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07/10/15 às 09:32

Fazendeiro vira réu por suspeita de racismo contra índios na região Araguaia-Xingu

A Justiça Federal em Mato Grosso aceitou, no fim de agosto, uma denúncia do Ministério Público Federal (MPF) de crime de racismo supostamente praticado contra índios na região do Araguaia-Xingu. O presidente da associação dos fazendeiros da região, Carlos Alberto de Oliveira Guimarães, virou réu por ter afirmado em entrevista: “Nunca vi índio plantar nada, nunca vi índio produzir nada, índio vive praticamente é de cesta básica, de Bolsa Família e de algum recurso mais de pedágio que eles cobram de nós aí.”

A fala do produtor rural, que gerou uma denúncia e a aceitação da acusação na primeira instância da Justiça, lembra afirmações de parlamentares contra populações indígenas. Até agora, esses políticos com foro privilegiado se livraram de investigação e punição.

A Associação dos Fazendeiros do Araguaia-Xingu planejava acionar a Fundação Nacional do Índio (Funai) na Justiça, para impedir a continuidade da delimitação de terra indígena em Santa Cruz do Xingu (MT), Vila Rica (MT) e São Félix do Xingu (PA). Numa entrevista a um veículo de comunicação local, em maio deste ano, o presidente da associação fez críticas aos índios do Parque Nacional do Xingu.

“O parque deve ter uns cinco mil e poucos índios, numa área maior que o estado de Sergipe. Eu acho que expandir esse parque aí é chover no molhado”, afirmou, proferindo em seguida as frases consideradas pelo MPF como preconceito de etnia. Guimarães disse ainda que “nessa região nunca viveu índio, não tem índio, não tem uma aldeia indígena nessa região”.

O procurador da República Wilson Rocha Assis citou na denúncia contra o fazendeiro que o crime de racismo é inafiançável e imprescritível, como consta na Constituição. “O combate ao racismo é pressuposto para a efetivação da plena cidadania”, disse.

“Em relação aos povos indígenas e aos afro-descendentes, a exploração física destes grupos ao longo da História do Brasil foi legitimada por representações simbólicas que lhes outorgavam um status de inferioridade. A liberdade de expressão não pode servir à reprodução de preconceitos ou discursos de ódio contra minorias étnicas”, completou o procurador na denúncia. O crime citado está previsto na lei que define crimes de preconceito de raça ou de cor.

A pena de prisão é de um a três anos por “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. O procurador pediu o agravamento da pena, para dois a cinco anos de prisão, pelo fato de o suposto crime do presidente da associação de fazendeiros ter sido cometido por meio de veículo de comunicação social.

A Justiça Federal em Mato Grosso levou menos de um mês para aceitar a denúncia. Esse tipo de acusação não é muito comum na Justiça brasileira, apesar de já terem existido ações nesse mesmo sentido.

O conflito entre fazendeiros e índios na região do Araguaia-Xingu envolve a terra indígena Kapotnhinore. Um estudo está em curso para demarcação da terra. A Justiça determinou a realização de um levantamento das ocupações não-indígenas na região. O presidente da Associação dos Fazendeiros do Araguaia-Xingu considera defender o que é “justo” e que “terra indígena é justo onde precisa de terra indígena”.

Ataques, agressões e ofensas aos indígenas compõem o comportamento e glossário dos parlamentares contrários às causas desses povos, em especial os deputados que estão à frente da bancada ruralista. Essa ofensiva contra os índios no Congresso Nacional ganhou força nos últimos anos e chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), mas uma ação acabou arquivada.
É o caso de dois dos líderes ruralistas: Luiz Carlos Heinze (PP-RS) e Alceu Moreira (PMDB-RS). Além de ataques e críticas nas reuniões na Câmara, em 2013 eles apareceram em vídeos, em reuniões no estado, ofendendo não só índios, mas quilombolas e homossexuais.

Heinze disse que esses “são tudo que não presta”. Moreira condenou as invasões de terra e atacou: “Nós, os parlamentares, não vamos incitar a guerra. Mas nos digam. Se fardem de guerreiros e não deixem um vigarista desses dar um passo na sua propriedade… Reúnam verdadeiras multidões e expulsem do jeito que for necessário”.

O caso foi parar no STF, a partir de uma ação movida por organizações sociais, mas acabou arquivado. Heinze é reincidente nos ataques. Na Comissão da Agricultura, ao criticar o então ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, disse que no seu ministérios “estão aninhados quilombolas, índios, gays, lésbicas, tudo que não presta, ali está alinhado. E eles tem a direção, que tem o comando do governo”.

O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) é outro parlamentar acostumado a criticar o número de terras indígenas e o que entende ser o modo de vida desses povos. Em 2014, num ato em Mato Grosso do Sul, disse: “Índio não fala nossa língua, não tem dinheiro, é um pobre coitado, tem que ser integrado à sociedade, não criado em zoológicos milionários.”

Em julho deste ano, numa audiência pública, o deputado estadual Fernando Furtado (PCdoB-MA) chamou índios Awá-Guajá de um “bando de viadinho”. O caso veio a público na semana passada. “Como é que índio consegue ser viado, ser baitola e não consegue produzir?”, disse o parlamentar na audiência. Diante da repercussão do episódio, o deputado pediu “sinceras desculpas”.
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