Artigos / Juacy da Silva

14/01/20 às 07:48 / Atualizado: 14/01/20 às 07:57

Fraternidade e Vida

Foto: CNBB

Ao longo dos últimos quase 60 anos, ou seja, desde 1961 quando foi idealizada a Campanha da Fraternidade ou então a partir de 1962, quando teve inicio de fato da primeira Campanha da Fraternidade na Arquidiocese de Natal, RN; a CNBB, juntamente com a CÁRITAS BRASILEIRA, tem incentivado tanto católicos e não católicos, principalmente a cada cinco quando a CAMPANHA DA FRATERNIDADE tem um caráter ecumênico, juntamente com o CONIC que representa diversas Igrejas Evangélicas, a refletirem sobre o sentido e a defesa da vida, isto de forma direta ou indireta.

Ao longo dessas quase seis décadas diversos temas de suma importância tanto para a vida material, a vida em sociedade quanto para a vida espiritual, da Igreja tem conduzido às reflexões, não apenas durante o período da Quaresma quanto ao longo do restante do ano.

Temas como a defesa da vida já iluminaram diretamente as Campanhas da Fraternidade de 1984 “Fraternidade e vida” com destarte que para o lema “Para que todos tenham vida”, a  de 2011 com destaque para “Fraternidade e a vida no planeta”,  2016 “Fraternidade e a casa comum, nossa responsabilidade”; 2017 “Fraternidade e os biomas brasileiros e a defesa da vida”, e, agora, em 2020 com o tema “Fraternidade e vida: dom e compromisso”, com destaque para o Lema “ viu, sentiu compaixão e cuidou dele”, passagem retirada da parábola do Bom Samaritano.

É bom ressaltar que quando se fala em defesa da vida, o seu significado não se restringe apenas a defesa da vida humana, mas todas as demais formas de vida, vegetal, animal, enfim, biodiversidade que garante a vida humana no planeta e a sobrevivência da raça/espécie humana.

De forma semelhante diversas campanhas da fraternidade tiveram como temas o combate à violência, principalmente a violência contra a mulher, contra a criança e adolescente e os idosos. Foram também temas os combates ao tráfico humano, à questão das drogas; os desafios da saúde, da educação, a defesa da biodiversidade, o apoio aos imigrantes, principalmente os que fogem de áreas de conflitos, guerras ou desastres naturais.

Coube também a Campanha da Fraternidade de 2019   dar ênfase a questão das politicas públicas no contexto da ação da Igreja, dos católicos, enfim, dos cristãos na esfera da politica, para suas responsabilidades, primeiramente como cristãos e só depois como figuras publicas. O lema escolhido foi “Serás libertado pelo direito e pela Justiça” Livro do Profeta Isaias, 1:27.

O cerne da Campanha da Fraternidade é despertar nos católicos e nos demais cristãos e também não cristãos, enfim, mulçumanos, judeus, budistas, espíritas, ateus e agnósticos para a realidade de que vivemos em um mesmo planeta e somos partes de uma grande família que é a raça humana e que precisamos nos tratar de forma verdadeiramente fraterna, construir nossas instituições, nossas culturas, nossos sistemas econômicos, políticos e sociais sobre o fundamento da verdadeira fraternidade, onde a violência, o egoísmo, o materialismo, a ganância que geram pobreza, miséria e exclusão, sofrimento humano, vitimando os mais frágeis, mais vulneráveis e excluídos não tenham mais lugar.

Precisamos a cada dia, cada vez mais sermos partícipes da civilização do amor, resgatar a ideia do paraíso, da sociedade do bem viver.

Este é o sentido quando o Papa Francisco quanto seus antecessores, diversos teólogos de diferentes religiões, credos e igrejas destacam a importância de vivermos em harmonia, dentro de nossas famílias, em nossas comunidades, em nossos países e no mundo todo, harmonia esta que fundamenta a paz, que decorre da verdadeira justiça, a justiça social e a própria sustentabilidade ambiental ou a ecologia integral.

As nossas ações e também as nossas omissões em relação aos excluídos, representados pelo homem que foi assaltado, ficando em sofrimento a beira da estrada, sendo ignorados por sacerdotes, doutores da Lei, levitas e que só não veio a morrer porque foi socorrida por um anônimo transeunte a quem Jesus denominou de “Bom Samaritano”.

Ainda hoje milhões de pessoas mundo afora e em nosso país, continuam sofrendo a margem, não das estradas esburacadas, praticamente intransitáveis, das rodovias, ruas e praças de todos os países, mas também sendo empurrados para a periferia social, politica e econômica, onde a pobreza, a miséria e a fome representam tanto sofrimento quanto a violência física.

Continuamos vivendo em sociedades dividas em classes sociais, onde uma minoria, verdadeiras castas dominantes, tem todo o conforto, vivem às vezes nababescamente e desperdiçando todos os bens produzidos socialmente e destruindo a natureza, enquanto a maioria da população vive ou meramente sobrevive com praticamente migalhas que caem  das mesas dos poderosos.

A concentração de renda, de salários, de bens, propriedades e riquezas em poucas mãos não deixa de ser um acinte contra a dignidade humana, ou na forma de pensar do Papa Francisco, um pecado, inclusive um pecado ambiental. Nossas sociedades continuam produzindo muito mais excluídos do que de bons Samaritanos.

Não podemos confundir fraternidade, solidariedade com pequenos gestos esporádicos em  algumas datas ou momentos de destaque em nossa sociedade como o dia das crianças, do pai, da mãe, do amigo/amiga, do natal e da Quaresma ou dias especiais devotados a pessoas que sofrem com determinadas doenças. Esses pequenos gestos, podem ser representados por moedas de pequeno valor que “jogamos” em mãos ou chapéus estendidos por pessoas que imploram a caridade pública para talvez poderem comer um prato de comida, quando nem mesmo comida encontram ao revirarem lixo nas ruas ou lixões, disputando com animais, cachorros, ratos, porcos e urubus restos que são jogados como lixo doméstico ou comercial.

A Cáritas Brasileira em suas atividades destaca três tipos de fraternidade/caridade: a) assistencial/emergencial (dar o peixe, pão a quem tem fome e água a quem tem  sede) ou seja, como fez o Bom Samaritano “viu, sentiu compaixão e cuidou dele” referindo-se ao homem assaltado que estava morrendo `a beira da estrada, como milhões de excluídos mundo afora, inclusive em nosso país, desempregados, subempregados, morando em habitações sub-humanas, passando frio e fome; b) caridade/fraternidade promocional (ensinando a pescar), levando que as pessoas excluídas tenham novas oportunidades de se inserirem produtivamente na sociedade, no mercado de trabalho, na economia, e, c) caridade libertadora (pescando juntos/juntas), como fez o Bom Samaritano, além de socorrer o homem que estava `a beira da estrada/da sociedade, levou o mesmo para uma hospedaria e pagou ao dono da hospedaria tudo o que era necessário tanto para curar as feridas da violência sofrida, como tantas vitimas em nosso país, como as mulheres violentadas por seus conjugues, companheiros ou jovens que caem nos laços da droga adição e que precisam de tratamento, de cuidados médicos, hospitalares e um acompanhamento.

No caso do Bom Samaritano, disse o mesmo ao dono da hospedaria, “faz tudo o que for preciso para restaurar-lhe a saúde e a vida”, deixando algum dinheiro e dizendo, se os gastos forem maiores, quando “eu retornar” lhe pagarei a diferença.

Será que os orçamentos públicos tem destinado recursos suficientes para atender as necessidades básicas de saúde pública, educação, justiça, segurança, habitação, saneamento básico, capacitação para que os excluídos de hoje não continuem excluídos eternamente em nossa sociedade?

Será que nossos governantes não poderiam implementar politicas públicas que reduzam a concentração  de renda, riqueza e oportunidades não mãos, bolsos e contas bancárias das elites dominantes no Brasil ou em paraísos fiscais, dos marajás da República, como acontece com as bilionárias renúncias fiscais, incentivos fiscais, anistias a grandes sonegadores, que a cada ano, somam mais de 25% dos orçamentos públicos, maiores do que a soma de tudo o que os poderes públicos “gastam/investem” em saúde pública, educação pública, segurança pública, meio ambiente, saneamento, habitação social?

Com toda a certeza nossas instituições governamentais estão muito mais a serviço dos donos do poder, dos poderosos, do que da grande massa dos excluídos, esses com certeza continuam sofrendo a espera do Bom Samaritano dos dias atuais.

Finalmente, o terceiro tipo é a caridade/fraternidade/solidariedade libertadora, que representa o “pescar juntos”, quando não apenas sentimos emocionalmente ou verbalmente a dor do próximo, mas nos colocamos ao lado dele, dos excluídos, dos injustiçados, dos violentados para não apenas o levantarmos, mas também caminharmos ao lado dele, apoiando suas lutas, buscando vencer seus desafios materiais, humanos, emocionais, políticos, econômicos, sociais e espirituais.
A Caridade/fraternidade libertadora representa uma luta contra todas as formas de injustiças, contra os privilégios, contra a corrupção, contra o consumismo, contra o desperdício, contra a degradação ambiental e a favor do que o Papa Francisco denomina de ECOLOGIA INTEGRAL, corporificada tanto nos evangelhos, quanto na Doutrina Social da Igreja e nos ensinamentos dos profetas, relembrando uma passagem bíblica que diz “se os profetas se calarem, até as pedras falarão”. (Evangelho de São Lucas, 19:40). Este é o sentido de uma “Igreja em saída, uma Igreja missionária”, com a cara dos pobres e excluídos.

Portanto, neste ano de 2020 a CAMPANHA DA FRATERNIDADE exorta-nos, como cristãos, que a defesa da vida não se restringe apenas as formas de caridade/fraternidade assistencial, emergencial, promocional, mas também, e, fundamentalmente, que pratiquemos a caridade/fraternidade libertadora, caminhando ao lado dos excluídos, jantando nossas vozes, nossas ações politicas, sociais, culturais e econômicas a milhões de pessoas que aguardam a mão amiga de um BOM SAMARITANO.

O mundo e o Brasil principalmente, carecem  muito mais de BONS SAMARITANOS do que doutores das Leis, sacerdotes, religiosos e levitas omissos e coniventes com os atuais salteadores (donos do poder e classes dominantes) que roubam e violentam as pessoas em nossa sociedade, incluindo os salteadores dos cofres públicos  e dos orçamentos públicos, principalmente os de colarinho branco ou de outras cores e formas de vestimentas honoríficas.
Juacy da Silva

Juacy da Silva

Juacy da Silva, professor titular aposentado Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral.
E-mail profjuacy@yahoo.com.br
Instagram @profJuacy
WhatsApp 55 65 9 9272 0052
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