Imprimir

Imprimir Notícia

29/02/20 às 16:34

Como Trump conseguiu criar um 'muro invisível' para reduzir a entrada de estrangeiros nos EUA

Mais de três anos após sua chegada à Casa Branca, o presidente americano Donald Trump construiu apenas 177 dos 1.609 quilômetros do polêmico muro que prometeu erguer na fronteira com o México, segundo dados oficiais citados pelo jornal The Washington Post.

Não permita, no entanto, que esses dados o levem a conclusões erradas.
 
Durante o atual governo, houve uma redução significativa da imigração nos Estados Unidos, embora isso não tenha sido alcançado graças à barreira na fronteira, mas ao que especialistas e a imprensa dos EUA chamam de "muro invisível de Trump".

A que eles se referem? À mudança incessante e detalhista nas normas de imigração promovidas pelo Executivo, que dificultaram o caminho a ser percorrido pelos estrangeiros que desejam estabelecer-se nos Estados Unidos seguindo os trâmites legais.

Essa nova linha de defesa de fronteiras afeta mais aqueles que aspiram a imigrar legalmente do que os chamados "indocumentados".



Trump não conseguiu que o Congresso aprovasse os recursos necessários para a construção do muro -
Getty Images

Mas quanto caiu de fato a imigração legal?

Menos residentes e menos refugiados

De acordo com dados do Departamento de Segurança Interna dos EUA, entre 2016 — o último ano do governo Barack Obama — e 2018 houve uma diminuição na concessão de autorizações de residência permanente e na recepção de refugiados.

Entre as duas datas, a entrega dos famosos green cards caiu de 1.183.505 para 1.096.611, enquanto a admissão de refugiados teve redução de quase 75%, de 84.988 para 22.405.

No caso de pedidos de asilo concedidos, houve um aumento notável, uma vez que passaram de 20.362 para 38.687. No entanto, esse aumento não é nem remotamente suficiente para compensar quedas nas outras duas categorias. Entre os três, eles acumulam uma queda de 131.152, equivalente a uma redução de 10% entre 2016 e 2018.

A concessão de vistos de imigrantes também registrou uma redução significativa de 617.752 em 2016 para 462.422, uma diferença de 155.330 (25% a menos).

Um estudo da Fundação Nacional para a Política Americana estima que as políticas adotadas pela Casa Branca podem levar, no longo prazo, a uma redução de 30% na vinda de imigrantes legais, em comparação com 2016, o que teria um impacto negativo no tamanho da força de trabalho disponível e, consequentemente, no crescimento econômico.

Mesmas leis, novas interpretações?

Um dos elementos mais impressionantes de como o governo Trump conseguiu reduzir a imigração nos Estados Unidos reside no fato de que ele conseguiu fazê-lo sem construir o muro nem alterar as leis de imigração existentes (para isso seria necessária a aprovação do Congresso).


Direito de imagem Getty Images - 'Finish the Wall' (conclua o muro) é um dos slogans usados ​​na campanha pela reeleição de Trump

Então, como ele fez isso?

Basicamente, usando seus poderes presidenciais, mediante a assinatura de decretos, e uma reinterpretação mais rigorosa dos requisitos estabelecidos nas leis para a concessão de benefícios migratórios.

Logo após tomar posse, por exemplo, o presidente assinou uma ordem executiva proibindo a entrada nos Estados Unidos de cidadãos do Iraque, Síria, Irã, Líbia, Somália, Sudão e Iêmen.
O chamado veto migratório foi severamente questionado, classificado como discriminatório, e sua aplicação foi suspensa pelos tribunais.

Diante disso, a Casa Branca optou por aprovar uma segunda ordem modificada — que excluiu o Iraque e eliminou uma proibição indefinida de refugiados sírios —, também criticada e contestada legalmente.

Mas isso não deteve o governo, que acabou emitindo, em setembro de 2017, uma terceira medida que incluía a proibição à entrada de autoridades venezuelanas e suas famílias, além de cidadãos da Coreia do Norte e do Chade.

Com as novas inclusões, o pedido não podia mais ser considerado "antimuçulmanos" e obteve a aprovação dos tribunais.


Direito de imagem Getty Images - A proibição de imigração de Trump causou grandes protestos

Em 21 de fevereiro, uma extensão do chamado "veto à imigração" entrou em vigor para incluir Eritreia, Quirguistão, Mianmar e — muito importante — Nigéria, o país mais populoso da África.

A medida também proíbe os cidadãos do Sudão e da Tanzânia de participarem do programa de vistos de diversidade — conhecido como "loteria" de vistos —, através do qual as autorizações de residência permanente são concedidas a cerca de 50.000 estrangeiros por ano.

Um peso para o Estado?

Segundo os especialistas, uma mudança importante a partir de agora é a medida que prevê a possibilidade de negar residência permanente ou extensão de visto àqueles estrangeiros que as autoridades de imigração consideram que não conseguem se sustentar e, portanto, podem se tornar um fardo econômico para o Estado americano. A nova regra entrou em vigor na segunda (24).

Até a semana passada, apenas os imigrantes que estavam muito perto ou abaixo da linha oficial de pobreza, ou que exigiram assistência financeira sustentada em longo prazo, foram rejeitados, o que ocorreu em menos de 1% dos casos.

A partir de agora, os funcionários de migração levarão em conta não apenas a renda, mas também outros elementos, como idade, saúde e escolaridade do solicitante.

Outro elemento fundamental é que a pessoa não tenha usado benefícios sociais, como subsídios à habitação ou ajuda alimentar, durante 12 dos últimos 36 meses.


Direito de imagem Getty Images - Embora seja legal, aceitar benefícios sociais, como vale-refeição, pode prejudicar os imigrantes que buscam residência permanente nos Estados Unidos

Em agosto passado, quando a regra foi aprovada, o diretor em exercício do Serviço de Cidadania e Imigração dos Estados Unidos, Kenneth T. Cuccinelli II, defendeu a nova regra argumentando que ela servirá para garantir que os imigrantes que chegam ao país sejam autossuficientes e não se tornem um fardo para a sociedade.

"O presidente Trump continua cumprindo sua promessa para o povo americano de aplicar as leis de imigração de nossa nação", escreveu Cuccinelli em um artigo no site The Hill sobre a entrada em vigor da nova regra.

A mudança, no entanto, tem sido fortemente questionada, e muitos argumentam que não é uma simples reinterpretação das normas existentes.

"Nossas leis de imigração estão sendo reescritas de maneira fundamental por meio de ordens executivas", disse ao jornal The New York Times Kamal Essaheb, vice-diretor do Centro Nacional de Direito de Imigração.

Uma análise do Instituto de Políticas Migratórias estima que o novo padrão "terá um efeito profundo na entrada legal nos EUA e no uso de benefícios públicos por milhões de estrangeiros em situação legal e de cidadãos americanos com quem vivem".

Segundo cálculos dessa instituição, a regra controversa pode levar uma parte significativa dos quase 23 milhões de estrangeiros e americanos que fazem parte de famílias imigrantes a decidirem parar de usar seus benefícios públicos.
Imprimir