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26/05/17 às 12:05

Aposentadoria: fim ou começo?

Quando, depois de aposentado como juiz, também como professor me aposentei, fui tomado por uma crise de identidade.
 
O vazio manifestou-se forte quando tive de preencher a ficha de entrada num hotel em Santa Catarina.
 
Que profissão vou colocar aqui? Pensei alto.
 
Se estava aposentado na magistratura e no magistério, nem como juiz, nem como professor poderia me definir.
 
"Ser ou não ser", eis a questão.  Shakespeare, pela boca de Hamlet, percebeu a tragédia humana antes de Freud.
 
Ah, sim. Já sei. E escrevi na ficha do hotel, resolutamente: Professor itinerante.
 
Não que já fosse um verdadeiro professor itinerante. Estava mal e mal começando a jornada. Entretanto, essa autodefinição marcou no meu espírito uma mudança radical. Projetei ali o itinerário de vida pós-aposentadoria.
 
Fiel a esse projeto, tenho andado por aí a semear ideias. Não importa o valor real dessas ideias. Relevante é que a semeadura seja feita com alegria, espírito reto e boa vontade.
 
As pessoas idosas não têm o direito de guardar para si a experiência que a vida proporcionou. Na opinião do filósofo inglês Alfred Whitehead, a experiência não é para guardar. É preciso que alguma coisa façamos com ela.
 
Segundo estudos publicados, os países que melhor tratam os idosos são: Alemanha, Canadá, China, Japão, Noruega, Suécia e Suíça. Nosso país, infelizmente, não integra esse quadro.
 
A aposentadoria pode não implicar encerramento de atividades, mas apenas redução de compromissos exigentes. São múltiplas as novas experiências possíveis. Que cada um encontre seu caminho. Que a sociedade não cometa o desatino de desprezar a sabedoria dos mais velhos.
 
De minha parte, falando aqui e ali, em congressos, seminários e cursos, a convite de faculdades, OABs, igrejas, vou sorvendo a aposentadoria. Compareci com a palavra em todos os Estados da Federação. Sigo o conselho de Guimarães Rosa: "Viver é perigoso. A aventura é obrigatória".
 
Se o aposentado sentir-se feliz usufruindo da aposentadoria, simplesmente, essa atitude não merece qualquer reparo. Ele fez jus ao que se chama ócio com dignidade (otium cum dignitate).
 
O pedagogo tcheco Comenius ensina:
 
 “No ócio, paramos para pensar, para correr no labirinto do autoconhecimento, para investigar nossa condição de seres humanos. Não se trata de passar o tempo mas de penetrar no tempo, em busca do essencial. Não é tempo perdido, é tempo sagrado e consagrado.”
 
Usei o verbo no presente do indicativo – Comenius ensina, e não no passado – Comenius ensinou, embora se trate de um escritor morto, porque a sabedoria não morre. Imprimir