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21/05/21 às 18:33

A Defensoria Pública e o olhar sobre os 'invisíveis'

Diego da Silva, filho de Maria Aparecida da Silva nasceu em Porangatu/GO, em 07/10/1985.

Como muitos outros “Diegos” da vida, estudou somente até o primeiro grau e conseguiu desenvolver um ofício graças a sua capacidade de sobrevivência: se tornou soldador e trabalhava na balsa que faz a travessia entre Cocalinho e Mozarlândia, no Rio das Mortes, interior de Mato Grosso.

Por conta de seu trabalho, perdeu todos os seus documentos para as águas do rio, enquanto buscava sua subsistência com a pesca. Não se importou e continuou trabalhando. Sem um teto para se proteger, Diego passou a viver nas dependências de uma escola abandonada, nas proximidades da balsa.

Dia 09 de abril, Diego saía para tentar caçar algum animal para satisfazer suas necessidades, quando se deparou com uma viatura da polícia militar em rondas pela região. Imediatamente foi preso em flagrante por porte ilegal de arma de fogo e conduzido para a delegacia de polícia. Como não portava nenhum documento de identidade, a autoridade policial procedeu à identificação indireta e concluiu que o detido seria Diego da Silva, que cumpria pena em Várzea Grande.

Durante a audiência de custódia, o custodiado afirmou que não possuía nenhum processo na justiça, alegando que não devia nada para a justiça. Porém, após a juntada da folha de antecedentes, surgiu a informação de que Diego da Silva já ostentava várias condenações e que cumpria pena em regime fechado em Várzea Grande. Mesmo com pedido da defesa para a concessão de liberdade provisória, o magistrado manteve a custódia preventiva, se baseando exclusivamente na ausência de documento de identificação com foto.

Foi então que teve início uma saga para libertar Diego. Como muitos presos assistidos pela Defensoria Pública, a primeira impressão foi a de que Diego estaria mentindo, visando somente sua liberdade para se evadir por aí. Foram diversas entrevistas, com olhos a buscar a verdade sobre a trajetória do preso.

Mais um anjo apareceu na vida de Diego: o recém empossado Defensor Público Thiago Alexander Amaral e Silva, que já chegou em Água Boa enfrentando uma luta diária para fazer frente a todos os compromissos exigidos pela carreira, atendimento aos internos, curso de formação, audiências, rotinas administrativas do Núcleo, entre tantas outras tarefas. Foi incansável para buscar a liberdade de Diego. Reproduzo, abaixo, suas palavras:

Caso Diego da Silva

Em 29/04/2021, fui informado pela minha assessora Izadora sobre o caso do Diego da Silva - nascido em 07/10/1985, natural de Porangatu/GO, filho de Maria Aparecida da Silva, pai desconhecido.

No dia imediatamente seguinte (30/04/2021), protocolamos pedido de revogação da prisão preventiva ou substituição por medida cautelar diversa da prisão junto ao juízo da 3ª Vara Criminal de Água BOA/MT. Como prova documental, juntamos Ficha de Qualificação do Reeducando homônimo “Diego da Silva”, nascido em 25/07/1990, natural de Vilhena/RO, filho de Pedro Oroje Breger e Maria Aparecida da Silva.

O documento já comprovaria, na visão da Defensoria, que os antecedentes criminais juntados pela Polícia Civil de Água Boa/MT eram de pessoa diversa do nosso assistido. Entretanto, o pedido foi rejeitado pelo magistrado, sob a justificativa de que não havíamos colacionado prova material robusta acerca da identificação civil do “nosso” Diego da Silva.

Pois bem. Em atuação conjunta com a excelente colega Defensora Pública Corina Pissato, e com o apoio substancial e imprescindível da minha assessora Izadora, fomos a busca das provas pertinentes para comprovar, de uma vez por todas, que o nosso Diego era primário, não reincidente, diferente do seu homônimo.

E assim foi feito. Diligenciamos junto à Defensoria de Goiás, cartórios de Porangatu/GO, Politec, Polícia Federal, entre outros. Chegamos a ir pessoalmente à Penitenciária Major PM Zuzi Alves da Silva, em Água Boa, tomando os devidos cuidados quanto à proteção da covid-19, para fazer a coleta das digitais do nosso Diego, assim como obter a sua ficha de qualificação. Na oportunidade, tive contato pessoal com o assistido e lhe garanti que dois defensores estavam empenhados no caso dele e que não iríamos descansar até que a justiça fosse feita.

Após tudo isso, com as novas provas, protocolizamos, mais uma vez, pedido de revogação de prisão em 17/05/2021, que, enfim, foi acolhido pelo magistrado em 18/05/2021, colocando em liberdade mais um cidadão que não deveria estar atrás das grades. O erro do Estado foi reparado!
Dessa vez, Diego da Silva não foi “só mais um Silva que a estrela não brilha”. 

Após contato com o Núcleo de Execução penal de Cuiabá, foi fornecido o prontuário de admissão do homônimo, Diego da Silva, com impressões digitais e fotos, provando que esta não seria a mesma pessoa presa em Água Boa. Ainda assim, Diego não teve sua liberdade provisória concedida, sob o argumento de que não seria suficiente esta prova para confirmar sua identidade, sendo destacado pelo magistrado que, caso viesse a falecer, o assistido seria enterrado como indigente.

Com a ajuda de vários colegas da Instituição, demos início às diligências perante a Polícia Federal, a POLITEC e ao cartório de registro civil de Porangatu. Infelizmente todas as diligências foram negativas. Enquanto isso, Diego permanecia preso, aguardando por um milagre.

Mesmo diante de todas as negativas apresentadas pelos órgãos de identificação, surgiu a ideia de contactar a Defensoria Pública de Goiás, visto que o documento de identificação civil de Diego foi expedido pelo Estado de Goiás. E assim foi feito.

Após contato com a assessoria da Defensoria Pública de Goiânia, responsável pela execução penal, prontamente a Defensora Pública, Dra. Laura Silveira entrou em contato por meio de mensagem e providenciou, em menos de duas horas, o prontuário de identificação civil de Diego, com fotos e impressões digitais.

Imediatamente a Defensoria Pública se manifestou novamente requerendo a concessão de liberdade provisória, pedido este que obteve parecer favorável por parte do membro do Ministério Público e enviado com urgência para o gabinete do Magistrado. Pouco antes do final do expediente recebemos a notícia tão esperada: finalmente o magistrado deferiu o pedido de liberdade provisória. Diego teve sua liberdade devolvida e poderá recomeçar sua vida.

Esta poderia ser mais uma história de descaso e injustiça, mas felizmente Diego pode ser atendido pela Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso, que conta com profissionais altamente preparados para o exercício da função, munidos de resiliência, olhar atento e muito amor no coração.

Para aqueles que compartilham essas histórias em seu dia-a-dia, Defensores Públicos aguerridos, insistentes, teimosos e destemidos, fica a reflexão: nós somos a última esperança de milhares de Diegos, Marias, enfim, daquelas pessoas invisíveis aos olhos do Estado, mas que diante do nosso olhar feroz, se tornam cidadãos e cidadãs, munidos de direitos e dignidade.

Sigamos juntos, nesta luta constante, pois somos todos DEFENSORES PÚBLICOS!
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