrer com frequência a remédios.
Nos anos 90, Thomáz foi testemunha no processo que apurava o assassinato e confirmou à juíza do caso em Juína (MT) que Cañas fora morto por atingir interesses de não indígenas da região.
“O Thomáz manteve seu compromisso com os povos indígenas até o fim. Foi um dos precursores desse novo modo do trabalho missionário, esse novo jeito do indigenismo. Ele disse 'eu vou para lá para a aldeia, junto com eles, ser uma testemunha da luta do povo'”, diz Tião.
Thomáz nasceu em uma família profundamente religiosa. Dois de seus irmãos também se ordenaram padres jesuítas. Seu nome veio do frade católico do século 13, Tomás de Aquino. Era baixinho e inquieto, acordava às primeiras horas do dia.
No fim de fevereiro, no entanto, ele recebeu o diagnóstico de câncer em estágio avançado. Morreu na sexta-feira (22), aos 82. Deixou a mulher, dois filhos, Tupy e Jemuu, e sete netos. Todos vivem na aldeia. Thomáz, que tinha o nome indígena de Jauka, foi enterrado no cemitério do povo que o abraçou.