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06/03/22 às 17:35 / Atualizada: 06/03/22 às 17:41

Perda de memória, depressão e estresse: conheça a Covid longa

Médica Ariely Borges explica quais são os sintomas e como tratar as sequelas neurológicas da doença

Davi Vittorazzi

Mídia News

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Perda de memória, depressão e estresse: conheça a Covid longa

A médica neurologista Ariely Teotonio Borges

Foto: Divulgação

A perda de memória e a dificuldade de concentração são alguns dos sintomas neurológicos frequentes de pacientes que pegaram a Covid-19 e enfrentam uma recuperação demorada. Casos como esse são chamados de Covid longa, quadro clínico que já é reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
 
Segundo estudo do Escritório Regional da Organização Mundial de Saúde (OMS) para a Europa, uma em cada 10 pessoas continua sentindo sintomas por mais tempo mesmo após a negativação dos exames.
 
Ao MidiaNews, a médica neurologista Ariely Teotonio Borges conta que vários estudos apontam os problemas neurológicos como constantes nos sintomas da Covid longa. No entanto, com acompanhamento médico e tratamento é possível se recuperar das sequelas.
 
“Infelizmente não há nenhuma medicação específica hoje. Mas a depender de cada médico, se ele entender pela necessidade, ele pode avaliar e entrar com outras medicações que a gente usa com outras doenças”, explica.
 
Confira a entrevista na íntegra:
 
MidiaNews: Nestes dois anos de pandemia, já era frequente receber pacientes que tinham sintomas em decorrência da Covid longa ou é algo mais recente?
 
Ariely Borges - Desde que a pandemia começou, nós já conseguimos avaliar através de estudos observacionais o surgimento de uma ampla gama de sintomas que os pacientes começaram a apresentar tanto na fase aguda, quanto na fase pós-Covid, que é após as quatro semanas da doença. E esses sintomas não são exclusivos da infecção por Covid-19. A gente já observa sintomas parecidos em outras doenças virais, em outras doenças de pacientes críticos como sepse, por exemplo. Mas isso foi visto de forma mais intensiva na Covid-19. Até pelo tanto que a doença tem sido estudada, pela forma como foi, ficou muito claro, mesmo a gente tendo tantos estudos assim, foi uma coisa que foi bem óbvia para todos o surgimento desses sintomas.
 
O que é exatamente o que a gente chama de Covid longa? - que é a mesma coisa de condições pós-Covid ou sequelas por condições agudas do Sars-cov. São sintomas que os pacientes podem ter, tanto físicos quanto mentais, que podem acontecer depois da fase de recuperação da doença aguda. Em geral, a gente classifica o sintoma de Covid agudo até, mais ou menos, quatro semanas. Então, essas condições que surgem depois de mais ou menos dois meses da Covid a gente chama de Covid longa.
 
MidiaNews - Os sintomas um mês após já é a Covid longa? 
 
Ariely Borges - Não exatamente. A gente classifica como Covid aguda sintomas até aproximadamente quatro semanas da doença. Os sintomas que surgiram após essa quatro semana, em torno de dois meses e meio, a gente poderia chamar de sintomas pós-Covid. Mas não é uma regra absoluta. Por exemplo: um paciente que ficou hospitalizado, muitas vezes dias, semanas, ele pode ter complicações que a gente consideraria aguda. A duração dos sintomas pós-Covid é altamente variável. O que influencia na duração dos sintomas pós-Covid? A idade do paciente, o quão grave foi a doença, se foi hospitalizado ou não, se precisou ir para UTI ou não, se o paciente tinha comorbidade prévia e quais eram as doenças do paciente tinha. Então, por exemplo, pacientes mais idosos que ficaram internados, principalmente na terapia intensiva, ou que têm outras doenças. Tudo isso aumenta o tempo de recuperação. Quanto mais essas características são presentes, mais tempo pode ser que esses sintomas pós-Covid durem. Hoje em dia, a gente tem a descrição desses sintomas durando em torno de dois meses, com alguns sintomas durando até 12 meses. Então varia muito de paciente para paciente, mas não melhora rápido. 
 
MidiaNews - Os problemas neurológicos são mais frequentes entre os pacientes que têm Covid longa?
 
24% deles descreveram sintomas de transtorno de estresse pós-traumático, 18% descreveram problemas de memória que tinham começado ou agravado depois do Covid
 
Ariely Borges: É uma queixa bastante frequente, sim. Quando a gente pensa nos sintomas mentais, que seria por exemplo os sintomas cognitivos e psicológicos, já houve vários estudos descrevendo isso. Então, por exemplo: houve um estudo no Reino Unidos que foi feito em um dos maiores hospitais da Europa que avaliou 100 pacientes com Covid-19 que tinham recebido alta. Destes, 24% descreveram sintomas de transtorno de estresse pós-traumático, 18% descreveram problemas de memória que tinham começado ou agravado depois do Covid, 16% descreveram problemas de concentração que tinham surgido ou piorado após a Covid-19. E a gente vê que isso é mais comum quanto maior a gravidade da doença. Em pacientes que ficaram em UTI, por exemplo, esses sintomas eram mais comuns do que aqueles que não ficaram em UTI.
 
Vários outros estudos já escreveram isso também. Há outro estudo que apontou que mais ou menos 50% dos pacientes sobreviventes à Covid descreveram, através de testes, a piora da qualidade de vida. Dentre esses conceitos de qualidade de vida, 22% descreveram a ansiedade e depressão como sintomas presentes.
 
MidiaNews - É possível dizer que quanto maior a gravidade da doença na fase aguda maiores as chances de desenvolver a Covid longa?
 
Ariely Borges - Sim, isso é verdade, quanto maior a gravidade na fase aguda mais risco de você ter esse sintomas de Covid longa. Há até um um estudo que avaliou isso. Por exemplo: os pacientes que foram vacinados e que tiveram sintomas mais leves da doença aguda também tiveram sintomas mais leves da Covid longa. Então, na teoria, quanto maior a gravidade, maiores os riscos de desenvolver esses sintomas. 
 
MidiaNews - Quais são os principais sintomas da Covid longa?
 
Ariely Borges: Mais ou menos um terço das pessoas que têm Covid descrevem pelo menos um sintoma de Covid longa. Os sintomas mais frequentes que a gente tem é a fadiga, a dispneia - que é a falta de ar. Você pode ter também dor no peito, tosse, esses seriam os sintomas mais frequentes. Um pouco menos frequentes, a gente também teria a dificuldade de sentir cheiro, dores nas juntas, dor de cabeça, falta de apetite, tontura, insônia, alopecia, que é a queda de cabelo. Dentro dos sintomas psicológicos e cognitivos, os principais são a perda de memória, a dificuldade de concentração e de atenção.
 
MidiaNews - Quais as sequelas da falta falta de oxigênio no sangue dos pacientes que tiveram que ser intubados?
 
Ariely Borges: Hoje há diversos estudos para tentar entender as causas das complicações neurológicas. E hoje a gente tem vários mecanismos já foram descobertos. Mas é uma doença nova que tem sido estudada. A gente já sabe que existem alguns mecanismos envolvidos com as complicações neurológicas. Uma delas é exatamente isso que você descreveu, que é a hipoxemia, que é a baixa concentração de oxigênio no sangue. Pacientes que tiveram a hipoxemia no Covid grave, isso poderia desempenhar um papel que muita gente chama de encefalopatia. Então seria uma das possíveis causas. 
 
Outra possível causa seria uma resposta imunológica, uma resposta do sistema imune, desregulado, exacerbado. Isso aí levaria a sinais de inflamação sistêmica mais grave e poderia aumentar o nível de citocinas inflamatórias, que são marcadores de inflamação, e que também poderiam culminar com complicações neurológicas.
 
MidiaNews - Esses impactos cerebrais provocados pela Covid longa podem ser irreversíveis?
 
Ariely Borges - Ainda não temos estudos que definam isso. Mesmo considerando o tempo que a pandemia tem levado, a Covid é considerada uma doença recente. Temos muitos estudos em andamento, mas ainda não temos essas informações, de que o paciente vai ter sequela permanente. Mas o que a gente sabe é que esses sintomas duram em torno de dois a nove meses e a maioria dos pacientes, em geral, eles têm melhora.
 
O que pode acontecer às vezes é, por exemplo, o paciente que já tinha uma comorbidade prévia e que se agravou com a Covid.
 
MidiaNews - É possível dizer que a Covid-19 pode causar algum dano cerebral?
 
Ariely Borges - Na fase aguda podemos ter diversos sintomas neurológicos. Ele pode ter encefalopatia, encefalítico, AVC e outras doenças que surgem. Algumas dessas doenças, por exemplo, AVC é uma doença que teoricamente não tem reversão. O que a gente sabe é que pode existir, sim, uma invasão do vírus no sistema nervoso central. Assim como a informação que o vírus faz no sistema central causa danos nesse sistema. Algumas dessas alterações vão causar sequelas, assim como o AVC, quando não é tratado na fase aguda. 
 
MidiaNews - Esses sintomas podem ter algum fundo emocional decorrentes talvez de traumas que a Covid tenha deixado?
 
Ariely Borges - Sim. Além dos sintomas neurológicos tem uma gama bem grande de sintomas psiquiátricos. O estresse pós-traumático é um deles, e é um dos mais frequentes. Os transtornos de ansiedade também são bens comuns.
 
Reprodução
Ariely Borges
Médica orienta pessoas com sintomas procurarem especialista

 
MidiaNews - Como é o tratamento?
 
Ariely Borges - Eu vou falar mais especificamente dos sintomas cognitivos, que os mais descritos são perda de memória, perda de atenção e concentração. Quando o paciente percebe que está com esses sintomas, a primeira coisa que ele deve fazer é procurar um especialista. Quando ele for avaliado, ele faz um teste, em geral, de rastreio cognitivo - a gente tem o teste que mais usa no Brasil é o Mini Exame do Estado Mental (MEEM) e existe outro estudo de rastreio que a gente usa bastante, que é o Montreal Cognitive Assessment (MoCA). Quando o paciente faz esses testes e a gente avalia que estão alterados, o paciente, a depender de cada especialista, pode avaliar a necessidade de fazer exames de laboratório, de rastreio e exames de imagens - como a tomografia de crânio ou ressonância.
 
MidiaNews - E o que fazer em caso de diagnóstico de algum problema?
 
Ariely Borges - Dependendo do que foi encontrado, você pode entrar com medidas de reabilitação. Normalmente o que a gente faz quando o paciente tem comprometimento confirmado, principalmente moderado ou grave, a gente encaminha esse paciente para fazer acompanhamento e reabilitação neuropsicológica e fonoaudiológica. Infelizmente não há nenhuma medicação específica para isso hoje. Mas a depender de cada médico, se ele entender pela necessidade, pode avaliar e entrar com outras medicações que a gente usa com outras doenças. Não há um protocolo, depende da avaliação de cada especialista.
 
MidiaNews - Fale um pouco da relação da depressão com a Covid.
 
Ariely Borges - Vários pacientes podem desenvolver sintomas que se enquadram como transtornos depressivos. Nesses casos, o paciente tem que ser tratado com medicação e acompanhamento psicológico. Mas é uma queixa bastante relatada depois da infecção de Covid-19, sim. Tanto depressão, quanto ansiedade. 
 
 
MidiaNews - O que cabe mais ressaltar sobre os sintomas neurológicos causados pela Covid?
 
Ariely Borges - O que eu sinto muito com meus pacientes é que eles ficam angustiados com o surgimento desses sintomas, o que é completamente cabível, né? Esses sintomas estão sendo comuns, sim. O paciente não precisa ficar ansioso porque ele está tendo esse sintoma. Ele faz parte da doença, a gente tem observado isso. Mas a maioria dos pacientes vai ter recuperação dos sintomas de dois meses a 12 meses, que é o período que [os estudos] estão mostrando. Sempre que ele tiver um sintoma novo, ou ele tiver algum sintoma que ele acredita que pode ser do Covid longa, que ele procure um especialista para ser avaliado e tratado.
 
 

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