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13/02/20 às 16:54 | Atualizada: 13/02/20 às 17:56

'Profissão mais antiga' - Fé, casamento e dinheiro são razões para prostitutas deixarem de fazer programas

"Para cada lágrima derramada, um diamante. Quanto mais bate, mais forte você fica. Tudo que sou hoje é baseado na mulher que fui no passado." As palavras são da gaúcha Vanessa de Oliveira, de 44 anos, que por 15 anos foi garota de programa. Hoje ela tem 10 livros publicados sobre conquista e empoderamento feminino e mais de 10 milhões em vendas de produtos online.
 
Se engana quem acha que a história dela é uma exceção. "Minha história é um clichê. Estava grávida com 19 anos, não quis transferir meus problemas para a família e saí de casa para criar minha filha Ísis Gabriela, que tem hoje 25 anos. Eu não tinha pensão, então fui parar na prostituição por questão financeira mesmo. Não tinha estudo e não enxergava outra forma", revelou Vanessa.
 
Os cabelos longos e ruivos de Vanessa lembram a personagem Angélica Silva, a Poderosa, da novela "Amor sem Igual" da Record TV, interpretada por Day Mesquita. O passado da garota de programa ainda é um mistério, mas ela foi rejeitada pelo pai, que era amante da mãe dela e não queria abandonar a família já constituída. Viveu uma infância difícil, foi abusada por um homem e, desde então, não acredita ser digna de amor e respeito.
 
A vida de Vanessa também não foi fácil, mas o que a diferenciava de outras colegas de profissão era a forma como lidava com o dinheiro: "Eu via todos se arrebentarem à minha volta. Não usei o que ganhava com roupas, maquiagem, não destinava meu tempo para namorado. Eu fiz cursos, me tornei sexóloga, fiz faculdade de enfermagem e, mesmo ainda garota de programa, eu já era empreendedora". Com a prostituição, conseguiu dinheiro para comprar a casa, ter carro e adquirir conhecimento.

A empresária relata que parou de contar com quantos homens saiu ao atingir a marca de 5 mil, mas diz que nunca "teve auto culpa por ser um trabalho". Ela define a profissão “como de coragem porque você não sabe quem está atrás da porta". Ela atuou em saunas e boates, mas foram os anúncios em jornais que atraíram mais clientes: "era mais rentável".
 
Vanessa decidiu deixar de ser prostituta em 2015 quando concluiu que os trabalhos com marketing online começaram a dar mais dinheiro do que os programas. Ela garante que toda a vivência foi transformada em aprendizado. Os temas viraram 15 cursos online, livros (o mais novo ´Xeque-mate: a virada da rainha' será lançado em breve em Las Vegas - EUA) e palestras.
 
“Hoje tenho 3.000 alunas online por mês. Quero empoderar essa mulher para ser dona do dinheiro dela, assim ela pode escolher o relacionamento que quer ter. Ela não vai mais olhar o homem como solução para os problemas”, explica Vanessa.
 
A filha sempre foi sua prioridade. “No início, tudo que eu pegava para comprar, eu contava quantos sacos de leite daria, esse era meu parâmetro. Hoje eu não olho mais o preço das coisas”. Já foi casada, traída, está agora namorando e diz não ter medo de homem. “O cara que se aproxima de mim já tá sabendo de tudo. Ele tem que ter culhão porque sabe o tamanho dessa mulher”, brinca. Vanessa de Oliveira tem 24 funcionários na empresa, mora em Balneário Camboriú, em Santa Catarina, e se define como “empreendedora e dona da porra toda”.
 
Passado ficou para trás

Nem todas as ex-garotas de programa lidam muito bem com o passado. Patrícia, de 37 anos, usava o codinome Natasha e afirma que até hoje a maioria da família não sabe dessa fase. “Achavam que eu trabalhava em São Paulo. Eu escondia, só quem sabia na época era quem morava comigo”, conta.
 
Patrícia estava em um relacionamento que não deu certo e conheceu a boate em um anúncio: “Fui por causa de dinheiro. Por ser nova (tinha 20 anos) e ter o corpo bonito, queria dançar”. Ela passou a morar no trabalho. A necessidade de se sustentar a levou a fazer programas. “Já estava lá, tinha fama. Não era absurdo. Minha vida era bagunçada e não tinha a intenção de ter uma vida tradicional”, justifica.
 
Foi garota de programa por 7 anos, costumava sair com até 13 homens em uma só noite. Nesse período, comprou casa, carro, mas também conheceu as drogas. “Quando você vive na noite, não tem muito objetivo. Algumas trabalham para manter o status, colocar silicone, boas roupas. Eu era contra drogas e me viciei em cocaína e álcool. Me envolvi até com traficante”, explica.
 
A mudança aconteceu quando Patrícia engravidou. O plano era voltar para a boate depois que o filho nascesse, mas o pai da criança, que até então era um cliente, assumiu o relacionamento. “A cocaína eu parei por causa da gestação. O álcool foi por causa da minha fé. Tive uma crise, síndrome do pânico e, assistindo TV, vi o testemunho da Igreja Universal. Pedi pro meu esposo e ele me levou”, lembra.
 
Depois que Patrícia se converteu, não voltou mais à boate. Quando o filho, hoje com 11 anos, completou 9 meses de vida, ela começou a trabalhar com o marido. “Eu não tenho vergonha, mas quando a gente se converte, vê as consequências das escolhas que fez quando era rebelde. Criei uma situação e não segui o que meu pai ensinou”, conclui.
 
Após deixar a prostituição, Patrícia já teve um escritório e hoje é proprietária de um restaurante e de uma esmalteria e afirma que nunca mais abandonou a igreja.
 
Das boates ao voluntariado

Ao que tudo indica, a personagem Poderosa da novela deve deixar as ruas e os programas para ficar com o agricultor Miguel, interpretado por Rafael Sardão. Ele já a salvou após ser agredida e a trata com carinho. Na vida real, Joseane Margarida Silva Félix, conhecida por todos como Leninha, largou a profissão depois de 10 anos como prostituta porque se casou com um cliente. “Meu marido trabalhava, daí eu não precisava mais. A gente se ajudava. Comecei a trabalhar como camareira na pousada onde eu costumava fazer programas”, revela.
 
Leninha, hoje com 50 anos, já tinha dois filhos quando começou se prostituir: “Foi por necessidade. Era nova, não tinha marido. Não tenho vergonha, era meu ganha-pão. Mantive minhas duas crianças e tive mais seis. Criei com o dinheiro da prostituição. Eu batalhava. Minha vida era boa, quem não gosta de dinheiro?”, destaca.
 
Os clientes a encontravam num bar ou em uma praça de João Pessoa, na Paraíba. Em nenhum momento se coloca como vítima: “Quem está na zona não é coitadinha. Está lá porque quer ou porque gosta. Nunca escondi da minha família, mas eu dispensava clientes mais próximos de parentes”.
 
Ela lembra que alguns clientes se recusavam a usar camisinha. Uma das filhas, hoje com 27 anos, não sabe quem é o pai. “Eu tenho certeza que sou a mãe”, sorri. Os filhos mais novos, com 15, 16, e 19 anos, são do relacionamento com o marido. “Ele era meu cliente e enfrentou a família para que aceitassem uma mulher de cabaré, cheia de filhos”, ressalta.
 
Há 18 anos, Leninha deixou a prostituição. Há seis, é voluntária na APROS (Associação de Prostitutas da Paraíba), onde oferece a garotas de programa um tipo de apoio e acolhida que não recebeu quando exercia a profissão. “Levo para fazer exames médicos, damos camisinha e gel lubrificante. Na associação, tem palestras educativas e cursos”.
 
Ela acredita que ser prostituta atualmente é mais difícil: “Hoje tem as drogas. Isso é uma febre. Na minha época, não. As mulheres queriam ganhar dinheiro para levar para a família, para casa. Hoje elas são mais novas e têm outros interesses”.
 
Leninha mora em Bayeux, na região metropolitana de João Pessoa. Não tem casa própria, mas se orgulha em dizer que “não precisou pedir nada pra ninguém”. É mãe de oito filhos, seis deles casados, e avó de seis crianças.
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