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27/03/16 às 08:11 | Atualizada: 27/03/16 às 08:20

Livro: Preâmbulo da Biografia não Autorizada de Riva

Caminhar pela vida, avançar segundo a segundo não é fácil, pelo menos pra mim. Poucas vezes apertei mãos estendidas, recebi abraços fraternos, vi sorrisos, ouvi gritos de estímulo. Não reclamo, apenas relato, porque na balança dos meus sentimentos os poucos que sempre estiveram ao meu lado têm peso maior.

Por caminhos sinuosos, íngremes e escuros, avanço passo a passo numa caminhada que começou em 28 de setembro de 1950 na vila de Barra do Cuieté, município de Conselheiro Pena, num canto bom de Minas, onde o trem da Vale, carregado com minério de ferro, faz o chão tremer, perto da foz do Caratinga no Doce, colado ao Espírito Santo. Nas curvas do tempo perdi meu pai Agenor e minha mãe Alzira, minhas avós Amélia (paterna) e Mariquinha, meus cunhados José Fernandes e Lindomar, e meu concunhado José Pereira; a visão do olho direito evaporou-se, sofri um infarto que resultou na implantação de quatro stends farmacológicos e o diabetes acompanhado pela labirintite me pegou. 

Não parei de caminhar em Minas. Em 10 de maio de 1970 descobri o paraíso que atende por Mato Grosso, terra que me adotou e foi por mim adotada. Analfabeto funcional que sou, não me intimidei e virei jornalista. Jornalista com mais de mais de 36 anos de atividade ininterrupta. Em 2014, depois de uma reposta que ouvi do deputado estadual Pedro Satélite (PSD) me veio a vontade de escrever esta obra sobre a vida pública do ex-prefeito de Juara e ex-deputado estadual José Geraldo Riva. Comentei por alto com alguém e ouvi um conselho paternal em tom de alerta pra que desistisse dela porque seu desfecho seria o fechamento de portas pra mim. Não costumo rir facilmente, mas o tom do aconselhamento me levou à risada interior. Em silêncio me questionei: fechar mais o quê, se nunca houve nem fresta aberta pra minha passagem? Se sempre me mantiveram à margem? Se não tenho respaldo de instituição, sindicato ou partido político?

Mantive o projeto. Antes, porém, tinha dois compromissos: escrever e publicar o “Livro 44”, naquele ano, e o livro “Dois dedos de prosa em silêncio”, em 2015. A duras penas consegui cumprir tal meta, sem apoio das leis de incentivo cultural.

No final de 2015 comecei a escrever este livro sem o ódio que muitos reservam aos vencidos e longe da bajulação que nos áureos tempos de Riva tantos lhe dedicavam. Isso, modéstia à parte, por entender que alguém precisava registrar para a história um interessante capítulo da política mato-grossense, independentemente de fechamento ou não de portas. A decisão nasceu da tal resposta que ouvi de Satélite e foi reforçada por outra, do jornalista Fábio Monteiro. Confesso que ambas me motivaram, mas que, mesmo sem elas, mais cedo ou mais tarde este livro seria impresso.

No começo de novembro de 2014 fui ao gabinete do deputado Baiano Filho, na Assembleia Legislativa, para falar com sua assessora de Imprensa Naiara Martins. Procurei Naiara para lhe oferecer (ela aceitou) espaço na Revista MTAqui pra publicação de uma reportagem sobre o Festival de Quadrilhas do Vale do Araguaia. No corredor encontrei-me com Satélite e o que conversamos migrou para a manchete da revista, na edição daquele mês, com o título “E agora?”, que questionava sobre o amanhã da Assembleia sem o presidente Riva. 

Estava curioso para saber qual seria a reação de Satélite, figura carimbada no círculo do poder e sempre atrelada ao mesmo, independentemente de quem o exerça. Há mais de 20 anos ele disputa eleição para deputado estadual e sempre filiado ao núcleo situacionista. Foi candidato com o número 15163, quando o PMDB mandava, com o 45163 nos bons tempos dos tucanos, 23163 no auge do governo Blairo Maggi etc. Vale observar que a centena 163 é carona na nomenclatura da rodovia Cuiabá-Santarém (BR-163), que cruza Guarantã do Norte, onde o deputado morou.

Transcrevo o trecho da matéria da revista sobre Satélite:

Nenhum político concentrou tanto poder em Mato Grosso quanto José Riva (PSD). Há duas décadas a Assembleia Legislativa reza por sua cartilha. Ao longo desse período os governadores engrossaram a fila do beija-mão a Riva. A bancada federal nunca assumiu posicionamento que chocasse com ele. AMM e UCMMAT, que são as associações dos prefeitos e vereadores, respectivamente, eram verdadeiras extensões de seu gabinete.

Entidades de classe de servidores, patronais e de trabalhadores na iniciativa privada, mesmo quando dirigidas por críticos de Riva, sempre batiam à porta de seu gabinete quando se sentiam prejudicadas ou reivindicavam algo.

A força representativa de Riva chega ao fim em poucos dias. A legislatura que ele preside na Assembleia entrará em recesso em dezembro. No dia 1º de janeiro empossará o governador Pedro Taques (PDT) e seu vice Carlos Fávaro (PP), em seguida manterá plantão parlamentar e somente retornará ao plenário 30 dias depois com a missão de entregar as chaves do Legislativo aos novos deputados. Depois disso Riva será ex.

O deputado tentou continuar no poder, mas foi forçado ao adeus por duas decisões colegiadas e unânimes do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que o consideraram ficha suja, acatando pedido de impugnação do registro de sua candidatura ao governo feito pelo Ministério Público Eleitoral e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que o acusam de crimes de improbidade administrativa e eleitoral. Riva nega essas acusações.

O gabinete do presidente da Assembleia seguirá sua rotina, ocupado por outros deputados. Riva corre o risco de ser canibalizado no mundo político, mas pode ressurgir das cinzas caso não seja triturado pelo Ministério Público nas ações a que responde.

Não há clima de viuvez e nem mesmo de solidariedade na Assembleia com o guru que a liderou por tanto tempo. Isso pode ser avaliado pela declaração do deputado reeleito em outubro Pedro Satélite (PSD). Lacônico, Satélite definiu o momento que se avizinha: “Ninguém é insubstituível”.  Ou seja, morto o rei, viva o rei! Vale lembrar que esse parlamentar gravitava sob a liderança de Riva...”.

Saio da revista e volto ao livro. No final de novembro de 2015, Fábio Capilé, candidato a presidente da OAB de Mato Grosso, visitou a redação do Diário de Cuiabá acompanhado por seu assessor de imprensa Fábio Monteiro. Enquanto Capilé era entrevistado pelo pessoal de Política, Fábio foi à minha sala. Conversamos rapidamente, mas com tempo suficiente para que me solidarizasse com ele, pela situação em que Riva se encontrava.

Fábio refugou quando comentei a prisão de Riva e o coloquei na condição de amigo e ex-assessor do mesmo. Em outras palavras, o jornalista disse mais ou menos assim: “Nunca trabalhei nem fui ligado a Riva. Deus me livre! Prestei serviço para a Assembleia, o que é bem diferente”, disse. Olhei para ele. Não tinha razão para sentir ódio; meu sentimento foi de pena. Eu que o vi secretário de Comunicação da Assembleia presidida por Riva; que o vi na campanha de Riva ao governo em 2014, antes que a mesma fosse abortada pela Justiça Eleitoral; que o vi Deus no céu e Riva na terra...

Sabia que não seria fácil catalogar informações pra juntá-las à minha memória e resumi-las no conteúdo da obra, mas levei o projeto adiante. Tive o cuidado de não citar alguém aleatoriamente. Quem é mencionado tem alguma razão para tanto. Em alguns trechos transcrevo resultados de eleições, o que pode parecer algo insosso, mas não é. As estatísticas eleitorais têm números e nomes; os primeiros são meras referências e, dentre os outros, alguns são peças da história. Ao incluir Otaviano Pivetta na condição de candidato a vice-governador de Mauro Mendes em 2010 levo para as páginas o mesmo Otaviano que se elegeu deputado estadual em 2006 e desafiou Riva na Assembleia. Conto o desfecho entre eles e não seria lógico falar somente sobre a vida pública do desafiado deixando de lado a trajetória do desafiante. 

A relação de Riva como Pedro Taques, Blairo Maggi, Julier Sebastião da Silva, Silval Barbosa, Guilherme Maluf, Luiz Antônio Pagot, Percival Muniz, Romoaldo Júnior, Waldir Teis, Sérgio Ricardo, Humberto Bosaipo, Chico Daltro, Nininho, Gilmar Fabris, Ságuas Moraes, Serys Slhessarenko, Éder Moraes, Antero Paes de Barros, Chica Nunes e tantos outros é tratada em mão dupla.

Viajei bons quilômetros pelo nosso Mato Grosso buscando as pegadas políticas de Riva e também as encontrei em Cuiabá. Varei madrugadas no computador, ao som de Chico Rey & Paraná, de Agepê, da viola de Tião Carreiro e de “Luzes da Ribalta” da genialidade de Charlie Chaplin na voz de José Augusto. Não foram poucas as vezes que meu trabalho rotineiro de operário das letras na redação avançou além do horário normal por conta do tempo dedicado ao livro.

Não creio em sucesso editorial ou de vendagem. Mato Grosso não tem o hábito de comprar livros de autores locais e se alguém disser o contrário estará mentindo. Além disso, o tema da obra é excludente. Muitos se afastarão dela temendo que sejam contados entre os que a apoiam. Penso assim porque sei o quanto alguns jornalistas mantêm prudente distância dos meus textos – e até mesmo de mim, em público - para não magoarem ou serem prejudicados por seus assessorados políticos. 

Independentemente da reação, a obra será colocada ao leitor. Com ela brindo Mato Grosso com o registro ao qual dei o nome de O CICLO DE FOGO – Biografia não autorizada de Riva por entender que alguém precisava mostrar um período no qual a política mato-grossense se fundiu e se confundiu com a figura mais polêmica da vida pública nesta abençoada e ensolarada terra cercada pela América do Sul por todos os lados.

Acredito que Riva representou mais que um homem poderoso. Acho que encarnou uma instituição que embora não tivesse personalidade jurídica era na verdade quem dava as cartas. Seria utópico imaginar que um juiz ou tribunal o julgasse em sessão única por todos os crimes que lhe são debitados pelo Ministério Público. Mas, se ele fosse a julgamento numa condição assim, nenhum veredito seria justo. Em caso de absolvição, o mais satanizado dos políticos de Mato Grosso estaria na rua, em plena liberdade. Se condenado, estaria atrás das grades um homem de coração generoso, amigo, leal, parlamentar atuante, municipalista e político visionário.

Riva estará diante da toga em muitas sessões para responder pelas acusações que lhe são imputadas. Seu amanhã é tão nebuloso quanto seu ontem. Enquanto isso, vozes nas ruas continuarão clamando por sua execução. Figuradamente querem sua cabeça, não importa se por fuzilamento, injeção letal, enforcamento, decapitação, mas a querem. Não escuto ninguém defendê-lo; seus comensais sumiram, levaram consigo a suposta auréola que separa o íntegro do improbo, o justo do injusto. O coro é pela aplicação de duras penas que o mantenham até o último suspiro encarcerado, desde que o encarceramento não tenha efeito cascata, de modo a atingir a multidão que gravitava em seu entorno. Acredito que essa é a consensualidade, que nessa condição não abre espaço para uma voz sequer clamar por sua liberdade, em nome da isonomia do perdão a todos que foram peças de sua engrenagem.

Busquei inspiração para escrever o livro e não sei se a encontrei, porque foram muitas as barreiras em razão do meu estilo jornalístico, que somadas às minhas limitações criaram embaraços. Foi este estilo que inspirou o título desta apresentação.

Em 2004 o então prefeito de Reserva do Cabaçal, Ezequiel Ângelo da Fonseca, presidia a Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM) e torceu a cara comigo por conta de uma reportagem de minha autoria criticando aquela entidade. Encontramo-nos num evento do Palácio Paiaguás e ele puxou conversa demonstrando insatisfação. Ponderei que na vida pública é preciso que haja contraditório, mas não o convenci. Felizmente nosso assunto terminou em paz. Quando me despedia, Ezequiel me cutucou: “Você não corre atrás de nada, não fala em nada. Assim ninguém é de confiança”. Entendi suas palavras. Respondi que realmente não sou confiável. É com esse espírito que apresento esta obra.

Boa leitura!
Eduardo Gomes de Andrade
 
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