Vilã ou tábua da salvação. Esses são os rótulos que a soja mato-grossense recebe. O primeiro parte de ambientalistas com apoio de setores políticos. O outro brota da generosidade dos produtores rurais e dos defensores do agronegócio. Esse foi o clima no debate promovido pela Universidade Federal (UFMT) sobre a tributação ou não da leguminosa. Sobrou convicção aos debatedores, mas ao mesmo tempo nenhum tinha números oficiais sobre o universo econômico e social criado ou transformado com a lavoura em escala; quando muito dispunham de informações com visão estreita.
Lavoura no Chapadão do Parecis - FOTO: José Medeiros
O debate, na noite de quinta-feira (19), reuniu técnicos, professores e deputados estaduais mediados pelo professor e comentarista político Alfredo da Mota Menezes e teve acanhada participação popular. Ao término nenhuma das partes se deixou convencer pela outra. Aparentemente os dois lados concordaram em algo: falta um banco de dados cruzados para se saber da conveniência ou não da tributação para efeito de exportação, que não pode ser criada por lei estadual, pois a desoneração do ICMS da soja e de outras commodities é definido pela Lei Kandir criada em 1996 e que vigora desde 1997; para o produto no mercado nacional e o consumo interno já existe alíquota de ICMS. A única discordância sobre a busca do consenso ficou por conta do deputado José Carlos do Pátio (SD). Pátio foi duro em sua participação. Disse que é preciso criar uma força para tributar os barões da soja, que segundo ele, até 2000 financiavam políticos e a partir de 2002 conquistaram o poder. “Eu mesmo fui vítima dessa gente”, observou o deputado fazendo alusão a derrotas eleitorais por ele sofridas em Rondonópolis.
Wellington Andrade, representante da Aprosoja (associação dos produtores de soja e milho) não deixou que o radicalismo fosse exclusivo de Pátio. Andrade traçou um comparativo entre Mato Grosso e o estado de Santa Cruz, na Bolívia. Citou que a população de ambos é de 3,2 milhões, que o perfil econômico dos dois lados da fronteira é agrícola; a diferença fica por conta do funcionalismo ativo e aposentado dos governos estaduais: lá são 10 mil servidores; aqui, 98 mil. Esse desabafo tinha endereço certo: o Fórum Sindical, que congrega o funcionalismo e que é um dos principais defensores da tributação, já que o Palácio Paiaguás sustenta que não tem caixa para repassar o RGA porque o custeio da máquina pública rompe o limite de 49% e passa de 50% das receitas correntes líquidas, uma vez que a alíquota tributária da soja para exportação é zero.
A sugestão da tributação tem duas origens: no Fórum Sindical e na Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM), que contratou um grupo de consultores para se debruçar sobre o assunto. O presidente da AMM, Neurilan Fraga, foi ao debate, mas sem convite para a mesa. Questionando debatedores Neurilan disse que representa 141 municípios e estranhou o gelo sofrido.
A Secretaria de Fazenda (Sefaz) não participou do debate e os debatedores não abordaram a falta de controle do governo sobre o esmagamento de soja, o que se acontecesse revelaria os números de seu consumo interno, porque além de escoada ao mercado nacional e para exportação a leguminosa tem destinação doméstica por meio de seu farelo, que se transforma de proteína vegetal em proteína animal.
O deputado Wilson Santos (PSDB) lembrou os danos à saúde humana e ao meio ambiente pela aplicação desordenada de agroquímicos nas lavouras, mas não apresentou números sobre quantidade de produtos nem sobre o sistema de recolhimento de embalagens distribuído nos municípios.
O professor Benedito Pereira, diretor da Faculdade de Economia da UFMT vê a universidade na condição estratégica para levantar os dados necessários ao afunilamento e quer capilaridade popular sobre a questão, mas Wilson Santos defende que o caso deve ser discutido somente em Cuiabá, por entender que nos demais municípios pode haver violência contra os defensores da tributação.
O primeiro passo foi dado. No escuro, mas foi. O questionamento está posto, com nomes. Faltam os números e se esses apontarem para a tributação começará a fase definitiva: convencer o Congresso Nacional a criar uma legislação que lance imposto sobre os produtos primários e semielaborados para exportação, o que no economês recebe o rótulo de exportar tributos embutidos na soja, farelo de soja, carnes, algodão, milho, diamante e etc.
Municípios entre o paraíso e o abismo
Da Reportagem
Lucas do Rio Verde é ilha de excelência, segundo deputado - Foto arquivo
Soja é tema polêmico o deputado José Carlos do Pátio a condena. Disse que mesmo assim é obrigado a reconhecer que ela criou ilhas de excelência citando Lucas do Rio Verde enquanto exemplo positivo, mas observou que na outra ponta ela causa miséria social e retrocesso, como no município de Porto Estrela.
Dando números ao que ele chamou de ilha de excelência e de miséria social, em 1997 Porto Estrela tinha 4.546 habitantes e caiu para 3.158; em Lucas a população subiu de 13.692 para 57.285. Quanto ao PIB, o registro mais antigo do IBGE é de 1999 e mostra que naquele ano o de Porto Estrela era de R$ 9,8 milhões e que subiu para R$ 39 mi. Em Lucas a explosão foi de R$ 231,4 mi para R$ 2,41 bilhões.
O prefeito de Porto Estrela, Mauro Businaro (PMDB) não culpa a soja pela estagnação de seu município. Segundo ele, falta politica social. Businaro observa que houve êxodo populacional, principalmente de jovens que saíram em busca de emprego, “Muitos deles trabalham na agroindústria em Lucas”, argumenta.
Desnível social não é exclusividade entre os municípios mato-grossenses. No Brasil o Sul é mais desenvolvido que o Norte; em São Paulo a realidade em São Bernardo do Campo é uma e em Clementina outra – o primeiro é polo automobilístico e o outro sobrevive da agricultura familiar. O perfil agrícola de Lucas tem as digitais dos produtores, mas o município somente se consolidou economicamente graças ao seu relevo que permite a agricultura mecanizada. Porto Estrela, acidentado, sobrevive com a pecuária.
Enquanto Lucas importa mão de obra até no Nordeste, Porto Estrela convive com dura realidade. Lá, 587 famílias sobrevivem com o Bolsa Família. A água chega a 800 unidades e a taxa única de R$ 15, por imposição do Tribunal de Contas do Estado, que exigiu a cobrança. “Parte da população não tem como pagar a água e nossa receita de IPTU e ISSQN é zero”, lamenta Businaro.
A questão da soja precisa ser examinada com amplitude, mas além disso é preciso rever as transferências constitucionais, e o governo deve reexaminar as renúncias tributárias para em alguns casos suspendê-las e em outros cria-las. Businaro cita que se o governo abrisse mão do ICMS para telefonia fixa, energia e combustível seu município se tornaria atrativo para investidores. “Fora disso, é administrar o caos”, resume. (EG)
Avanços na produção e leite contaminado
Da Reportagem
Lucas do Rio Verde é ilha de excelência, segundo deputado - Foto: arquivo
Professor de História, o deputado Wilson Santos falou sobre a atividade econômica e a relação capital-trabalho no Brasil desde a chegada dos portugueses. Wilson Santos acredita que o modelo econômico do país sempre teve quatro pernas: exploração da mão de obra pelos barões (agora da soja), exportação de produtos primários, latifúndio e benefícios fiscais. Segundo ele, a única mudança ocorrida diz respeito ao trabalhador, que em Mato Grosso foi substituído pelo trator.
Wellington Andrade, da Aprosoja, saiu em defesa dos seus associados. Revelou que metade dos produtores cultivam no máximo 500 hectares, condição essa que os deixa entre os médios produtores. Cesar Martins, que planta em Nova Mutum, não aceitou a pecha de barão da soja. Narrou que trabalha duro, todos os dias, enfrentando problemas climáticos, instabilidade de mercado, pressão ambiental e trabalhista. Avaliou que seu município tem boa qualidade de vida e que acolhe gente de todos os lugares em busca de oportunidade. “Não podemos receber esse tipo de tratamento”, esbravejou.
A substituição do homem pela máquina é uma afirmativa correta de Wilson Santos. Mato Grosso produz 25% da safra nacional de grãos e plumas. Em 2014/15 a produção alcançou 54 milhões de toneladas. Não é possível cultivar tanto assim sem tecnologia.
Todo o processo produtivo é mecanizado e parte automatizado. Essa realidade exige qualificação de mão de obra e a utilização da mais avançada tecnologia. Segundo o Registro de Aeronaves Brasileiras (RAB), da ANAC, o Brasil tem 1.400 aviões agrícolas e 560 voam em Mato Grosso, sendo que Primavera do Leste, com 120 aeronaves, tem a maior frota nacional aeroagrícola, segundo o presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola, Nelson Antônio Paim.
A cadeia profissional que milita na área agrícola é grande e diversificada. Seus números não estão catalogados, mas devem ser levantados para efeito da análise sobre a tributação ou não da soja.
A agricultura mato-grossense é de ponta no comparativo com outros polos mundiais. A mesma área é cultivada duas vezes no ano, o plantio direto cria um banco de adubo natural e a recuperação ambiental por parte dos produtores é inegável. Porém, há pontos nebulosos. O médico toxicologista, professor e doutor Wanderlei Pignatti, da UFMT, tenta provar que há efeito nocivo do agrotóxico sobre o leite materno em Lucas do Rio Verde. Pignatti sequer foi convidado para o debate. (EG)
Estradas boas, sim; e longas distâncias
Da Reportagem
Mato Grosso tem boa malha rodoviária pavimentada que escoa sua produção aos portos distantes - FOTO: Felipe Barros
Até mesmo os mais radicais defensores da tributação da soja acreditam que a Lei Kandir foi importante para o desenvolvimento de Mato Grosso. Porém, sua vigência atual é questionada e criou uma polêmica que a cada dia ganha mais corpo.
Em 1997 a população mato-grossense nos 126 municípios era de 2.264.813 habitantes e saltou para 3.265.486. No período, a quantidade de habitantes por quilômetro quadrado passou de 2,50 para 3,36. Depois da Lei Kandir 15 distritos se transformaram em municípios e nesse grupo Santa Rita do Trivelato, Santo Antônio do Leste e Ipiranga do Norte ocupam lugar de destaque na produção agrícola.
Com a desoneração Mato Grosso cresceu e expandiu a fronteira agrícola com sua produção saltando de 12 milhões de toneladas para 54 mi/t. Houve melhoria na malha rodoviária e o trem apita de Alto Taquari a Rondonópolis. No período, o produtor também se capitalizou e cada vez menos depende de financiamento agrícola. Esses argumentos foram apresentados em outras palavras pelo representante do Fórum Sindical no debate, Leovaldo Aparecido. Porém, o produtor em Sorriso e diretor da Aprosoja, Elso Pozzobon, rebateu esse entendimento. Pozzobon explicou que a localização geográfica concorre contra Mato Grosso. Explicou que no Paraná, Rio Grande do Sul, Maranhão, Piauí, Bahia, Paraguai e na Argentina o produtor cultiva próximo ao porto, enquanto aqui (MT) a soja percorre longo caminho.
Pozzobon não disse, mas de Sorriso a Rondonópolis o trajeto da soja é de 650 quilômetros. E que naquela cidade os grãos são embarcados nos vagões do trem para Santos, numa viagem de 1.520 quilômetros. Esse percurso se chama índice de continentalidade – que mede a distância da lavoura ao porto.
O que acontece em relação a Sorriso – maior município agrícola do mundo – se repete nos demais. Em qualquer direção o escoamento da safra percorre longas distâncias. Esse é o principal fator para que o óleo diesel represente 68% do combustível consumido em Mato Grosso, segundo Wellington Andrade, da Aprosoja.
O fiscal aposentado da Sefaz, Múcio Ferreira Ribas, derrubou os comentários que davam conta da tributação da soja exportada por Goiás e Mato Grosso do Sul. Ribas explicou que nunca houve isso. O que ocorre é que aqueles estados criaram um procedimento regulatório para limitar a exportação, nada mais. (EG)