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05/01/17 às 22:35

Sementes ou mudas?

Estudo da Embrapa avalia modelos agrícolas em áreas de preservação ambiental

Ariosto Mesquita - DBO

Edição para Água Boa News, Clodoeste Kassu

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Sementes ou mudas?

Área de ensaios de recomposição florestal da Embrapa em Sinop (MT)

Foto: Gabriel Faria

A obrigatoriedade de recomposição das áreas de reserva legal imposta pelo novo Código Florestal (em vigor desde 2012) deixou muitos agricultores em dúvida: qual é o manejo mais adequado? Que tipo de tecnologias usar? Um estudo conduzido por pesquisadores da Embrapa Agrossilvipastoril em quatro municípios do Mato Grosso (Sinop, na área de transição entre a Amazônia e o Cerrado; Guarantã do Norte, na Amazônia mato-grossense; Canarana, no vale do Xingu; e Campo Novo do Parecis, na região centro-oeste do estado) começa a dar algumas respostas.

No primeiro estágio de monitoramento, eles avaliaram a densidade de plantas (quantos indivíduos de cada espécie existem por unidade de área) em quatro modelos de produção agrícola: regeneração natural, plantio de mudas, semeadura direta e semeadura a lanço.

Quando se adota a regeneração natural, método de menor impacto para o bolso do produtor, os resultados obtidos se mostraram diretamente ligados ao histórico de utilização da área. Em Sinop, onde o campo de teste tinha sido palco de agricultura tecnificada, o número médio de plantas observado foi de 200 indivíduos por hectare. No experimento em Guarantã do Norte, feito em área anteriormente ocupada por pastagem extensiva, esta média subiu para 1.000 indivíduos/ha.

Quando se faz o plantio de mudas (sistema planejado, em espaçamento 4 x 3 metros) a densidade é de 800 indivíduos/ha. Na semeadura direta (em linhas) a pesquisa indica muita variação, com densidades iniciais de até 15 mil indivíduos/ha. “Este número, neste modelo, diminui com o raleamento natural das plantas”, observa o biólogo e pesquisador Ingo Isernhagen, se referindo à eliminação espontânea dos indivíduos em excesso, permitindo o espaçamento ideal para o desenvolvimento dos demais.

Na semeadura a lanço não foram observadas diferenças significativas em relação ao plantio em linhas. “Todos os quatro modelos têm potencial, dependendo dos objetivos e do histórico de uso da área”, salienta Isernhagen.

Uma situação que ficou clara e que serve de termômetro para o produtor rural, diz respeito à opção pela regeneração natural (técnica em que é feito apenas o isolamento da área para que o solo, por conta própria, restaure a vegetação nativa). Os experimentos indicam que em áreas com histórico de agricultura tecnificada, a recomposição é bem limitada, como foi registrado no ensaio de Sinop (200 ind/ha).

Esta ineficiência, segundo o pesquisador, acontece fundamentalmente por estas áreas geralmente apresentarem um pobre banco de sementes, resultado de um solo minado pelo seu uso intenso, revolvimento das camadas superficiais, retirada de raízes e uso de herbicidas, dentre outras causas. “Neste caso é necessária a intervenção, com o uso de mudas ou sementes”, afirma.

A Embrapa considera importante esta observação, uma vez que a técnica é tida como boa alternativa pelos produtores que precisam se adequar ao Código Florestal com pouco trabalho e desembolsando o mínimo de recursos. No entanto, mesmo que a área tenha recebido pouca intervenção, nem sempre a riqueza biológica de seu solo será garantia para um bom resultado. “Caso haja um banco de sementes de gramíneas invasoras, por exemplo, este potencial de regeneração pode ser retardado ou mesmo inviabilizado”, explica o biólogo.

Bons resultados

Em Canarana, onde fica a área de experimento mais antiga (pouco mais de quatro anos), Isernhagen identificou resultados positivos em todos os tratamentos de recomposição: “Utilizamos 16 espécies nativas para semeadura ou plantio de mudas, mas outras 46 foram registradas na regeneração natural. A área é originalmente de Cerrado, com histórico de pastagem em capim exótico (Andropogon) e degradada. Com tudo isso, apresentou elevada capacidade de regeneração”.

Caso o produtor tenha de recompor reserva legal em uma área com histórico de agricultura tecnificada, a Embrapa não vê alternativa a não ser a intervenção através de semeadura ou plantio de mudas. Antes de optar, Isernhagen aconselha ao proprietário rural avaliar seus prós e contras de cada modelo.

“Havendo oferta de sementes de qualidade na região, sua utilização geralmente apresenta custos menores além da implantação ser mais rápida do que uma área de mudas. Por outro lado, a semeadura dificulta, apesar de não impedir, a criação de cenários de manejo econômico. Também torna mais complexo o controle inicial de mato-competição em função de seu maior adensamento”, detalha.

Optando pelas sementes, o proprietário rural terá de definir a forma de plantio. Na semeadura em linha (direta), a Embrapa sugere a adaptação das plantadoras de grãos para servir como ferramentas de implantação das sementes no solo. “Os espaçamentos, entrelinhas e as misturas podem variar, mas normalmente utilizamos sementes nativas misturadas com adubos verdes, como crotalária, gergelim e feijão guandu arbustivo e herbáceo”, avisa.

A Embrapa também trabalha com a semeadura a lanço tendo como ferramenta básica calcareadeiras adaptadas. De acordo com Isernhagen, geralmente é feita uma mistura com areia, pó de arroz ou algum substrato que permita melhor homogeneidade na distribuição das sementes pelas máquinas. Para garantir melhor incorporação ao solo ele sugere uma “gradagem leve” após a semeadura. E alerta: “Tanto em linha quanto a lanço é preciso estar atento ao tamanho das sementes. Algumas grandes, como o pequi, precisam ser incorporadas ao solo manualmente”.

No que diz respeito aos custos de recomposição florestal nas áreas de pesquisa, o estudo aponta alguns números: em Sinop, após três anos de implantação, o plantio de mudas demandou R$ 12 mil por hectare. Foram computadas, dentre outras coisas, as horas/homem dos funcionários da Embrapa Agrossilvipastoril e a aquisição das mudas (R$ 1,50 cada). Em Canarana, por sua vez, o mesmo modelo de regeneração teve custo médio de R$ 5 mil/ha. “Lá, temos a parceria da Rede de Sementes do Xingu e da prefeitura. Isso ajudou a reduzir nossos gastos com a aquisição de matéria prima e pagamento de mão-de-obra”, explica.

Em Canarana, a regeneração natural foi o modelo que exigiu menor investimento. O custo ficou em R$ 300/ha, incluindo o controle de formigas. Com relação à semeadura direta, os ensaios em Sinop não foram relevantes. Em Canarana, os gastos totalizaram R$ 2,7 mil/ha. “Há de se ressaltar que, nesta região, há oferta de sementes de qualidade. Além disso, a intervenção por semeadura costuma ser mais barata por pular a etapa de produção de mudas em viveiro e a logística de transporte em campo é bem mais simples, demandando menos tempo e mão-de-obra”, observa Isernhagen.

Embora a pesquisa ainda demande mais tempo de monitoramento para chegar a resultados conclusivos, o biólogo da Embrapa entende que o produtor antenado em um futuro manejo produtivo de sua reserva legal deve ficar atento às possibilidades do plantio de mudas: “Esta opção permite melhor quantificação de indivíduos por espécie, favorecendo o planejamento de atividades econômicas”.

Mas é possível utilizar mais de um modelo para restauração da reserva legal? Ingo garante que sim: “Posso usar a semeadura direta no início, priorizando espécies de rápido crescimento. Depois, tenho a opção de enriquecer essa área com mudas de plantas de maior valor econômico, incluindo aquelas que têm dificuldades de germinação por semeadura ou que estejam ameaçadas de extinção e cujas sementes não podem ser desperdiçadas. Este mesmo raciocínio pode ser aplicado no procedimento de regeneração natural”. 

 Resposta econômica

 

Identificação das áreas no estudo da Embrapa e terreno em Machadinho do Oeste (RO) com plantiio de teca.
Isernhagen entende que o produtor brasileiro está perdendo dinheiro ao encarar a reserva legal apenas como um encargo, se esquecendo ou mesmo ignorando as possibilidades de sua exploração econômica: "Mesmo antes do Código Florestal já era possível manejar as reservas com produtos madeireiros e não madeireiros, investir na produção de mel e na atividade de ecoturismo, por exemplo. Mas até hoje falta conhecimento e incentivo para que isso ocorra.

A extensão rural em todo o país precisa também incorporar essa vertente, deixando de pensar as reservas legais como empecilhos na propriedade rural". Segundo ele, o exercício de uma visão de longo prazo é necessário, mas não uma regra absoluta. "A resposta econômica não vem tão rápida quando se trata de manejar a vegetação nativa. Porém, existem exceções.

Sementes e frutos, por exemplo, podem ser coletados ao longo de todo o processo de restauração da área", lembra. "Outro caminho a ser trilhado é o do pagamento por serviços ambientais, procedimento previsto pelo Código Florestal, mas ainda não regulamentado em nível federal", completa. O pesquisador salienta que a lógica financeira não pode ser a única coisa na mente do produtor: "Ele tem de entender as reservas legais e as áreas de preservação permanentes como tampões para o equilíbrio da paisagem rural que garantirão segurança hídrica e microclimática para sua atividade. Embora eventualmente possa ocorrer, nosso estudo não propõe que as reservas sejam mais produtivas que um plantio ou criação animal bem feitos".

O estudo da Embrapa, intitulado, "Recomposição de reservas legais como sistemas de conservação e produção na região de transição Amazônia/Cerrado e no Cerrado" deve se estender até pelo menos 2018, abrangendo também a avaliação da riqueza de espécies (funções ecológica e econômica).

"O agricultor perde dinheiro ao encarar a reserva legal apenas como encargo, esquecendo as possibilidades de exploração econômica".

*Matéria originalmente publicada na edição 75 da Revista Agro DBO, em março de 2016

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