A Operação Sanctorum, realizada pela Polícia Civil, prendeu na manhã desta quinta-feira (2) três homens acusados de participarem de um esquema de desvio de verbas de emendas parlamentares de deputados estaduais e federais ainda não identificados destinadas a hospitais filantrópicos, com a compra superfaturada de equipamentos médico-hospitalares. Gilmar Aparecido Alves Bernardes foi preso em Presidente Prudente. Já Ronildo Pereira de Medeiros e Luiz Antônio Trevisan Vedoin, que já haviam sido presos na Operação Sanguessugas, em 2006, foram detidos em Cuiabá (MT).
Polícia Civil também cumpriu mandados de buscas
na Santa Casa de Presidente Venceslau
(Foto: Arlene Balieiro/TV Fronteira)
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Em Presidente Venceslau, os policiais civis realizaram buscas e apreensões na Santa Casa e na residência e no escritório do provedor do hospital, Antonio José Aldrighi dos Santos. O delegado Mauro Shiguetoshi Chiyoda, que coordena a operação em Cuiabá, informou o cumprimento das prisões e de buscas nas residências dos envolvidos.
"A operação segue em andamento. Os presos devem ser levados para Presidente Venceslau ainda nesta quinta-feira [2]", afirmou o delegado.
De acordo com a Polícia Civil, há demonstração de existência de "prática de crimes de extorsão, peculato, apropriação indébita, associação criminosa ou organização criminosa, crimes contra a ordem tributária e lavagem de capitais”.
Casa do provedor da Santa Casa de Venceslau
também foi alvo de buscas
(Foto: Arlene Balieiro/TV Fronteira |
O esquema
“As investigações apuraram que o grupo coopta provedores de hospitais filantrópicos, muitas vezes com a promessa de pagamento de vantagem indevida e, em seguida, com a liberação dos recursos, a mesma organização empresarial criminosa ingressa na venda dos produtos por meio de empresas 'fantasmas' registradas em nome de 'laranjas', com a venda de produtos em valor muito superior ao de mercado, isso quando efetivamente ocorre a entrega”, apontou a Polícia Civil.
Contudo, ainda não se sabe se isso ocorreu ou como houve o pagamento ao provedor Antonio José Aldrighi dos Santos, da Santa Casa de Presidente Venceslau. Por enquanto, foi apurado que houve a compra de equipamentos superfaturados, além de medicamentos e produtos hospitalares que constam em notas fiscais emitidas por uma empresa fantasma, totalizando cerca de R$ 800 mil, mas que nunca entraram no estoque do hospital.
Produtos superfaturados eram vendidos para
Santa Casa de Pres. Venceslau
(Foto: Heloise Hamada/G1)
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Esses indícios foram confirmados pelo provedor Antonio José Aldrighi dos Santos, em confissão ocorrida no dia 26 de maio de 2016, na sede da Central de Polícia Judiciária (CPJ), em Presidente Venceslau, "o que revela um extenso esquema criminoso voltado a solapar o diminuto e sagrado patrimônio do Estado voltado ao precário sistema de saúde do Brasil, que tem como elo importante as Santas Casas como integrantes do Sistema Único de Saúde”, conforme a Polícia Civil.
“As investigações de Polícia Judiciária demonstraram, ainda, que no início de 2012, Ronildo Pereira de Medeiros, agindo com o cooptador para a área do Estado de São Paulo e Norte do Paraná, Gilmar Aparecido Alves Bernardes, realizaram uma reunião no Hotel Colúmbia, na cidade de São Paulo, em que participaram Antonio José Aldrighi dos Santos e outros vinte provedores de hospitais públicos e filantrópicos, quando então os provedores e diretores entregaram uma lista de equipamentos de interesse aos nosocômios, ao assessor do então deputado federal e líder do governo federal, à época, Cândido Elpídio de Souza Vaccarezza”, pontuou a corporação.
O G1 tentou contato por telefone com Vaccarezza nesta quinta-feira (2) para abordar o assunto, mas não obteve êxito.
Ainda segundo a polícia, os participantes saíram da reunião cientes de que com a liberação das verbas as compras deveriam ser realizadas diretamente das empresas indicadas por Medeiros, sendo estas as instituições fantasmas gerenciadas pelo empreendimento criminoso. Para a Santa Casa de Presidente Venceslau, a promessa inicial consistia na liberação de R$ 2,8 milhões, quantia que acabou sendo reduzida a R$ 800 mil.
Polícia Civil realizou a operação em Cuiabá (MT)
e Presidente Prudente (Foto: Heloise Hamada/G1)
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“Não bastassem as evidentes práticas de malversação dos fundos públicos, os integrantes da organização criminosa agem com o nítido pensamento de que as quantias destinadas aos hospitais filantrópicos lhes pertencessem, pelo que, ao que consta, passaram a promover ameaças de morte ao provedor da Santa Casa de Presidente Venceslau, tão logo souberam de que não ocorreria o pagamento inicial por conta daquele ato proveniente do Governo do Estado de São Paulo que, por motivos de saúde financeira e orçamentária, alterou a natureza das verbas incorporadas ao patrimônio estadual para exclusivamente custeio”, salientou a Polícia Civil.
As investigações também verificaram que, após o repasse dos valores às contas das Santas Casas, Medeiros passou a enviar os equipamentos, simulando notas de doações emitidas por uma empresa fantasma. Em um levantamento da CPJ, apurou-se junto à Vigilância Sanitária do local da sede, em Carapicuíba (SP), que tal instituição nunca existiu fisicamente naquele endereço.
“Em âmbito local, concomitante às notas fiscais de doação, Medeiros teria iniciado um ciclo de ameaças ao provedor e investigado Antonio José Aldrighi dos Santos, o que teria ocorrido inclusive com telefonemas a sua residência. Segundo o provedor local, Ronildo, que se identifica como Pereira, descobriu de alguma forma [talvez com a participação de Gilmar] sobre a morte do filho de Antonio José por infecção hospitalar e durante o velório teria realizado uma ligação ao provedor com a afirmação de que ambos deveriam ser enterrados. As ameaças são graves e revelam a insensibilidade dos operadores do sistema criminoso”, enfatizou a corporação.
Essas ameaças retratadas pelo provedor foram confirmadas por um outro funcionário do hospital, que prestou depoimento em 28 de maio de 2016, também na CPJ.
Gilmar Bernardes fazia a ponte entre os provedores
e os líderes do esquema
(Foto: Heloise Hamada/G1)
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“Em seguida, em nova reunião, desta vez na sede da Santa Casa, Pereira apresentou definitivamente Vedoin como sendo o proprietário da empresa Denivaldo Mateus de Lima Ltda.-ME. Na oportunidade, segundo versão unilateral do provedor, Pereira teria proferido grave ameaça na presença de Vedoin e de outros funcionários e conselheiros da Santa Casa de Presidente Venceslau”, disse a Polícia Civil.
As investigações também concluíram que neste ano eles voltaram a se encontrar em novas reuniões de cobrança, tanto na cidade de São Paulo como em Presidente Prudente, sempre com a presença de Vedoin, Medeiros e com a “imprescindível participação do operador local do sistema criminoso, Gilmar Aparecido Alves Bernardes”.
“É certo, entretanto, que somente após o dia 29 de abril de 2016 a autoridade policial tomou conhecimento dessas reuniões, por meio de informações fornecidas pelo advogado do provedor local”, destacou a polícia.
Gilmar Bernardes fazia a ponte entre os provedores e os líderes do esquema (Foto: Murilo Zara/TV Fronteira)
Atualização
Esquema de corrupção na saúde tem âmbito nacional, segundo a polícia
Luiz Vedoin e Ronildo Medeiros estavam na Operação Sanguessuga.
Agora, eles são acusados de comandar novo processo de desvio de verbas.
Luiz Antonio Trevisan Vedoin e Ronildo Pereira de Medeiros, detidos nesta quinta-feira (2), na Operação Sanctorum, em Cuiabá (MT), já haviam sido presos em 2006, no caso que ficou conhecido como Operação Sanguessuga. Os dois, que eram considerados os mentores, novamente foram apontados como os líderes do esquema criminoso, dessa vez aplicado no Oeste Paulista, mas com âmbito nacional, segundo a Polícia Civil.
As novas acusações são decorrentes de investigação da Polícia Civil, em Presidente Venceslau. Eles são considerados os líderes do esquema de desvio de verbas de emendas parlamentares de deputados estaduais e federais ainda não identificados que seriam usadas para compras de equipamentos médico-hospitalares para hospitais filantrópicos.
Segundo informou a Polícia Civil, o líder da estrutura hierarquizada de característica empresarial é Vedoin, que desde sua prisão, em 2006, “mantém suas atividades sempre vinculadas a contatos com deputados federais, estaduais e senadores na obtenção de verbas parlamentares e consequente implementação no superfaturamento nas aquisições, com restituição de parte do dinheiro aos parlamentares”.
“O que, segundo revelado nas investigações, tem ocorrido de forma endêmica com aparelhamento de um esquema criminoso em todo o Brasil, não poupando nem a mais sagrada das verbas – aquela destinada ao atendimento das pessoas carentes da prestação de saúde por meio das Santas Casas”, destacou a polícia.
Vedoin é visto nas investigações como uma “espécie de sócio oculto” das empresas fantasmas e não aparece formalmente nos contratos implementados pela organização, “modus operandi diverso do adotado nos crimes relacionados à Operação Sanguessuga”.
Ainda conforme a polícia, este papel de líder perante os demais membros da organização, como no caso que envolveu a Santa Casa de Presidente Venceslau, foi confirmado por meio de imagens de reuniões, em que ele aparece conduzindo os diálogos, sempre "sob olhar e fiscalização" de Medeiros e Gilmar Aparecido Alves Bernardes, este último morador de Presidente Prudente e também preso na Operação Sanctorum, nesta quinta-feira (2).
“Com efeito, a despeito das medidas de persecução das demais investigações, Luiz Antonio Trevisan Vedoin continua a perpetrar crimes, com tendência voltada a hospitais filantrópicos, agora em maior escala, porquanto atua em todo o Brasil, utiliza um chip telefônico por dia e não seria reconhecido, senão pela análise de vínculo entre ele e Ronildo, conforme auto de reconhecimento pessoal dos possíveis corréus, o que exigiu a apresentação de centenas de registros fotográficos ao reconhecedor”, explicou a Polícia Civil.
'Corpos no Rio Paraná'
Já Medeiros, se identificava como "Pereira para evitar ser reconhecido", conforme revelou a corporação, além de indicar as empresas fantasmas que emitiam as notas frias, é acusado de ameaçar o provedor da Santa Casa de Presidente Venceslau, Antonio José Aldrighi dos Santos, e cobrar a quantia combinada no esquema fraudulento, verba que ele considerava de sua propriedade.
“Antes mesmo da liberação dos recursos para a Santa Casa de Presidente Venceslau, Pereira, pelo poder de influência que exerce em outras instâncias de poder, teve acesso à informação privilegiada e passou a exercer pressão no provedor, sempre narrando com naturalidade que o valor correspondente às verbas liberadas pertence a ele e, por conseguinte, não deveria ter outra destinação, ainda que para tanto tivessem que matar o provedor ou outros funcionários e lançar os corpos no Rio Paraná”, destacou a investigação da Polícia Civil.
A corporação também acrescentou que, "com a mesma naturalidade", ele determinava que os equipamentos fossem recebidos a título de doação e, de forma paralela, seriam emitidas notas de medicamentos como forma de "burlar determinação emanada do Governo do Estado de São Paulo que em medida de higiene financeira orçamentária determinou a alteração para verbas de custeio”.
Prisão
A prisão temporária foi requerida pela polícia e decretada por cinco dias pela Justiça. Os dois foram presos em Cuiabá (MT), em suas residências, onde a Polícia Civil também cumpriu mandados de buscas.
A dupla será transferida para Presidente Venceslau ainda nesta quinta-feira (2), segundo informou a Polícia Civil.