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30/01/22 às 14:23

Hiperendemia silenciosa aflige Mato Grosso

Dia Mundial de Combate à Hanseníase é próprio para refletir sobre essa doença contagiosa citada na Bíblia

Eduardo Gomes

Diário de Cuiabá

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Hiperendemia silenciosa aflige Mato Grosso

Mato Grosso é o estado mais atingido pela hanseníase no Brasil

Foto: Divulgação

Hiperendêmico e mais atingido pela hanseníase no Brasil. Assim é Mato Grosso, que mantém esses rótulos indesejáveis há longos anos, sem nenhum indicativo de erradicação da doença, muito embora a mesma apresente considerável queda no comparativo de 2021 com 2020. Nessa condição os mato-grossenses celebram neste domingo, 30 de janeiro, o Dia Mundial de Combate à Hanseníase, data inserida ao Janeiro Roxo, que é um programa de conscientização popular criado em 2016 pelo Ministério da Saúde (MS) e desencadeado ao longo do mês em curso pelas secretarias de Saúde e entidades ligadas à área.      

Dados preliminares do MS registram em Mato Grosso 1.732 dos 15.155 novos casos de hanseníase no Brasil no ano de 2021. Esse número é parcial, pois o balanço do ano ainda não foi fechado, pelo atraso provocado pela pandemia do coronavírus, que suspendeu funcionamento burocrático temporário em praticamente todas as prefeituras. Esse resultado mostra que mais de 11,42% dos novos casos no país foram mato-grossenses e, sobre eles, é preciso considerar que a população brasileira era de 213 milhões de habitantes e que Mato Grosso tinha apenas 3,56 milhões de residentes. Esse quantitativo foi o maior do Brasil, no período, mas ainda assim, 31,25% inferior ao ano anterior, quando o registro apontou 2.519 novos casos no Estado.  
     
A queda significativa de novos casos em Mato Grosso pode não ter sustentação real, pois um relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que a diminuição (do número de novos casos) pode ser reflexo da pandemia da covid, que criou dificuldades no acesso da população aos serviços de saúde. Portanto, toda cautela sobre os números de novos casos em 2020 e 2021 é pouca. E ambos podem estar subnotificados por conta da pandemia, como pondera a OMS. Em 2109 o total mato-grossense alcançou 4.424 novos casos e, naquele ano, começou um desabastecimento de medicamentos para a doença, que se arrastou ao começo de 2020 atingindo Mato Grosso, Amazonas, Ceará e Pernambuco. Paralelamente à falta dos medicamentos clofazimina, dapsona e rifampicina e Cloridrato de Minociclina 100 mg, que é um remédio fabricado na Índia, e paralelamente a esse cenário, a covid entrou em cena e virou o centro das atenções no noticiário. Hansenianos perderam a continuidade do tratamento pela falta do remédio e suas vozes em protesto foram sufocadas pelo noticiário sobre o vírus que à época sequer tinha vacina para enfrenta-lo.        

No começo de 2020 o Brasil tentava encontrar a ponta da meada para combater o vírus que ao longo da pandemia levou mais de 14,2 mil mato-grossenses à óbito, e tanto o atendimento ao hanseniano quanto à demanda do mesmo pelo medicamento entraram num ritmo que não foi bom aos portadores do bacilo de Hansen nem ao programa de erradicação dessa doença transmissível e silenciosa. Naquele ano, Mato Grosso permaneceu à frente entre os estados no quesito taxa de detecção geral da hanseníase com 71,44 casos para cada grupo de 100 mil habitantes. Tocantins, em segundo lugar, registrou 53,95.          

O parâmetro para definir a situação da doença nos estados é feito pelo MS com base nos seguintes números: baixa, quando menor de dois casos para cada grupo de 100 mil habitantes; média (de 2 a 9,99 casos) para igual população; alta (de 10 a 19,99); muito alta (de 20 a 39,99); e hiperendêmica quando igual ou maior a 40 casos, o que é a realidade mato-grossense.    
 
  Com forte apelo social, a hanseníase é capilarizada em Mato Grosso, mas com destaque em Poxoréu, Porto Alegre do Norte, Cáceres, Rondonópolis, Cuiabá, Várzea Grande, Diamantino, Poconé e Paranatinga. Desde o fechamento do Hospital de São João dos Lázaros (Boxe) até meados dos anos 1970, a hanseníase avançou sobre Mato Grosso e foi agravada com as levas migratórias intensificadas a partir daquela década.        

Rondonópolis sempre foi hiperendêmica e seu crescimento populacional vertiginoso agravava a situação, mas em 1979 o enfermeiro alemão Manfred Robert Göbbel, que dirigia a ONG Associação Alemã de Assistência aos Hansenianos (DAHW na sigla em alemão), mudou-se para aquela cidade e, com apoio do governo estadual, com a participação direta do governador Frederico Campos, lançou mutirões em hanseníase e deu início às campanhas de conscientização sobre a doença; esse trabalho alastrou-se por Mato Grosso. Ainda em 1980, a prefeitura instalou nove minipostos de saúde e Manfred ministrou treinamento aos agentes de saúde do município para atuação na zona rural e na área urbana. Essas ações tiveram a participação do MS, da Secretaria de Saúde de Mato Grosso e da Pastoral de Saúde da igreja católica, no município dirigida pelo bispo Dom Osório Stoffel.        

A hanseníase é silenciosa, portadores sentem medo da estigmatização e o fluxo migratório nacional em Mato Grosso é intenso. A soma desses fatores criou embaraços para a erradicação, mas o governo tenta ampliar o combate à doença e na assistência aos sequelados pela mesma. A Secretaria de Estado de Saúde firmou termo de cooperação técnica com a ong Aliança Contra a Hanseníase, para fortalecimento do programa “Mato Grosso em Redes: Cuidado Integral em Hanseníase”. A presidente da entidade e hansenologista Laila de Laguiche, e o secretário de Saúde, Gilberto Figueiredo, disseram que a meta do entendimento é a implementação de estratégias inovadoras e permanentes (contra a doença) nos 141 municípios mato-grossenses. Porém, a coordenadora da Campanha Nacional de Hanseníase da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), Sandra Durães, tem entendimento diferente. Durães não vê o problema como um todo e o debita à negligência do cidadão nas regiões com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), posicionamento esse que não encontra sustentação na quase totalidade dos municípios mato-grossenses, onde esse indicador social registra nível acima da média nacional.      
  A pandemia da covid-19 tirou parte do foco da hanseníase no noticiário. Isso levou a OMS a criar mecanismos a exemplo da campanha “Não se esqueça da hanseníase” do qual o governo estadual participa ao lado do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de Mato Grosso, do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) e da Rede Universitária Estadual de Enfrentamento da Hanseníase (Rede Hans). Esse movimento visa manter permanente conscientização sobre a doença, inclusive nas aldeias indígenas, pois a mesma atinge povos aldeados, como revela o professor Xisto Tserenhi’ru, da etnia Xavante e diretor da Escola Estadual Indígena Hambre, na Terra Indígena São Marcos, em Barra do Garças. Xisto demonstra preocupação uma vez que os indivíduos ficam permanentemente próximos uns dos outros, o que propaga a transmissão. Porém, o Xavante observa e destaca que a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e a Funai além do atendimento em saúde, também promovem palestras para conscientização.        

TRATAMENTO - Manchas brancas ou avermelhadas, geralmente com perda da sensibilidade ao calor, frio, dor e tato; caroços e placas em qualquer lugar do corpo; e diminuição da força muscular são alguns sintomas da hanseníase, que tem cura, com tratamento no domicílio do paciente, com medicação que pode variar entre seis meses e dois anos. Após o início do tratamento, oferecido pelo MS, o hanseniano deixa de transmitir a doença. O teste para detecção é feito nos postos de saúde. Hansenologistas recomendam precocidade do tratamento, o que propicia cura mais rápida e evita sequelas neurológicas. 

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