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15/06/18 às 17:45

Por que o mercado imobiliário de Caracas pode ser vantajoso mesmo em meio à crise

Com muita gente querendo fugir da Venezuela, preços das propriedades estão baixos: quem tiver confiança no futuro pode fazer dinheiro, dizem especialistas

Débora Ramos

AguaBoaNews

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Por que o mercado imobiliário de Caracas pode ser vantajoso mesmo em meio à crise

Foto: Divulgação

Em 200 metros, se encontram um protesto contra o governo que acaba em repressão da polícia, uma fila para comprar pães e uma torre de escritórios de luxo em rápida construção. As três cenas em Chacao, cidade com a maior renda per capita da Venezuela, na região metropolitana de Caracas, explicam à sua maneira a crise econômica do país.
 
Bastião das classes média e alta venezuelanas, o município foi o epicentro dos protestos contra o presidente Nicolás Maduro no ano passado. "É a Manhattan de Caracas", disse o ex-prefeito da cidade, Ramón Muchacho, em entrevista à agência estadunidense Bloomberg. A semelhança com a ilha nova-iorquina não é invocada à toa: conforme se erguem os edifícios e shoppings, mais Chacao tenta, de fato, imitar a metrópole dos EUA.
 
A polarização pode ser vista mesmo nos canteiros dos projetos urbanísticos. Entre duas torres em uma mesma avenida, é possível ver duas pichações contra e a favor do governo. "Estamos em ditadura", de um lado do muro, e "Fora MUD traidores", em outra, uma referência à Mesa de la Unidad Democrática (MUD), coalizão de partidos da oposição à Maduro. São sinais, também, de uma batalha política que afetou as próprias obras.
 
No lado sul da avenida Francisco de Miranda, já está quase pronto o prédio chamado de "Recreo la Castellana", que terá um hotel butique da multinacional espanhola Meliá, um centro comercial de luxo e uma pequena torre de escritórios. A direção do projeto admite problemas de momento para a venda de lotes comerciais, mas o jornal El Universal publicou no mês passado que os 6 mil metros quadrados de escritórios já foram vendidos.
 
Do outro lado da mesma avenida, o mesmo acontece com outros dois projetos: apesar de estarem apenas no concreto nu, tudo já foi vendido.
 
A inflação venezuelana atingiu 720% de alta em 2017, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). No entanto, os dados imobiliários vão contra a tendência de crise: nos últimos meses, cresceu a busca por imóveis no país. O motivo: a desvalorização do bolívar, a moeda local, além do controle rígido do Estado ao câmbio.
 
"São contas de poupanças feitas de tijolo", contou o arquiteto Frank Alcock à Bloomberg, se referindo às duas torres de Chacao. Segundo a agência, um banco já comprou uma das duas torres e uma empresa multinacional do ramo de alimentação, a outra. O cimento não apenas se desvaloriza, mas também pode se revalorizar.
 
Algumas empresas, principalmente estrangeiras, que lidam melhor com as crises, não podem repatriar seus dividendos em dólares, já que a moeda internacional é represada pelo governo. Assim, elas passaram a tentar contornar a depreciação do bolívar nas contas dos bancos investindo em um setor mais seguro: o da construção civil. Em setembro de 2017, um dólar no mercado de câmbio oficial rondava os 700 bolívares. Agora está 3.250. O dólar paralelo, que serve de referência para o cotidiano do país, alcançou os 17.700 recentemente.
 
"Os compradores buscam proteger seu dinheiro em moeda local em 'bens-raízes, em escritórios e apartamentos, e não perder mais com a desvalorização monetária", diz Eduardo Marques, professor da USP. "Na dúvida, um imóvel é sempre mais seguro do que o dinheiro no banco", concorda Guilherme Blumer, da Brasil Brokers.
 
O fenômeno é mais claro quando se lê os panfletos de venda dos imóveis. Um deles, disponível na Internet, diz para "comprar em bolívares e proteger seu dinheiro". Segundo especialistas imobiliários, há outro fator em jogo: pode ser o momento ideal para investir em uma das cidades que outrora tinham o metro quadrado mais caro da América Latina.
 
Hoje, Caracas é a capital mais barata para se viver hoje na região, com um metro quadrado avaliado em torno de US$ 519 (R$ 1.844). Depois da cidade, estão Quito, no Equador (US$ 1.363 - R$ 4.843), Guadalajara, no México (US$ 1.409 - R$ 5.006), e Bogotá, na Colômbia (US$ 1.464 - R$ 5.201).
 
A crise política colabora para a queda acentuada: por causa dela houve uma sobre-oferta acentuada de escritórios nos últimos anos, fruto das fugas das classes mais altas do país nos últimos anos depois dos confrontos com o governo. Hoje, para ter um imóvel em Caracas, basta ter alguns bolívares e confiança no fim da crise. O benefício de venda futuro pode ser enorme, advertem alguns economistas.
 
"É uma grande oportunidade para quem acredita que o mercado vai se recuperar", disse Ali Venturini, diretor de uma imobiliária de Chacao, à agência britânica BBC. Para ele, o comprador venezuelano tem um grande poder de barganha, porque há muita gente desesperada para vender suas propriedades. São pessoas que querem viver em outros países e dependem do dinheiro dos seus imóveis para começar uma nova vida no exterior. "O desespero não é um bom conselheiro para fazer negócios", finaliza.
 
 

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