Artigos / Alan Rodrigo Apio

17/08/15 às 18:26 / Atualizado: 18/08/15 às 08:56

Quem são eles?

Um ensaio das relações de poder
 
Eles são “os verdadeiros donos do mundo”. A sua vontade é “garantida pelo seu imenso poder”. “Eles controlam, financiam e dão rumo a política. Eles são a política.” Esses são fragmentos de um pensamento – senso comum a muita gente, que assume que os interesses e o destino do mundo estão nas mãos de uma elite local ou globalizada, egoísta e por muitas vezes mal intencionada. Presidentes de corporações, CEOs, megainvestidores, lobistas, sim, eles usam de seu poder para influenciar decisões políticas. Mas será que eles são os únicos ou apenas só uma fração mais famosa e odiada que outras? Será que o poder que dispõem é o único tipo de poder que influencia o rumo que a humanidade toma?

Para responder essas perguntas devemos entender o que é poder e como ele afeta o ser humano. Em um mundo comercialista globalizado, quem é relevante no comércio, possui quantidade relevante de influência, assumindo-se que podemos mensurar tal qualidade. Quando o controle sobre determinados mecanismos de produção tem impacto significativo no balanço final, indivíduos com tal controle tem impacto significativo sobre outros indivíduos. A sua simples existência é fator relevante na existência de indivíduos e organizações que surgiram e evoluíram sobre a capacidade deles de produzir determinado produto ou oferecer determinado serviço. Nós chamamos essa capacidade de influenciar direta e indiretamente indivíduos e organizações de “poder”.

Quanto mais complexo e longo fora sua escala de produção, mais complexo e longo será seu poder. A mesma noção se aplica a exclusividade de seu serviço ou produto e a sua qualidade.  Não é atoa que indivíduos físicos ou jurídicos disputam ferozmente a posse de patentes de produtos e serviços, pois essas poses nada mais são que reconhecimentos sociais legais de seu controle sobre mecanismos de poder eficientes. As organizações e cadeias de pessoas que produzem, gerenciam e distribuem determinado serviço ou produto são chamadas de empresas ou corporações, que por sua vez também são organizadas em estruturas hierárquicas de poder, dispostas por meritocracia.

 É importante ressaltar nesse ponto algo sobre as organizações humanas, e uma empresa é um exemplo de organização, é que elas assumem características de um ser vivo, e como qualquer ser, apresentam instinto de sobrevivência. Organizações farão o que for preciso para sobreviver, mesmo que isso signifique um conflito direito entre a moral da organização com a moral dos indivíduos que a compõe. Um exemplo é o caso da Monsanto, empresa de agentes químicos e tecnologia agroindustrial e que forneceu o “agente laranja” ao exército americano na ocasião da guerra do Vietnã. Tal agente era usado pelas forças americanas para desfolhar a vegetação no campo de batalha, a fim de revelar com mais facilidade a posição do inimigo. Porém, como logo se descobriu tal produto causava efeitos devastadores também para a saúde humana, tanto dos vietnamitas como dos próprios soldados americanos, o que foi por muito tempo negado pela Monsanto. Mas seria errado pensar que as pessoas que compõem a corporação agiram baseadas em uma natureza vil ou mesquinha. A qualidade moral dos funcionários da Monsanto não pode ser muito distante da qualidade moral da população em geral e essa por si repudiava as consequências nefastas do uso do agente laranja. O mesmo repudio e até uma vergonha extra pela participação direta na produção do produto, com certeza atormentaram as pessoas que formavam a corporação. Mas é errado assumir malícia. A empresa não odeia vietnamitas. A Monsanto só fez o que era melhor para a Monsanto.  
 
Pois bem, a mesma lógica se aplica as relações de poder de qualquer organização humana. Sindicatos, igrejas, sociedades de representação, conselhos civis, escolas, grupo de artistas, programas de televisão, jornais, rádios, ONGs e corporações. Todos eles tentam influenciar as decisões políticas. Todos eles querem influenciar um político. Porque eles são organizações de poder, assim como a própria política. E o poder se manifesta em diferentes formas. Dinheiro, que é representação do poder em uma sociedade comercial, é apenas uma delas. A fé religiosa, por exemplo, é uma poderosa arma nas mãos de pessoas bem ou mal intencionadas e que desejam aplicar sua agenda de ideias na sociedade. É algo que o dinheiro não pode comprar além da fé no próprio dinheiro. É um tipo de poder que se organizou e instituiu no que chamamos de religião, que é mais um nome para organização de poder humano.  Essas organizações demonstram possuir extraordinária influência junto à sociedade, muitas vezes superior ao poder do próprio dinheiro. Não é de se estranhar, portanto, que tais organizações evoluíram para desprezar a influência uma da outra, vide a filosofia do desapego material em função da dedicação religiosa e do desapego espiritual em função do consumo. Contudo, mesmo contrariando sua própria filosofia como descrito no caso Monsanto, tais instituições encontraram uma relação de mutuo benefício. A fé religiosa com a própria instituição do dinheiro, extravagando o poder desse em templos grandiosos e mais recentemente na história em filosofia de progresso espiritual e financeiro e também o poder de consumo com a fé religiosa ou social, na forma de “consumo mais sustentável”.

Ou seja, é tudo sobre poder. Essa é a quintessência da natureza humana, a busca desenfreada de poder. O papel da sociedade organizada nisso é oferecer mecanismos inconscientes e conflitantes que permitam o convívio desses interesses.  Essa é a essência de um mundo livre. A livre competição de poderes e egoísmos individuais cuja soma final e inconsciente será uma sociedade de direitos e deveres baseada na livre iniciativa e na meritocracia. Tal sociedade é possível não porque foi projetada com maestria por engenheiros sociais ou filósofos renomados. Ela é produto da evolução, a soma de sucessos em milênios de anos de tentativas e erros. É o método mais eficiente de produção e sobrevivência porque é o reflexo perfeito da natureza competitiva e instinto de sobrevivência humana. Um sistema tão complexo que é impossível reproduzir de modo igualmente eficiente, quem dirá mais eficientemente. É por tal razão que toda a tentativa de engenharia social, construção de extratos inteiros da sociedade ou projetos de comunidades igualitárias irão fracassar. Nós simplesmente somos incapazes de tal feito. É uma atividade humanamente impossível atingir a variedade de detalhes e sutilezas nas relações de poder que uma sociedade livre desenvolveu naturalmente. Não podemos negar a natureza. Apenas respeita-la e acompanhar sua evolução.  

Podemos concluir que acima de uma questão de moralidade, a natureza social é uma questão sobre relações de poder. Independentemente de quais são suas razões, as relações se darão dessa forma. Como há leis físicas que governam o universo há leis naturais que regem as relações humanas e mérito e boas intenções aqui são irrelevantes. E será na natureza que o ser humano encontrará a principal e mais limitante relação de poder, e base para todas as outas. Diante dela caem por terra muitas teorias e ideias, sociais ou econômicas.  Diante da inegável natureza dos fatos a única grande equalizadora verdadeiramente eficiente de todas as formas de poder será pra sempre, a morte.

 
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Alan Rodrigo Apio

Alan Rodrigo Apio

Alan Rodrigo Apio é produtor rural, biólogo, fundador do Movimento Cívico das Vítimas de Trânsito - MOVETRAN e presidente da AMAB - Associação MultiCultural de Água Boa.
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