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15/06/20 às 09:22

Nas três maiores cidades de Mato Grosso, quase 500 mil pessoas vivem sem água potável e coleta de esgoto

Cuiabá, Rondonópolis e Várzea Grande protagonizam uma amarga estatística: mais de 455 mil pessoas que vivem nessas cidades ainda carecem de serviços básicos, como coleta de esgoto. Mais de 25 mil ainda não têm água tratada para atividades simples, como lavar as mãos e cozinhar alimentos, medidas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para frear o avanço da pandemia de covid-19. 

“Como é que essas pessoas podem se higienizar, em um momento de pandemia, se elas não têm água? Muitas usam água de poço, de cacimba, de cachoeira, de rio. Além de não se higienizar contra o coronavírus, elas podem adquirir outras doenças que são tradicionalmente transmitidas pelo esgoto doméstico”, alerta o presidente do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos. 

Um estudo realizado pela Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon) revelou que Mato Grosso precisará investir R$ 17 bilhões em saneamento básico até 2033, cerca de R$ 1,2 bilhão por ano. Esse valor é necessário para obras de ampliação, extensão de redes, adutoras, construção de estações de tratamento de água e esgoto, elevatórias, reservatórios, ligações de água, cisternas, poços artesianos, redes coletoras de esgoto, coletores-tronco, ligações de esgoto e tanques sépticos. O objetivo do estudo, realizado pela empresa KPMG, é atender às metas de universalização do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab). 

Com 607 mil habitantes, Cuiabá leva água encanada a 97% da população, mas apenas 34% do esgoto produzido passa por tratamento, segundo o Painel Saneamento Brasil. Um decreto assinado em junho de 2019 pelo prefeito Emanuel Pinheiro (MDB) promete 100% do esgoto tratado até 2024. O plano de saneamento estabelecido pelo decreto também prevê água tratada em todas as torneiras, 24 horas por dia. Ao longo deste ano, a empresa Águas Cuiabá deve investir R$ 200 milhões em saneamento na capital – em março, foram anunciadas 81 frentes de obras de água e esgoto distribuídas em 41 bairros.

Segunda maior economia de Mato Grosso, Rondonópolis, que conta com mais de 230 mil habitantes, teve um grande avanço nos índices de saneamento básico nos últimos dez anos. O Ranking da Universalização do Saneamento de 2019, divulgado no início do mês pela Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes), apontou a cidade como a primeira colocada do Centro-Oeste no quesito cidade de grande porte. Isso porque Rondonópolis assumiu o desafio e tocou as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), proposto pelo governo federal. Em 2007, apenas 25% da cidade contava com sistema de esgotamento sanitário. Hoje, 85% da cidade conta com rede coletora e 100% do esgoto é tratado. Para chegar a esses níveis, o Serviço de Saneamento Ambiental de Rondonópolis (Sanear), gerido pela prefeitura, tem investido mais de R$ 245 milhões em obras, por meio da aplicação de recursos próprios e de convênios com a União.

Em Várzea Grande, apesar de quase 98% dos residentes terem acesso a abastecimento de água, cerca de 200 mil pessoas vivem sem coleta de esgoto e apenas 41,9% dos dejetos são tratados. Com a constante falta de água em alguns bairros locais, uma das soluções apresentadas pelo presidente da Câmara dos Vereadores, Fábio Tardin (DEM), é a privatização do Departamento de Água e Esgoto (DAE), que, segundo ele, não tem condições financeiras para promover investimentos e proporcionar um serviço de qualidade à população.

Para o presidente da Abcon, Percy Soares Neto, os exemplos de Cuiabá e Rondonópolis demonstram que a solução passa por ampliar os investimentos no setor por meio de parcerias público-privadas (PPPs), o que ajudaria a diminuir a pressão no sistema público de saúde, com menos pessoas doentes em virtude da prestação inadequada desses serviços essenciais.

“Para a pessoa que vive em um bairro sem esgoto, não interessa se ela é 1%, 10% ou 20% da população. É um cidadão ou uma comunidade de cidadãos que não está atendida pelos serviços”, ressalta. 

Em âmbito estadual, a Companhia de Saneamento de Mato Grosso (Sanemat), criada na década de 1960 para prestar o serviço de água e esgoto em todos os municípios, devolveu as concessões para as prefeituras, em 2000. Mesmo inativa desde então, os gastos anuais da estatal, hoje, giram em torno de R$ 21 milhões.
Painel Saneamento Brasil revela dados do setor de municípios mato-grossenses/ crédito: Érica Passos
Saneamento rural 

Por ser um dos principais polos agrícolas do país, o acesso a saneamento básico em zonas rurais é uma pauta importante para o Mato Grosso. Esse tema foi incluído no novo marco legal de saneamento (PL 4.162/2019), após sugestão da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em uma das audiências públicas realizadas sobre o assunto. 

Atualmente, cerca de 30 milhões de pessoas vivem no campo, mas apenas 20% delas usam soluções adequadas para o tratamento dos dejetos. O levantamento da Embrapa mostra também que cerca de 3,5 milhões de habitantes do meio rural ainda não possuem banheiro – isso equivale a 14% da população do campo. “Falta um pouco desse olhar para a população rural, especialmente das áreas isoladas. Geralmente, essas pessoas são negligenciadas”, lamenta o pesquisador Wilson Tadeu Lopes da Silva, que trabalha há 17 anos com o tema na Embrapa Instrumentação.
O que muita gente não sabe, segundo o pesquisador, é que o saneamento básico que chega às áreas urbanas passa primeiro pelas zonas rurais. “A água que a gente utiliza na cidade vem das nascentes que, geralmente, estão presentes na área rural. Então, preservar mananciais, nascentes e pensar na qualidade do saneamento rural é também pensar na qualidade do saneamento urbano”, completa.

Na avaliação de Wilson Tadeu, uma das principais medidas para garantir a sustentabilidade no campo passa pela instalação de fossas sépticas nas propriedades rurais, que, diferentemente da rudimentar, é um tanque vedado e os dejetos são direcionados e tratados sem contaminar o solo e o lençol freático, além de evitar a propagação de doenças. De acordo com dados da Embrapa, apenas 28,7% dos moradores contam com rede pública de esgoto e/ou com fossa séptica.

No Congresso Nacional, os senadores tentam trazer novo fôlego ao setor e podem votar, já em junho, o Projeto de Lei 4.162/2019. Um dos pontos do texto determina que a Agência Nacional de Águas (ANA) passe a emitir normas de referência e padrões de qualidade para os serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, gestão do lixo urbano e drenagem de águas pluviais, incluindo a zona rural.

Baseado na concorrência entre companhias públicas e privadas, o novo marco legal prevê que os contratos de saneamento sejam firmados por meio de licitações, facilitando a criação de parcerias público-privadas (PPPs). Ainda de acordo com a proposta, a privatização dos serviços de saneamento não se torna obrigatória, apenas garante a oferta mais vantajosa para o setor, por meio de concorrência. Dessa forma, as empresas estatais podem ser mantidas, livres para participarem das concorrências, desde que se mostrem mais eficientes que as empresas privadas que participarem da licitação.

“Isso é importante por conta do déficit que a gente vive. Os recursos públicos para investimento em saneamento são cada vez mais escassos. Com isso, há a necessidade de atrair investimentos privados para o setor”, analisa a pesquisadora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getúlio Vargas (FGV/CERI) Juliana Smirdele.

Para melhorar os índices de cobertura no interior dos estados – locais que mais sofrem com falta de serviços de saneamento, a nova lei possibilita a criação de blocos de municípios. Com isso, duas ou mais cidades passariam a ser atendidas, de forma coletiva, por uma mesma empresa. Entre os critérios que poderão ser utilizados, está a localidade, ou seja, se dois ou mais municípios são de uma mesma bacia hidrográfica, por exemplo.

 
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