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31/03/19 às 10:01

Mudanças nas ferrovias - Rumo pode beneficiar agronegócio de Goiás ao assumir trechos da Ferrovia Norte-Sul

Empresas interessadas em utilizar os trilhos da malha ferroviária Norte-Sul se programam para conversar com o Governo Federal e a vencedora da licitação de dois trechos ainda nesta semana. Com a vitória da Rumo Logística, de São Paulo, no leilão de quinta-feira, 28, 1.537 quilômetros de ferrovia deverão ser operadas por usuários de transporte de carga no Brasil inteiro.

O trecho arrematado pela empresa paulista reaquece o coração do País e Goiás pode ser beneficiado no escoamento de cargas agroindustriais. Dois trechos ligam Porto Nacional (TO) a Anápolis (GO) e Ouro Verde (GO) a Estrela d´Oeste (SP), que transportam milhares de toneladas de produtos.

Para o presidente do Conselho Temático de Infraestrutura (Coinfra) da Federação das Indústrias de Goiás (FIEG), Célio Eustáquio de Moura, a concessão da rodovia estimula os empresários goianos a se industrializarem ao ponto de utilizar a ferrovia Norte-Sul com produtos mais competitivos no mercado nacional e internacional.

A principal conquista para o setor industrial de Goiás com o término da ferrovia é chegar ao Porto de Itaqui, no litoral maranhense, uma porta de saída de diversas commodities brasileiras via transporte aquático.

Vários setores terão um meio de transporte seguro e mais barato para desafogar produtos industrializados, como farelo de soja, óleo de soja, grãos em geral, mineração e as produções agrícolas, outro ponto forte no Estado.

Cerca de cinco mil caminhões saem diariamente de Rio Verde (GO) com destino ao Porto de Itaqui (MA) com milhares de toneladas de produtos agrícolas. “Temos mesmo de ter uma ferrovia para dar vazão a isso”, diz o deputado federal Elias Vaz (PSB), que participa dos debates sobre o futuro desempenho da ferrovia desde o início do processo licitatório.

No entanto, o parlamentar reage quanto ao modelo vertical estabelecido para a operação da ferrovia.  “Esse modelo chamado de verticalização, quem compra, leva tudo: compra vagão, trem, opera tudo. Esse modelo está sendo questionado, pois a ferrovia fica sob monopólio. Uma coisa é a gestão, outra é fazer uma concessão em que quem ganhou vai operar sozinha”, critica o congressista.
 
Célio Eustáquio, da Fieg, diz que a concessão tem que trazer economia ao transporte | Foto: Divulgação
 
Direito de passagem
 
O deputado estudou o processo licitatório e afirma que “o direito de passagem não está bem definido. Uma empresa russa desistiu de participar porque ela não tem segurança de que vai chegar aos portos. Isso é muito grave. Podemos ter um grande problema”.

O modelo horizontal utilizado nas concessões alemãs poderia ter sido adotado pelo Governo Federal neste leilão, segundo Vaz.

O governo alemão utiliza um formato parecido com a concessão de uma rodovia, onde se cobra um valor de pedágio e quem quiser passar pela rodovia, passa. “O resultado é que 483 empresas utilizam o sistema ferroviário alemão”, informa o parlamentar goiano.

O resultado desse modelo vertical usado no Brasil, nos últimos anos, foi uma total inviabilização da utilização desse sistema, segundo o deputado. “Nos Estados Unidos, por exemplo, a utilização do sistema ferroviário é 40% mais barato que o rodoviário. No Brasil, a diferença é de 3%, mais ou menos. Então fica inviável”.

Quanto ao formato em que a concessão foi realizada, o diretor da Fieg, Célio Eustáquio, diz que “está otimista”. “Nós precisamos que esses trechos sejam operacionalizados com fluidez e economicidade ao transporte. A gente até gostaria que tivessem mais players nessa competição, mas a ANTT e o Ministério dos Transportes estão criando um órgão para fiscalizar o direito de passagem na malha ferroviária, o que já deixa o setor industrial um pouco mais calmo”, ameniza Eustáquio.

 
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O presidente da Associação Nacional de Usuários de Transportes de Cargas (Anut), Luiz Henrique Baldez, engrossa o discurso de Elias Vaz sobre o formato da concessão.

Segundo Baldez, a administração da Rumo deverá ser menos pior do que a segunda participante no leilão, a mineradora Vale, por ter uma carteira de transporte de produtos mais diversificada, e que também agradou ao mercado interessado na ferrovia.

O executivo quer discutir com os agentes envolvidos no processo de licitação outras brechas deixadas pelo edital, como quem vai ter direito a usar a ferrovia, quais condições terão os operadores independentes e a capacidade de disponibilidade que os terceiros poderão operar dentro dos trilhos.

“Nossa luta é para a nova operadora ser obrigada a deixar passar trens de outras empresas, apenas isso. Criar uma competição no mercado, como um caminhão qualquer que pode transportar seu produto”, pede o presidente da Anut.
 
Luiz Baldez, presidente da Anut, espera negociar em breve com o Governo Federal para estabelecer condições de uso para terceiros, além da Rumo | Foto: Divulgação
 
Baldez diz que o Governo Federal assinou um acordo com o Ministério Público se comprometendo a resolver esses questionamentos a fim de evitar um monopólio nas ferrovias e que se continuem cobrando valores altos dos usuários.

“Atualmente se cobra de 5% a 10% a menos do custo do transporte rodoviário para usar os trilhos, enquanto o usual é 40% a menos. Mas com a concessão para a Rumo avaliamos que o cenário seja um pouco melhor sob esse aspecto de diversidade de carga”, analisa Baldez.

Rumo e Vale precisam se conectar para não inutilizar trechos em uso

Algumas operações de outras ferrovias da malha da Vale podem se tornar inúteis sem a criação de ramais e interligações com a nova parte concedida à Rumo. Luiz Henrique Baldez exemplifica com o trecho que liga Campinorte, em Goiás, a Água Boa, em Mato Grosso. “Se esse trecho não passar pela Norte Sul, vai ficar inócuo operacionalmente”.

O trecho da Ferrovia de Integração Oeste Leste, que vem do Porto de Ilhéus, litoral baiano, e vai até Figueirópolis, no Tocantins, também será inutilizado caso não passe pelo trecho da Vale na Norte Sul, segundo Baldez.

Se a Vale utilizar a malha ferroviária que já tem concessão para transportar apenas seus produtos, como minério de ferro – onde domina a produção nacional e é a segunda maior exportadora do mundo – os demais trechos concedidos à Rumo e os que já estão na mão da própria Vale ficarão inutilizados. O que também não faria sentido para outros investidores construírem uma nova ferrovia em paralelo a Norte-Sul, como explica Baldez.

“Quando essa ferrovia foi idealizada era para sair de Barcarena até o Rio Grande do Sul. A Vale tem um trecho de Paraupebas, no Pará, até São Luiz no Maranhão. São 980 quilômetros que levam o minério de ferro para exportação até a Ponta da Madeira, no Maranhão. E o trecho de Açailândia até Palmas é operada pela VLI, que é da Vale”, explica Luiz Baldez.

Com este raciocínio, o executivo esclarece porque os trechos concedidos à Rumo precisam ser conectados aos que já estão sob concessão da Vale, para ter fluidez de transporte no país.

Minério de ferro

A Vale utiliza as ferrovias brasileiras para transportar minério de ferro, que corresponde a 80% de todas as cargas transportadas nas ferrovias do país. O agronegócio tem 15% de espaço e 5% são produtos gerais.

Os empresários representados pela Anut, como os gigantes Votorantim, Usiminas, Gerdau e ArcelorMittal sugerem ainda que comprariam os próprios trens e vagões para circular nos trilhos da Rumo e da Vale.

Atualmente, os associados da Anut operam suas cargas pelo trecho de Vitória (ES) até Minas Gerais, em sua grande maioria – outra malha ferroviária na lista da Vale.

“Procuramos uma alternativa e não achamos. Todo o setor siderúrgico precisa de minério e carvão movimentados nos portos da Vale, que consequentemente deixa a siderurgia nacional dependente dos trechos concedidos à eles”, afirma Baldez.

Deputado catarinense questiona venda por valor abaixo do avaliado

Uma das primeiras séries de privatizações do Governo Federal pode se tornar um escândalo de corrupção da equipe econômica do presidente Jair Bolsonaro (PSL), segundo discurso do deputado federal de oposição Pedro Uczai (PT-SC).

O parlamentar constituiu diversos argumentos para fundamentar sua fala, entre eles, o valor da operação financeira abaixo do avaliado pela Valec S/A e a falta de atualização do preço pelo Índice Geral de Preço Médio (IGPM).

A Valec S/A, empresa pública que administra a ferrovia, avaliou o trecho concedido por R$ 3,8 bilhões e se o valor fosse reajustado pelo IGPM chegaria aos R$ 6 bilhões em valor de mercado. A construção de alguns trechos já consumiu R$ 16 bilhões desde seu lançamento, em 1987, pelo ex-presidente da República, José Sarney.

A quantidade de quilômetros licitados também foi citada pelo deputado catarinense; em 2007 o governo federal vendeu 720 km por R$ 2,8 bilhões e agora entregou 1.537 km por R$ 2,7 bilhões.

Uczai acompanha as obras e desenvolvimento das ferrovias brasileiras há 20 anos e considerou as condições do edital como um “presentão” do Governo Federal.
 
O deputado catarinense Pedro Uczai (PT) questiona por que o governo entregou mais quilômetros de ferrovia por um preço abaixo do último leilão, em 2007 | Foto: Divulgação/PT
 
“Na época de uma antiga licitação, de 2007, foram pagos 50%  da entrada à vista e o restante em quatro anos. Agora o governo pediu 5% de entrada e mais oito anos para pagar”, questiona o parlamentar.

Irregularidades

A fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU) em cima do edital proposto pelo Ministério da Infraestrutura identificou irregularidades nos estudos de viabilidade técnica, econômico-financeira e ambiental da obra e sugeriu ajustes no texto original do edital.

Um dos ajustes é relacionado às obras inacabadas no trecho entre Ouro Verde de Goiás (GO) e Estrela d’Oeste (SP), atualmente a cargo da Valec S/A. O relatório do TCU determinou que a empresa terminasse as obras.

O Governo Federal queria entregar as obras para o vencedor da licitação concluir, mas como a Valec já tem contratos em andamento com empresas atuando na ferrovia, o TCU refutou a proposta para não gerar insegurança jurídica. O Ministério Público também questionou o edital em uma ação movida no TCU.

Mais leilões

O presidente Jair Bolsonaro escreveu em sua conta do Twitter, em 4 de março, que “a ferrovia Norte-Sul foi projetada para se tornar a espinha dorsal do transporte ferroviário do Brasil, integrando o território nacional e contribuindo para a redução do custo logístico do transporte de carga no país”.

Bolsonaro acrescentou à publicação que espera 23 leilões no decorrer do mandato, entre terminais portuários, aeroportos e ferrovias. “A estimativa é que, ao final da concessão, o trecho ferroviário em questão possa capturar uma demanda equivalente a 22,73 milhões de toneladas. Ao todo, estão previstos 23 leilões, incluindo terminais portuários, aeroportos e ferrovias”, continuou o presidente.
 
Deputado federal Elias Vaz sugere um modelo alemão que o Governo Federal poderia usar para dar espaço a mais usuários | Foto: Fernando Leite/Jornal Opção
 
Trecho Palmas-Anápolis carrega 20 locomotivas

A estrada ferroviária que liga Palmas (TO) a Anápolis (GO) tem 855 quilômetros e foi concluída em 2014. Esta etapa compreende atualmente R$ 5 bilhões, o que equivale a um custo aproximado de R$5,96 milhões por quilômetro de ferrovia construída, segundo dados de setembro do ano passado, divulgado pela Valec S/A.

De 2014 a junho de 2018, o trecho transportou 20 locomotivas, 26 mil toneladas de farelo de soja, 13 mil toneladas de madeira triturada, oito mil toneladas de minério de manganês, aproximadamente 7.300 toneladas de barras de trilhos de 240 metros e carregou 262 vagões pelos trilhos.
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