Artigos / Caiubi Kuhn

19/05/21 às 09:12

Transporte público: como pagar menos e usar mais?

            Ao longo da minha vida tive a oportunidade de conhecer o sistema de transporte público em vários locais do mundo. Um modelo utilizado em países como Portugal e Alemanha me chamou muita atenção. Nestes locais, além da opção de compra de passagem unitária, existem opções de passagem que são válidas por dias, semanas, meses ou até um ano. Sim, com um único bilhete você pode usar o transporte coletivo quantas vezes quiser pelo período em que o bilhete estiver válido. Medidas como essa incentivam a população a usarem o transporte público tornam o ele mais acessível.

          Por uma lógica simples, essa forma de venda beneficia quem muito utiliza o transporte público, ou seja, a passagem unitária possui um valor mais elevado, se comparada com o custo mensal, semestral ou anual. Para o você entender melhor o modelo, vou apresentar alguns dados sobre custos para o usuário do transporte público na cidade de Tubinga, na Alemanha. O valor unitário de uma passagem é de € 2,20, ou seja, se a pessoa usar duas passagens por dia, de segunda a sexta, ela terá um custo diário de € 4,40 e mensal de € 96,80, considerando 22 dias de trabalho por mês. Porém, se ela optar por comprar um passe mensal, o valor sai por € 62,10, ou o passe anual por € 565,20. Nestas duas últimas opções, ela pode utilizar não só duas passagens por dia, mas sim, quantas ela quiser, inclusive nos finais de semana. Já as crianças não pagam passagem e os estudantes possuem uma opção de bilhete semestral que custa € 109,70.

         Para que o leitor possa fazer uma comparação de quanto esses valores representam, podemos usar como referência o valor do salário-mínimo, que na Alemanha é de € 1.609,62, ou seja, na opção de bilhete anual, o custo mensal para o cidadão sai por cerca de € 47,10, o que representa cerca de 2.9% do salário-mínimo. Se no Brasil o custo do transporte público fosse de 2.9% do valor do salário-mínimo, que atualmente é R$ 1.100,00, o valor seria de cerca de R$ 31,90 por mês. Já pensou? Pagar esse valor e poder utilizar o transporte a hora que você quiser?

         Neste momento, eu sei que terá leitor que se perguntará, mas como garantir o lucro das empresas de transportes em um modelo como esse? A resposta é simples, o modelo de bilhete mensal e anual beneficia quem usa o transporte fora dos horários de pico, onde muitas vezes os transportes públicos andam abaixo da capacidade. O custo para um ônibus ou um metrô funcionar com 25% da capacidade ou com 70% da capacidade é quase o mesmo. Ou seja, não existe prejuízo para empresa. Lógico que esse tipo de modelo para ser implementado no Brasil, precisaria vir junto uma mudança na forma como é feita a licitação do transporte público nas cidades. Ao invés de contar e calcular o custo por passagem, poderia ser calculado o custo de operação e esse valor seria dividido considerando essas diferentes formas de venda de passagem, anual, mensal e unitário.

            Eu, particularmente, considero um absurdo o cidadão que paga ao menos duas passagens para ir trabalhar e voltar para casa, ter que pagar passagens nos finais de semana e nas horas de lazer onde o transporte público funciona abaixo da lotação máxima. Considerar o bilhete mensal como 10 passagens unitárias semanais, já seria uma boa sugestão de cálculo para implementação deste modelo nas cidades onde existam prefeituras com coragem e com vontade de pensar no bem-estar dos cidadãos.

         O transporte público precisa ser visto como uma estrutura fundamental nas cidades. Ele auxilia na redução da poluição, melhora o acesso das pessoas a serviços e espaços públicos e atividades culturais e de lazer. Se esse modelo funciona em muitas partes do mundo, por que ainda não implementarmos nas cidades do Brasil? Não precisaremos reinventar as rodas do ônibus. Para melhorar a vida da nossa população devemos sim copiar boas iniciativas.
Caiubi Kuhn

Caiubi Kuhn

Caiubi Kuhn é Geólogo, Doutor em Geociência e Meio Ambiente (UNESP), Professor na UFMT e Presidente da Federação Brasileira de Geólogos (FEBRAGEO)




 
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