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30/10/15 às 10:34

Skate por Amor

Daniel Oliveira, 20 anos, caminha todos os dias depois do serviço até a Praça da Cultura em Água Boa, Mato Grosso. Na cabeça usa um boné de aba reta enquanto embaixo dos braços carrega um skate. Algumas pessoas o cumprimentam na rua à medida que ele passa. Outras lhe viram a cara, mas Daniel caminha decidido e sonhador ao seu destino, onde dedicará as próximas horas a grande paixão de sua vida, que é andar de skate.

Ao curto prazo Daniel (na foto) tem como principal objetivo aprimorar suas habilidades para o 2º Festival de Cultura Urbana que ocorrerá em Água Boa no dia 8 de novembro próximo. Na ocasião estarão competindo diante dos olhos de jurados renomados competidores de todo o Mato Grosso e ele não quer fazer feio. Pretende representar bem o município onde vive. A longo prazo Daniel pretende aprimorar ainda mais suas habilidades, tornando-se um competidor profissional. Motivo de orgulho para qualquer pai ou compatriota, não? Mas não para muitos. Os olhares carregados de desconfiança ainda apontam incisivamente em sua direção, revelando uma realidade difícil para todo skatista em Água Boa  : Há uma fama que os precede a onde quer que eles vão. E mesmo Daniel reconhece que ela é em uma pequena parte justificável.

A prática do skate virou sensação no mundo todo. Milhões de praticantes desafiam a gravidade em praças, escadarias e rampas todos os dias. Com Água Boa não foi diferente. Uma legião de amantes da prática se juntam aos fins de tarde em volta dos obstáculos construídos pela prefeitura juntamente com o dono da Kiloko, popularmente conhecido como “Mano”. Sempre um incentivador das práticas positivas da cultura urbana, Mano foi testemunha principal da evolução do skate em Água Boa. Nas pistas que ajudou a construir os jovens se esforçam para ver quem faz a melhor manobra, quem é mais preciso, quem é mais corajoso. Mas infelizmente, nem tudo nesse mundo é livre de pecados. Um lado negro e mais discreto da sociedade tenta se aproveitar da inocência e da pouca idade de vários dos skatistas para tentar traze-los para as drogas e para o crime. A situação piora em bairros mais expostos ao tráfico e onde a ordem não se faz tão presente. Isso tudo é um problema real. O problema está em generalizar a prática a quem anda de skate ao invés de reconhecer que os mal-intencionados existem em qualquer ambiente. Por exemplo, Daniel é evangélico, não usa drogas e é um skatista. E ele não é uma exceção, mas sim o retrato da maioria esmagadora e um exemplo claro de que as suas roupas não definem seu caráter.

Uma mudança de perspectiva é necessária. A fim de afastar as más influências devemos procurar legitimar e fortalecer as boas. Apoiando, incentivando e divulgando as ações de pessoas como Daniel desencadeia-se um processo de mudança de paradigmas e expectativas, da sociedade para com os skatistas, dos skatistas para com a sociedade e deles consigo mesmo. Ao criarmos um vínculo de confiança abriremos um leque de oportunidades para esses jovens. Um exemplo recente em Água Boa é o movimento do hip hop. Marginalizado por anos, os dançarinos de breaking carregavam o estigma de malandros e criminosos. Porém, com os esforços contínuos dos professores voluntários e depois com a realização do primeiro festival de cultura urbana (maio de 2014) começou-se a criar uma nova identidade para o hip hop no município. Breaking deixou de ser “arte de malandro” para se tornar apenas arte e os antes chamados por “malandros” são agora simplesmente dançarinos. Hoje existe até mesmo uma oficina de dança breaking, mantida pela prefeitura, que tem como objetivo ensinar aos água-boenses interessados. É uma vitória do bem.

 A construção dessa nova identidade exigiu e exige dedicação e paciência fundamentando-se largamente no reconhecimento mutuo e no respeito. Espera-se conseguir o mesmo com o skate. Sonha-se com mais situações como a de Daniel e que em sua página do facebook resumiu perfeitamente toda sua experiência. Ele escreveu: Apenas um skatista. Skate por amor
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