Artigos / Eduardo Gomes

14/06/16 às 11:57

De trevas

Foto: Assessoria

Escritor é título pomposo que não combina comigo por duas razões: primeiro, porque não me atrevo a usá-lo; depois, porque realmente não tenho criatividade literária para tanto.

Mesmo sem ser escritor, no ano passado publiquei o livro “Dois dedos de prosa em silêncio – pra rir, refletir e arguir”, com 50 narrativas ambientadas em Mato Grosso no universo político e outros mundos, incluindo o jornalismo.

O ano passado foi fértil em produção de livros nas terras mato-grossenses. Autores de Cuiabá e outros municípios não economizaram tinta e genialidade. Obras de muitos gêneros chegaram às mãos dos leitores carregando a certidão de nascimento de 2015.

Para valorizar e estimular os autores locais, o governo estadual criou o “1º Prêmio Mato Grosso de Literatura”, que terá seu ponto alto hoje, em noite de gala, no Palácio Paiaguás, com a premiação das obras vencedoras, neste 2016 oficialmente e por reconhecimento popular “Ano Manoel de Barros”, em homenagem à memória do nosso poeta maior do Pantanal e uma das mais destacadas figuras da literatura do continente.

Parabenizo os inscritos e vencedores pelo conteúdo de suas produções no infinito mundo literário. Todos merecem meu respeito. Afinal, cada texto retrata o objetivo a que se propôs e não tem nenhuma ligação com meu caso, objeto deste artigo. Foi assim com o premiado professor Gaudêncio Amorim – figura que aprendi a ouvir, por sua sabedoria -, com a biografia dos prefeitos da nossa Poxoréu; com o mestre Ivan Belém, que se debruça sobre Liu Arruda, o Senhor do humor ácido cuiabano; com meu colega jornalista Rui Matos com seu Agnus Dei num mar de agua doce; e com os demais.

No ano passado, um influente servidor do governo estadual comentou comigo sobre o Prêmio Mato Grosso de Literatura. Observou que Dois dedos de prosa em silêncio... seria bom concorrente, mas confidencialmente pediu-me pra que não tentasse inscrevê-lo porque ele seria vetado.

Sinceramente, jamais pensei em concorrer a prêmio literário e nunca participei de disputas para premiar jornalistas por reportagens - quem me conhece na Redação sabe que sou crítico desse tipo de concurso. Em nome desse princípio disse ao servidor que não haveria motivos para veto ao livro, porque o assunto não me interessava. Ele lamentou o veto e resumiu o caso, “você é persona non grato ao governo, e aquela crônica sobre Pedro Taques foi o tiro de misericórdia que lhe deram”.

A crônica, ou melhor, o tiro de misericórdia é “Um bicheiro por uma estátua”, que ratifico sem mexer numa vírgula sequer. Portanto, alguns meses antes da premiação literária recebi um troféu que muito me honra e que está na imaginária prateleira onde acumulo outros, com o mesmo DNA de origem: a censura ao meu jeitão livre de ser.

Jamais disputarei premiação, mas se o fizesse não me sentiria em paz nem poderia olhar meus filhos e netos se tivesse que me curvar ao poder para concorrer com Dois dedos de prosa em silêncio... Não abro mão de minhas convicções e mesmo carregando o fardo dos erros que acumulei ao longo da minha sexagenária vida o sinto leve por não acrescentar ao seu peso a vergonha da submissão, a doçura do texto bajulativo e a distorção histórica que macula o hoje e o transforma em trevas quando citado no amanhã.
Eduardo Gomes

Eduardo Gomes

Eduardo Gomes é jornalista e escritor
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