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06/02/18 às 11:56

Conheça a história de superação do cabo que virou doutor

Sair do Santa Izabel de bicicleta em pleno calor cuiabano em direção ao Centro Político Administrativo. Dar um tapa no visual tomando um banho no Parque das Águas e então visitar órgão por órgão para vender cotas de universidades. Pegar carona até São Carlos (SP) todo fim de semana por dois anos sem dinheiro no bolso e ganhar um salgadinho ou outro e quando muito, dividir marmitex na faixa. Seguir o trajeto até lá, de carro, caminhão, ônibus, van e até veículo funerário com corpo dentro.

Essas são apenas algumas pitorescas situações que o cabo da PM e Doutor em Administração, Laudicério Machado, teve que vivenciar para colecionar funções, cursos de capacitação e títulos acadêmicos que fizeram dele um grande vencedor.

Atualmente, ele é consultor em Gestão de Pessoas e pesquisador em Governança Pública e Política, com doutorado. Mas se há uma coisa que nunca fez no passado, foi desmerecer um trabalho.

Já carpiu quintais, vendeu picolé, salgados, cuidou de carros na feira do Verdão, catou papelão, foi office boy, terapeuta oriental, auxiliar de cozinha e de enfermagem e motorista de caminhão, assim como o pai. “Ah, e já fui dançarino do Gilmar Fonseca, também”, se diverte. A mãe, é professora aposentada. E Laudicério tem mais quatro irmãos: duas mulheres e dois homens.

“Lembro que um dia cheguei da escola – correndo atrás do prejuízo porque havia ficado de recuperação - e meu pai me disse que eu tinha que ajuda-lo a arrumar uma valeta. Nessa hora eu pensei que precisava estudar muito para mudar minha história”, relembra.

Um tempo depois, o pai comprou uma caminhonete e o destino era a rua 13 de junho. “Catei muito papelão lá, era muito divertido até”. Neste tempo, concluiu o ensino médio e logo, tornou-se técnico em edificações. A aventura começa aí.

Foi contratado para trabalhar na expansão de uma rede telefônica em Cotia (SP) e depois, foi para Santa Rosa (RS). “Cheguei lá estava 5° Celsius e não tinha agasalho algum. Pensei bem sobre o problema e fui direto para uma igreja evangélica, que era minha religião. Saí de lá com duas jaquetas e cobertor”.

Como obstáculos fazem parte das histórias de superação, a empresa não pagou. Mas ele conseguiu um novo emprego dalí mesmo, desta vez, no Rio de Janeiro.

“Mas levei outro cano de novo. Como eu havia conseguido o cargo de coordenador geral do grupo, fiz o que pude para que todos retornassem a Cuiabá, porém, eu teria que ficar lá mais tempo para conseguir um jeito de voltar. Eis que me aparece uma bolsa para um curso de terapia oriental. E lá fui eu. Um tempo depois, comecei a ir para a praia todos os dias com uma cadeira de massagem. Logo, estava de volta”.

Quando chegou, fez concurso para Polícia Militar. Ficou para segunda chamada e como vivia o impasse, tratou de buscar outras coisas para fazer, foi quando foi auxiliar de cozinha, fez faxina, foi garçom e começou a trabalhar no Comercial Tarumã. Quando falaram da faculdade de Administração em uma universidade particular, o desafio aumentava de tamanho. “A mensalidade era R$ 520 e eu ganhava R$ 400. Comecei a fazer bicos, mas não foram suficientes”.

“Penso que haja o que houver, não deu certo, não tem problema, não podemos nos deixar abater porque Deus tem um propósito na nossa vida e ele cumpre. Certa vez um pastor me disse: ‘você vai conhecer lugares distantes’. Eu acreditei, pois somos células em construção”.

Foi quando lhe fizeram uma oferta. Para cada aluno que capitalizasse, conseguiria um desconto de 10% no valor da faculdade. “Então eu comecei a sair de casa cedo, chegava todo suado na lagoa do Paiaguás, tomava um banho, seguia para a Seduc, deixava minha bicicleta lá e ia de órgão em órgão”. Ao final, levou 48 alunos para a faculdade e pagou assim, todo o curso de 4 anos.

Em 2003, foi chamado para a Polícia Militar também. “Fui para as ruas, fiz policiamento a pé, de viatura. Fiz todas as atividades que me foram determinadas”.

Já formado, conseguiu trabalho na Diretoria de Saúde da PM, onde trabalhou por mais um ano. Daí, com parte do salário fez um pós-gradução em Auditoria de Sistema de Saúde na Unic. E logo, a convite, passou a integrar os quadros do MT Saúde, como coordenador de gestão programática. Mas uma reformulação no organograma levou à sua dispensa.

“Acho que era difícil para as pessoas entenderem que um soldado – mesmo que houvesse se preparado para isso e tivesse todo conhecimento necessário – pudesse ocupar o cargo”.

Mas isso, claro, não foi motivo para desânimo. Eis que lhe aparece uma nova chance: o mestrado. “Passei no processo seletivo, mas eu ganhava apenas R$ 900 e o mestrado era R$ 1280,00 em 30 parcelas”. Entre uma ajuda e outra, conseguiu persistir no novo objetivo. “Lembro que fui o primeiro praça a ser liberado para tal fim. Mas graças a Deus, consegui começar a dar aulas no curso de Administração da Fauc, já que eu estava me especializando”.

Próximo desafio: ele não tinha dinheiro para fazer as viagens até São Carlos (SP). Algum problema? Nenhum. Laudicério saía uniformizado - ou não - todo fim de semana, por 24 meses, em direção à estrada para pedir carona. “Conseguia fazer uma refeição ou outra quando alguém notava que eu não estava me alimentando porque não tinha dinheiro. Quando chegava à faculdade, minha orientadora me dava fruta, bolachas. Ela sabia da minha situação”.

Apresentada a dissertação de mestrado e tendo iniciado o doutorado, conheceu a dona de uma faculdade no Pará que precisava de alguém contribuir na melhoria da nota do Curso de Graduação em Administração, seguindo orientações do Ministério da Educação. “Durante os dois anos que trabalhei lá, atingiram a nota 4. A máxima era 5”, se orgulha. "Tive a oportunidade de implementar minhas atividades do doutoramento nesta Instituição". Foi um passo para tornar-se chefe de uma revista científica, credenciado pela Associação Brasileira de Educação Científica.

Ávido pelo conhecimento, hoje é estudante de Direito, prestes a se formar.

“Eu acredito que não precisa ter estudo, precisa ter sonho, mas sonhos alicerçados. A gente tem que correr para conquistar o que quer”.

Fora a carreira acadêmica, hoje ele também atua como assessor de Ciência e Pesquisa na Polícia Militar de Mato Grosso, instituição pública em que inclusive, já teve oportunidade de ministrar cursos para oficiais. “Temos uma hierarquia, mas a construção do conhecimento coloca todos em igualdade”. Atualmente, sua meta é estimular “seus irmãos de farda”..

Outros três novos sonhos já conseguiu conquistar. Alugou um apartamento, comprou um carro popular no fim do ano passado e acaba de chegar de uma viagem pela Europa. E o Pós-Doutorado? A viagem foi o início de uma pesquisa. "Queria presenciar ações que tinha aprendido teoricamente durante meus estudos, como a Democracia, que levou à cidade de Atenas na Grécia, berço da democracia no passado". 

"Quero poder contribuir de alguma forma com a sociedade. Estudei, me preparei, recebi tudo na vida. Que seria disso tudo se eu não pudesse retribuir?". 
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