Artigos / Juacy da Silva

21/08/22 às 09:21 / Atualizado: 13/09/22 às 20:58

Evangelho da criação e tempo da criação

“Mensagem de Sua Santidade Papa Francisco, para a Celebração do Dia Mundial de Oração pelo Cuiadado com a Criação.01 de setembro de 2022 Queridos irmãos e irmãs! «Escuta a voz da criação» é o tema e o convite do «Tempo da Criação» deste ano.

O período ecumênico começa no dia 01 de setembro com o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação e termina em 4 de outubro com a festa de São Francisco. É um momento especial para todos os cristãos, a fim de orarmos e cuidarmos, juntos, da nossa casa comum. Inspiração originária do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla, este «Tempo» é uma oportunidade para aperfeiçoarmos a nossa «conversão ecológica», uma conversão encorajada por São João Paulo II como resposta à «catástrofe ecológica» pressagiada por São Paulo VI já em 1970.

Se se aprende a escutá-la, notamos uma espécie de dissonância na voz da criação. Por um lado, é um canto doce que louva o nosso amado Criador; por outro, é um grito amargo que se lamenta dos nossos maus-tratos humanos.

Esta canção doce, infelizmente, é acompanhada por um grito amargo. Ou melhor, por um coro de gritos amargos.

 Primeiro, é a irmã e Mãe Terra que grita. À mercê dos nossos excessos consumistas, geme implorando para pararmos com os nossos abusos e a sua destruição. Depois gritam as diversas criaturas.

À mercê dum «antropocentrismo despótico» (Laudato si', 68), nos antípodas da centralidade de Cristo na obra da criação, estão a extinguir-se inúmeras espécies, cessando para sempre os seus hinos de louvor a Deus.

Mas gritam também os mais pobres entre nós. Expostos à crise climática, sofrem mais severamente o impacto de secas, inundações, furacões e vagas de calor que se vão tornando cada vez mais intensas e frequentes.

E gritam ainda os nossos irmãos e irmãs de povos indígenas. Por causa de predatórios interesses econômicos, os seus territórios ancestrais são invadidos e devastados por todo o lado, lançando «um clamor que brada ao céu» (Francisco, Exortação apostólica, pós-sinodal Querida Amazonia, 9).

Enfim gritam os nossos filhos. ameaçados por um egoísmo míope, os adolescentes pedem-nos ansiosamente, a nós adultos, que façamos todo o possível para prevenir ou pelo menos limitar o colapso dos ecossistemas do nosso planeta.

Durante este «Tempo da Criação», rezemos para que as cimeiras (Conferências do clima e da biodiversidade) COP27 e COP15 possam unir a família humana (cf. ibid., 13) para enfrentar decididamente a dupla crise do clima e da redução da biodiversidade.

 Recordando a exortação de São Paulo para nos alegrar com os que se alegram e chorar com os que choram (cf. Rm 12, 15), choremos com o grito amargo da criação, escutemo-lo e respondamos com os fatos para que nós e as gerações futuras possamos ainda alegrar-nos com o canto doce de vida e de esperança das criaturas.” (Parte da Mensagem do Papa Francisco, `a Igreja espalhada pelo mundo todo, inclusive a Igreja no Brasil, sobre o Dia Mundial de Oração e abertura do Tempo da Criação. Vaticano, 16/07/2022)”.

Há pouco mais de 7 anos, no dia 24 de Maio de 2015, o Papa Francisco publicou a Encíclica LAUDATO SI (DEUS SEJA LOUVADO), escrita com apoio e assessoramento de Bispos, Cardeais, cientistas, leigos, leigas, religiosos e religiosas, tentando englobar em uma mesma publicação, a Encíclica, um cabedal de conhecimento, reflexões e exortações quanto ao que está acontecendo com a “nossa Casa Comum”, ou seja, com o Planeta Terra.

Mesmo antes do surgimento da Laudato Si, em várias partes do mundo, inclusive no Brasil tanto a Igreja Católica quanto algumas evangélicas e também outras religiões não cristãs, como o islamismo, o budismo, o induismo,  outras seitas e grupos religiosos, vinham chamando a atenção da opinião pública em geral e dos fiéis em particular, sobre as razões pelas quais o planeta, todos os ecossistemas e biomas vinham e continuam sendo degradados, destruidos, gerando ou agravando uma série de problemas ambientais como mudanças climáticas, aquecimento global, poluição do ar, dos mares/oceanos, solo e das águas, desertificação, extinção da biodiversidade, desmatamento, queimadas, derretimento das calotas polares e das geleiras, aquecimento e elevação do nível do mar e aumento de catástrofes naturais, tudo isto tendo como origem a forma predatória e irracional das relações da humanidade com a natureza e também em decorrência de modelos sócio-econômicos e culturais que não respeitam, de um lado os limites do planeta e de outra a falta de respeito `a dignidade humana, principalmente em relação aos trabalhadores.

Tais modelos tem levado a um consumismo sem limites, a uma enorme concentração de renda, riqueza, propriedade e capital em poucas mãos, uma minoria, não mais de que 5% da população mundial, e, de outro a exclusão de mais de 60% da população que a cada dia ficam mais excluidos, tendo que conviver com a fome, com a miséria, com a insegurança alimentar e nutricional e todas as demais formas de violência.

Desta forma, é importante que no período de 01 de Setembro até 04 de Outubro, o chamado TEMPO DA CRIAÇÃO, possaamos refletir mais profundamente como está o “CUIDADO COM A NOSSA CASA COMUM”, ou seja, a partir de nossa realidade mais próxima, nossas comunidades, nossos municípios, nossas cidades, nossos Estados e nosso País, qual é a realidade sócioambiental, quais os principais problemas ambientais, ecológicos que nos ameaçam?

Em relação a Mato Grosso, por exemplo, vemos que a cada dia continuam o desmatamento do cerrado, do pantanal, da amazônia; as queimadas, a grilagem de terra, as invasões dos territórios indíngenas, a destruição das nascentes e a morte dos rios, a morte anunciada do Pantanal, os garimpos e a mineração que deixam um imenso passivo ambiental, a falta de saneamento básico que acaba aumentando a poluição e a morte de nossos córregos e rios; o uso indiscrimiando de agrotóxicos que acabam envenenando os alimentos e os biomas, destruindo e extinguido nossa rica biodiversidade, o consumismo, o desperdício, a falta de uma educação ambiental/ecológica que denota a falta de uma consciência em relação aos cuidados com a natureza e a falta de compromisso com as futuras gerações.

Aliado a todas essas mazelas, podemos também apontar a falta de políticas públicas voltadas para a preservação e conservação do meio ambiente e da mesma forma, a falta de articulação e interação entre as ações governamentais nos tres níveis de governo: União, Estados e Municípios e desses com o setor produtivo e a sociedade em geral.

Este TEMPO DA CRIAÇÃO, cujo tema em 2022 é “Ouça a Voz da Criação”, representa uma ótima oportunidade para refletirmos e também agirmos procurando ouvir esta voz, como nos exorta o Papa Francisco na Laudado Si (que é o Evangelho da Criação) dizendo “o clamor/gemido da terra é também o clamor dos pobres”.

No contexto tanto enfatizado de que “tudo está interligado, nesta Casa Comum”, Francisco chama a nossa atenção para a repercussão que a destruição e degradação de qualquer parte dos ecossistemas geram impactos além fronteiras, pois só existe um planeta terra e ao destruimos este planeta não temos para onde ir. Esta é a catástrofe sempre anunciada que a cada dia se torna mais grave e urgente a  evitar.

Falando  neste sentido da urgência em relação a uma mudança radical de paradígma tanto em relação aos sistemas e modelos econômicos e sociais quanto a um estilo de vida extremamente materialista, fica bem claro que precisamos também, como pessoas, famílias e consumidores mudarmos, radicalmente, nosso modelo consumista, perdulário que gera cada vez mais rejeitos, lixo e poluição. Este é o cerne da proposta do Papa na “Economia de Francisco e Clara” e em seus tres “Ts”: Terra, teto e trabalho.

Na Laudato Si, O Papa Francisco chama nossa atenção dizendo “O urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família human a na busca de um desenvolvimento sustentável e integral, pois sabemos que as coisas podem mudar” (Laudato Si, 13).

Esta é a dimensão de esperança que precisamos nutrir, cultivar, principalmente neste TEMPO DA CRIAÇÃO, reconhecendo que “todo o universo material é uma linguagem de amor de Deus, do seu carinho sem medida por nós. O solo, a água (as nascentes, os rios, os mares), as montanhas (a biodiversidade): tudo é carícia (e criação ) de Deus” (Laudato Si, 84). Por isso devemos respeitar cada vez mais e não destruirmos irracionalmente como está acontecendo, as obras da criação.

Para finalizar esta reflexão, gostaria de transcrever o parágrafo final de um artigo magistral do Arcebispo de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira Azevedo, atualmente Presidente da CNBB, escrito em 17 de Julho de 2015, pouco mais de 2 meses após a publicação da Encíclica Laudato Si, intitulado “O Evangelho da Criação”.

Vejamos, o que dizia Dom Wlamor, “É preciso acolher as diferentes luzes que podem indicar no fim do túnel a abertura de nova etapa para a humanidade, especialmente no que se refere ao modo de viver na “casa comum”. Indispensável é a luz da fé em diálogo com o pensamento filosófico, que produz força de sustento no processo de cultivar a paz, a justiça e a prática efetiva da solidariedade. Nesse sentido, a fé cristã tem contribuições muito significativas e indispensáveis para promover o cuidado com a natureza. A fé desperta a consciência de cada pessoa a respeito de seu próprio lugar no conjunto da criação, a partir da obediência amorosa ao seu Criador. A força da fé, indubitavelmente, alcança mais resultados que protocolos mesquinhamente boicotados no escondido das sombras, formadas pela ambição sem limites e por descasos humanitários tão frequentes. Todos estão convocados ao conhecimento das convicções fundamentais da fé cristã para qualificar o exercício da cidadania com tudo o que é único, próprio e indispensável do Evangelho da Criação.”.

Ao encerrar este artigo/reflexão, destaco que durante os 34 dias do Tempo da Criação (de 01 de setembro até 04 de Outubro), existem diversas datas comemorativas que, direta ou indiretamente, nos remetem `a ecologia integral e ao cuidado com a “casa comum”. Assim, imagino que, como nos recomenda o Papa Francisco, em todas as Igrejas Cristãs, no caso da Igreja Católica, nas Arquidioceses, nas dioceses, paróquias e comunidades, seria de bom alvitre que houvesse um momento de reflexão sobre as “obras da criação”, sobre o que podemos e devemos realizar para enfrentarmos os desafios socioambientais que nos cercam, dentro da máxima “pensar globalmente e agir localmente”.

Aproveito esta reflexão para relacionar algumas dessas datas comemorativas do mes de setembro e os primeiros dias de outubro. 03 de Setembro – Dia do biólogo; 05 Dia da Amazônia; 07 Independência do Brasil (como andam as questões socioambientais/ecológicas em nosso país, quando vamos comemorar 200 anos de nossa independência, o que nos reserva o futuro em termos de crise socioambiental?); 07 Dia Internacional do ar limpo (combate `a poluição do ar); 11- Dia Nacional do Cerrado; 13 – Dia do Eng. Agrônomo/Enga. Agrônoma; 16- Dia Internacional para a preservação da camada de ozônio; 21 – Dia da Árvore ( como andam o desmatamento e a arborização urbana em nossas cidades?); 22 – Dia da Primavera (a estação da esperança); 22 – Dia mundial sem carros (vamos reduzir a poluição decorrente do uso de combustíveis fósseis?); 22- Dia Nacional de Defesa da fauna; 01 Outubro – Dia Mundial do vegetarianismo (como mudar nossos hábitos alimentares e preservar o meio ambiente?); 02 outubro – Dia Mundial do Habitat e, Dia 04 de Outubro – Dia de São Francisco de Assis; Dia da Natureza e Dia dos Animais.

Como podemos perceber, ao longo do “Tempo da Criação”, devemos refletir mais profundamente sobre alguns aspectos no que concernem a um melhor cuidado com a “Casa Comum”, como disseram os Bispos Japoneses (referência na Laudato Si, 85) “Sentir cada criatura que canta o hino de sua existência é viver jubilosamente no amor de Deus e na esperança”. Por isso, este Tempo da Criação nos exorta a “ouvir a voz da criação”.

Oxalá, cristãos e não cristão possam comungar de um pensamento comum, e ações concretas, pois precisamos salvar o planeta, a ecologia integral enquanto é tempo. E este tempo é agora, amanhã, pode ser tarde demais.

Aproveite este TEMPO DA CRIAÇÃO e junte-se a tantas pessoas que estão se mobilizando para salvar os nossos rios, nossas florestas, nossos biomas, principalmente o Pantanal. DIGA NÃO  ao consumismo, `a economia do descarte,`a todas as formas de degradação ambiental, não ao desperdício, não ao uso dos agrotóxicos, não `a poluição, diga não `a morte de nossos rios, `as barragens que impedem os rios de continuarem vivos, diga não `a destruição da biodiversidade, diga não aos combustíveis fósseis que provocam mudanças climáticas e o aquecimento global.

DIGA SIM `a ecologia integral, simn `a sustentabilidade ecológica; sim `a agroecologia, sim `a economia solidária, sim`a economia de Francisco e Clara; sim `a economia circular; sim a reciclagem, sim `a partilha, sim `a fraternidade e a `a solidariedade, sim `a economia verde; sim `as fontes renováveis e limpas de energia,  Sim `a água e comida para todos, sim a um novo estilo de vida mais saudável, justo e realmente humano.

Diga sim `a esperança de um mundo novo, onde possamos viver em paz, com qualidade de vida, em harmonia, onde o bem comum possa substituir a egoismo, a fraternidade substitua a ganância e o apego aos bens materiais. Onde a verdade substitua a mentira; onde o amor substitua o ódio e a violência.

Enfim, DIGA SIM `A VIDA em plenitude E NÃO `A MORTE e todas as formas de violência.

Este é o real significado do TEMPO DA CRIAÇÃO e o sentido do EVANGELHO DA CRIAÇÃO.
Juacy da Silva

Juacy da Silva

Juacy da Silva, professor titular aposentado Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral.
E-mail profjuacy@yahoo.com.br
Instagram @profJuacy
WhatsApp 55 65 9 9272 0052
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