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17/09/19 às 21:35 | Atualizada: 17/09/19 às 22:01

Na Amazônia, bacias dos rios Xingu e Araguaia, Brasil: Onde se conjuga produção e preservação com a diversidade de frutas nativas

A região Xingu Araguaia é parte da Amazônia legal, estado de Mato Grosso, divisor de águas entre as bacias dos rios que lhes dão o nome. Está na transição entre a floresta e o cerrado e além destes biomas, tem varjões alagados, com vegetações únicas no mundo como os murundus que ficam qualhados de muricis depois que as águas secam. Tem cerrado baixo, onde ficam os nascedouros das águas e de peixes e tem cerrado alto que vai se misturando com a mata. Essa imensa riqueza se traduz na palavra diversidade e, nisso, o Brasil é o País mais rico do mundo.
 

Elaboração do mapa: ISA – Instituto Socioambiental
 
É nessa diversidade que anualmente em torno de 250 pessoas de assentamentos rurais, urbanos e indígenas do Povo Karajá, trabalham coletando um variado cardápio de frutas nativas na natureza, como também, enriquecendo os quintais onde plantam outras variedades de espécies que entregam para a ANSA –  Associação de Educação e Assistência Social Nossa Senhora da Assunção, quem organiza e passa recolhendo a produção nos assentamentos, beneficia as frutas e mantém a agroindústria “Araguaia Polpa de Frutas”, em São Felix do Araguaia, MT, realizando a mobilização das comunidades no que tange a esta cadeia de valor da sociobiodiversidade. O objetivo é ser uma alternativa de geração de renda que mantenha o cerrado e a floresta em pé.
 
Imagens da riqueza em biodiversidade a ser preservada na região Xingu Araguaia – Fotos: Liebe Lima/AXA e Giovanny Vera/OPAN
 
Sociobiodiversidade é uma palavra que se escreve junto: pessoas e diversidade, significando o papel das pessoas na preservação dos ecossistemas, estabelecendo uma relação de reciprocidade entre homem e natureza, em que ambos coexistem na reprodução da vida.  Já as “cadeias de valor da sociobiodiversidade” são atividades de produção realizadas a partir do manejo, extração e beneficiamento de produtos da natureza, respeitando seus ciclos e capacidade de se reabastecerem e continuarem existindo, produzindo e gerando renda. Em essência, são práticas que se colocam como alternativas aos modelos de produção extensivos que, para existir, extinguem a diversidade com a derrubada de grandes áreas de floresta e cerrado, somado ao uso abusivo de agrotóxicos que contamina a terra e a água.
 
Comparativo de paisagens de plantio de casadão e plantio extensivo de monocultura – Fotos: Giovanny Vera/ OPAN
 
O casadão

Os plantios de sistemas agroflorestais que consorciam espécies frutíferas e florestais é parte de sustentação importante na cadeia das frutas. Na região Xingu Araguaia esses plantios são chamados de “casadão” e foram implantados inicialmente com o apoio da Comissão Pastoral da Terra – CPT, em várias parcelas de moradores do Assentamento Dom Pedro que aderiram a ideia de quebrar o paradigma de derrubar para produzir e passaram a plantar para produzir. Foram pequenos projetos que ofertaram mudas de espécies frutíferas, telas para cercar e proteger nascentes e as mais variadas espécies de sementes para compor o sistema.
 

Imagens dos viveiros para produção de mudas e ervas medicinais mantidos pela ANSA em São Félix do Araguaia, MT Fotos: Giovanny Vera/OPAN, Taiana Ciscotto.
 
O viveiro é parte dessa engrenagem de onde saem muitas das mudas que vão ser usadas nos plantios de casadão e também é o destino que recebe as sementes e demais materiais orgânicos descartados no processo de produção da fábrica de polpas. Tudo se aproveita, o lixo orgânico vai para a compostagem e as sementes se transformam anualmente nas mais de 6000 mudas de 20 espécies diferentes que retornam para a terra de onde vieram. Assim os ciclos de plantios, frutificação, coleta e beneficiamento das frutas vão se nutrindo pelas muitas mãos de agricultores, indígenas e colaboradores da ANSA que se dedicam a fazê-los prosperar.
 

Imagem das polpas de frutas prontas para a comercialização – Foto: Genésio/ANSA
 
Mais um elo na cadeia das frutas

Genésio Alves começou o trabalho com as frutas junto com a iniciativa que deu origem à fábrica de polpas. Já se passaram quase 20 anos e ele conta que “gosta muito é de estar no meio dos agricultores, cada dia tem um aprendizado novo, uma história interessante”. Desde o ano 2000 que a ANSA começa a estruturar a fábrica com o objetivo de criar mais um elo da cadeia, comprando a produção das famílias que aderiram aos plantios de casadão e também daquelas que coletam na natureza, produzindo e comercializando as polpas de frutas e outros produtos, a exemplo dos picolés com sabores do cerrado.
 

Dona Doca do PA Dom Pedro mostrando seu estoque de frutas para entregar à ANSA – Foto: Liebe Lima/AXA
 
Setembro já é época da safra de caju e as distâncias percorridas para recolher as frutas nas mãos dos produtores chegam até a 170 Quilômetros em estradas com pouca manutenção que dão acesso aos assentamentos e municípios próximos a São Félix do Araguaia. Cada viagem traz até 400 Kg de uma coleta que chega a 15 mil kg ao ano só de caju. O período de estio é a época de maior produção de frutas na região, logo as cagaitas, mangabas, pequi, buriti, manga e murici carregam e é um intenso trabalho para beneficiar em tempo uma matéria prima bastante perecível e delicada.

Para Maria Aparecida que cuida do beneficiamento das frutas na linha de produção, a fortaleza está em ser baseado no trabalho da Agricultura Familiar, em motivar as pessoas a plantarem cada vez mais, possibilitando a oferta de um alimento natural e produzido com as frutas boas da região. Quando se chega ao produto final, muitas conversas e encontros foram feitos para difundir uma cultura de valorização das atividades produtivas que sejam mais amigáveis à natureza, ampliando na população a consciência sobre a importância da preservação de recursos hídricos e florestais.
 

Colaboradora Maria Aparecida beneficiando o abacaxi – Foto: Genésio/ANSA
 
As cadeias do leite e da mandioca continuam sendo os carros chefes na geração de renda nos assentamentos onde a ANSA desenvolve suas atividades na região, no entanto, os plantios e manejo do casadão vem crescendo e produzindo tanto as frutas como sementes florestais que são coletadas e entregues para a ARSX – Associação Rede de Sementes do Xingu, sendo, portanto, uma fonte de diversificação de alimentos bons na mesa que promove a segurança alimentar para as famílias. Estas cadeias de produção alternativas e os excedentes é que incrementam a renda através da venda direta dos produtos da Agricultura Familiar nas feiras livres do entorno.

Fábrica estruturada: Seus resultados e desafios

Até dezembro de 2017 foram 344,5 hectares de áreas restauradas com base na técnica de plantio do casadão em 197 áreas diferentes de assentamentos rurais e uma renda de mais de R$500.000,00 que chegaram para camponeses e indígenas como pagamento de 670 toneladas de frutas desde o ano de 2003 até 2018. A fábrica de Polpa de frutas é uma instalação de 300 M² de área construída, totalmente equipada e operando com o credenciamento do Ministério da Agricultura, tendo a diante os desafios que as distâncias e a má qualidade das estradas impõem à expansão da comercialização.
 

Fachada da Fábrica “Araguaia Polpas de Frutas” em São Félix do Araguaia – Foto: Acervo ANSA
 
No contexto geral, observamos os plantios extensivos de monocultura adentrando a região, e avançando sobre áreas de assentamentos, que em algumas regiões, segundo dados da SEAF – Secretaria de Agricultura Familiar do Estado de Mato Grosso, registra a presença de mais 10.000 hectares de plantios de soja/algodão em áreas de parcelas arrendadas da Reforma Agrária até o ano de 2015. Em contraste, nas regiões de assentamentos mais próximos à São Félix do Araguaia onde a ANSA atua, esse número não excede 630 Hectares, onde ainda prevalece as atividades de pecuária e os moradores vem resistindo à realidade de envelhecimento da população do campo e o êxodo dos jovens que vão para longe buscar oportunidades de trabalho e estudo.

Avançamos na medida em que somos juntos

Na balança de pesos e medidas do que se fez até aqui trabalhando com as pessoas e comunidades, muito do que conquistamos está no espaço simbólico do que se planta e colhe para além do chão, mas principalmente, na caminhada que se caminha junto, semeando relações no campo da solidariedade para consolidar grupos que se vejam unidos para os enfrentamentos cotidianos que são os mesmos para quem vive e deseja continuar vivendo da terra, seja ela aqui ou aculá, seja indígena, camponês ou quilombola. Pois na linha da história, ambos estão entre os que foram oprimidos pela estrutura social que oferece muito a poucos e muito pouco para muitos.

No Brasil somos uma sociedade com distribuição de renda entre os mais desiguais do mundo, a sociedade onde 5% da população detém a mesma riqueza que os outros 95% restantes.

Então…É preciso seguir juntos!

Produzindo e consumindo frutas e comidas boas da Agricultura Familiar, valorizando os produtos regionais e cadeias produtivas que mantém a floresta em pé podemos ajudar a construir um mundo melhor.

Cada um de nós podemos dar nossa contribuição!
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