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29/08/21 às 09:05

Imigrante haitiano conclui ensino médio em Cuiabá e envia dinheiro para atingidos por terremoto: ‘ajudo até brasileiros'

Michael Esquer

Olhar Direto

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Imigrante haitiano conclui ensino médio em Cuiabá e envia dinheiro para atingidos por terremoto: ‘ajudo até brasileiros'

Victorin sonha em ser agrônomo e chegou no Brasil em 2014 pelo Acre

Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto

O imigrante haitiano Victorin Joseph chegou sozinho ao Brasil no dia 7 de abril de 2014, pela fronteira do Acre.  Naquela época, o seu país enfrentava os impactos econômicos e sociais de um terremoto que atingiu mais de três milhões de pessoas, matou cerca de 300 mil e havia desencadeado o primeiro fluxo migratório de haitianos pela América Latina. Com estudos interrompidos, a chegada de Joseph, porém, fez parte de uma segunda onda relacionada à realização da Copa do Mundo, outro evento que fez com que imigrantes caribenhos enxergassem aqui a esperança vista por Victorin.
 
Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto
Victorin sonha em ser agrônomo e chegou no Brasil em 2014 pelo Acre.
Victorin sonha em ser agrônomo e chegou no Brasil em 2014 pelo Acre.

 
O imigrante haitiano Victorin Joseph chegou sozinho ao Brasil no dia 7 de abril de 2014, pela fronteira do Acre.  Naquela época, o seu país enfrentava os impactos econômicos e sociais de um terremoto que atingiu mais de três milhões de pessoas, matou cerca de 300 mil e havia desencadeado o primeiro fluxo migratório de haitianos pela América Latina. Com estudos interrompidos, a chegada de Joseph, porém, fez parte de uma segunda onda relacionada à realização da Copa do Mundo, outro evento que fez com que imigrantes caribenhos enxergassem aqui a esperança vista por Victorin.

Hoje, com 35 anos, ele mora com a mãe, que conseguiu trazer para a capital do estado, a esposa, que conheceu aqui, e dois filhos, que já nasceram com nacionalidade brasileira, no bairro Dom Aquino, em Cuiabá, Neste ano, em que também conseguiu concluir o ensino médio, Joseph está tendo a oportunidade de atuar em uma uma realidade similar à que fez com que ele deixasse o seu país: ajudando amigos que moram na cidade do Haiti que foi atingida por dois terremotos nos últimas dias 14 e 18 deste mês. De acordo com o governo haitiano, 2.189 pessoas morreram e cerca de 12 mil se feriram na catástrofe. 

"O terremoto passou de 7.2 [na Escala Richter], é muito forte, quando passa 7.2 é muito forte mesmo. Destruiu muita coisa, muitos animais, pessoas, muitas morreram. Não destruiu a casa de meus amigos, mas afetou empregos, [que agora] vai diminuir. Tem gente lá que me falou que morreram duas mil e poucas pessoas. Tem quase 13 mil que foram atingidos, tem aqueles que perdeu o pé, perdeu o braço, muito grave e que está no hospital ainda”, explica Victor ao Olhar Direto sobre a gravidade da situação.  

 
"Lá tenho vários amigos, mas não tem como ajudar todos, eu ajudo dois, porque a condição financeira não tá muito boa".
 
Uma das motivações para que ele ajude os compatriotas que ainda estão no país, conta, é, principalmente, o fato de já ter atravessado a mesma situação. Apesar de ter deixado a sua terra natal quatro anos após o terremoto de 2010, o Haiti experimentava naquela época, os impactos da catástrofe na economia, e sobretudo, conflitos políticos. Conflitos estes que perduram e culminaram recentemente, por exemplo, no assassinato do presidente, Jovenel Moise, no último dia 7 de julho. Situação que agrava ainda mais a situação do país. 

"Eu ajudo qualquer pessoa, até brasileiro que está aqui eu ajudo. Tem pessoa que quando está na rua, que fala, que pede dinheiro para comprar medicamento, mostra receita do medicamento, eu ajudo. Deus coloca no nosso pensamento, no nosso coração, 'Se você tem um pão e tem um que não tem, você tem que dar um pedaço pra esse que não tem”, conta Joseph.

Terremoto atingiu sul do Haiti e causou mais de duas mil mortes neste mês. (Foto: Reuters)

No Haiti, a cidade atingida pelos tremores foi Les Cayes, que fica no sul do país. Com o registro de um tremor 7.2 pontos na Escala Richter, índice considerado muito alto, o dia 14 foi o pior. No dia 18, entretanto, outro sismo foi registado, desta vez, mais fraco, de 4,9 pontos. Com amigos e colegas na cidade atingida, Victorin conta como ajuda os compatriotas do país que deixou para trás no ano de 2014.

"Graças a Deus eu não tenho família lá, mas eu tenho amigos, colegas de escola que tá lá na cidade que o terremoto atingiu. Nos ajudamos de várias formas, tem pessoas que mandam dinheiro para associação. [Eu] ajudo com dinheiro, faço transferência. Lá tenho vários amigos, mas não tem como ajudar todos, eu ajudo dois, porque a condição financeira não tá muito boa para ajudar". 
 
Entre sonhos e dores

Antes de chegar ao Brasil, Victorin cursava o ensino médio e trabalhava com agricultura familiar. Para poder dar início ao plano que o traria até Cuiabá, porém, ele teve que interromper os estudos no Haiti. Após sete anos, ele concluiu o ensino médio e vai receber o diploma em dezembro deste ano. Com o objetivo de estudar agronomia, ele conta que agora trabalha para alcançar o sonho de entrar na faculdade. 

“Vou receber meu diploma no mês de dezembro e depois de receber o diploma vou ver como que faz pra entrar na faculdade aqui. Eu gosto muito de trabalhar a terra, eu quero ser agrônomo, pra mim isso que tá na minha cabeça, meu sonho é esse”, diz. “Sempre achei emprego que é bom, todos [são meus] amigos, todos colegas de trabalho, todos [me] respeitam, gosta muito de mim, e eu gosto muito do brasileiro também".
 
Victorin interrompeu os estudos no Haiti e terminou o ensino médio neste ano. (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)

Desde que chegou, o haitiano conta que tem coletado boas relações, tanto nos lugares que trabalhou, quanto nos frequentou e frequenta ocasionalmente. Uma realidade que, segundo ele conta, não é a mesma de muitos imigratens haitianos que moram na capital, e que sequer conseguem um emprego. 

“Tem pessoas que chegam no Brasil, que eu conheço, que fica três quatro anos sem conseguir serviço, tem que a família [do Haiti] mandar dinheiro para pagar aluguel, para pagar tudo aqui. Eu não passei dificuldade, mas eu sei que tem pessoas que passam dificuldade aqui, muitas. A pessoa que trabalha e ganha R$ 800 não vai conseguir pagar aluguel e manter a familia”, relata. 

Haitianos em Cuiabá querem trazer familiares para o Brasil

Entre 2010 e 2019, o Brasil recebeu 54.182 imigrantes de longo do termo do Haiti — que permanecem por um período superior a um ano no país —, segundo o relatório anual do ano passado do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), organização vinculada ao Ministério do Trabalho (MTb), por meio do Conselho Nacional de Imigração (CNIg), e a Universidade de Brasília (UnB).

Desse número, Cuiabá e Várzea Grande abrigam cerca de sete mil, ou também cerca de 13% do total no país, conforme informa Clercius Monestine, presidente da Associação de Defesa dos Haitianos Imigrantes em Mato Grosso (Adhimi-MT). O número é expressivo e, ele explica, deve aumentar com o recente episódio atravessado com o terremoto deste mês no Haiti. 

“Sobre a questão das familias que são afetadas pelo terremoto, após o assassinato do presidente do Haiti, os furacões em 2017, o pais cada dia fica mais vulneravel, [com]  crise politica, crise economica, crise socio-economica”, enfatiza ele. 

O Brasil conta com uma embaixada na capital do país, em Porto Príncipe, apesar disso, Monestine esclarece que, lá, não é feito o trâmite de emissão de vistos. Por isso, as famílias de imigrantes haitianos residentes em Cuiabá que estão no Haiti só podem deixar o país com o intermédio da Organização Internacional para Migrações (OIM). 
 
Imigrantes haitianos enviam dinheiro para famílias afetadas pelos tremores em Les Cayes. (Foto: Rogério Florentino)

“A embaixada brasileira tem que chamar a OIM, porque os familiares dos haitianos que estão no Brasil querem vir pra cá. Mas até agora [a embaixada brasileira] não fez nada”, pontua Clercius. Por isso, ele diz que, neste momento, a Adhimi planeja endereçar uma ação à Justiça Federal, através da Defensoria Pública da União (DPU), para que esse contato seja realizado e que os haitianos que tem familiares em Cuiabá, vítimas do terremoto, assim com outros em situação de vulnerabilidade, possam migrar para o Brasil. 

“Nós queremos fazer uma ação social judiciária, porque o Brasil tem visto humanitário para os haitianos.  A lei de 2017 para imigrantes oferece aos imigrantes a possibilidade de trazer as famílias deles pra cá. Nós temos muitos haitianos que estão aqui a mais de 3, 4 anos sem ver a família, a família está em extrema necessidade, praticamente não tem quase nada [lá no Haiti]”, esclarece. 

A lei a qual ele se refere, trata-se da nova Lei de Migração, vigente desde 21 de novembro de 2017, que determina a concessão de visto temporário e autorização de residência para fins de acolhida humanitária, atualmente válida para cidadãos haitianos e apátridas — pessoas sem ou que perderam a sua nacionalidade — que moram no Haiti.

"De Cuiabá não tem como você mandar alimento, só se for por São Paulo, Porto Alegre, lugares que tem navio para poder mandar. A única forma é pegar o dinheiro e mandar", finaliza. 

Para colaborar 

Interessados em colaborar com os amigos de Victorin Joseph, história abordada na reportagem, o contato pode ser feito a partir deste telefone: 65 98453 - 1677. Para contato com a Adhimi-MT, seja para apoio jurídico ou social nas ações da organização, o presidente Clercius atende neste número: 65 99306 - 9588. A conta da associação no Instagram pode ser acessada neste endereço (CLIQUE AQUI).

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