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20/03/17 às 09:20

De Pedreiro a Advogado: 'vi colegas de obra sendo presos por serem negros e pobres'

O pedreiro Ronaldo Mendonça agora também advogado, diz que pretende tornar-se defensor público

Érica Oliveira, Mídia News

Edição para o AguaBoaNews, Clodoeste Kassu

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De Pedreiro a Advogado: 'vi colegas de obra sendo presos por serem negros e pobres'

O pedreiro e agora também advogado, Ronaldo Mendonça: próximo passo é me tornar defensor público

Foto: Marcus Mesquita/MidiaNews

Muitas dificuldades precisaram ser atravessadas para que o pedreiro Ronaldo Adriano Mendonça, que mora em Cuiabá, realizasse seu sonho de se formar em uma faculdade.
 
Aos 34 anos, recém-formado no curso de Direito, ele afirma que mesmo depois de todos os desafios sua batalha apenas começou.
 
O próximo passo, segundo ele, é tornar-se defensor público e combater as injustiças com as quais teve que conviver durante toda a vida.
 
“No meu trabalho de pedreiro eu tive contato com muitas injustiças. Vi colegas de obra sendo presos injustamente, confundidos com bandidos por serem negros e pobres. A sociedade taxa o criminoso pela cara”, afirmou.
 
"Muita gente só precisa de uma chance, de uma oportunidade na vida"
 
“Desde então eu coloquei na cabeça que queria ser defensor público, porque muita gente só precisa de uma chance, de uma oportunidade na vida. Já vi pessoas eficientes perdendo vaga de emprego porque tinham passagem na polícia mesmo sem ter cometido crime”, completou.
 
Nascido em Tangará da Serra (242 km de Cuiabá), Ronaldo mudou-se para a Capital ainda jovem com o objetivo de fazer uma faculdade.
 
Filho de costureira e de agricultor, o rapaz teve que deixar os livros de lado por alguns anos para garantir seu sustento e ajudar a família.
 
“Fiquei uns quatro anos longe da faculdade. Até comecei um curso técnico de informática, mas não me adaptei, até por causa do trabalho. Depois tentei engenharia em 2010, mas não era o que eu queria e o curso era pago, então ficou complicado porque na época eu ajudava a minha mãe financeiramente”, contou em entrevista ao MidiaNews.
 
Da obra para a faculdade
 
Marcus Mesquita/MidiaNews

Ronaldo fazia trabalhos para os colegas de faculdade; era o jeito que encontrava para se preparar para o exame da Ordem

 
Ronaldo conta que nem as limitações ou o preconceito que enfrentava por ser de origem humilde foram capazes de lhe desanimar.
 
Conviveu com todo tipo de gente na faculdade, que era particular – Ronaldo se formou com bolsa do Programa Universidade para Todos (Prouni), do Governo Federal – e, em um dado momento do curso, precisava sair da obra direto para a sala de aula.
 
“Eu saía do trabalho direto para a faculdade, fiz isso por quase 1 ano. Alguns colegas me viam trabalhando, debaixo de sol, com uma camiseta amarrada na cabeça e, quando me encontrava à noite na faculdade viravam a cara para mim nos corredores. Mas essas atitudes só me deram mais força para estudar, eu nunca levei a sério, nunca tive vergonha do meu trabalho”, disse.
 
A partir do 4º semestre do curso, segundo ele, passou a fazer trabalhos para os colegas de turma. Deste modo, ele estudava e se preparava para o exame da ordem, pois não tinha dinheiro e nem tempo para um cursinho preparatório.
 
“Eu não tinha condições de pagar cursinho e sempre trabalhei em obra, então eu me virava do jeito que dava. Do pessoal da minha sala, só eu passei na OAB”, revela orgulhoso.
 
E se engana quem pensa que em algum momento Ronaldo se fez de vítima das circunstâncias ou se irritou com seu destino e com as dificuldades que teve de enfrentar.
 
Para ele, a experiência de vida e as pedras que teve de retirar de seu caminho serviram de mola propulsora para chegar onde chegou.
 
“Muita gente faz o curso por pressão da família, ou só porque tem que fazer alguma coisa. Eu acho que se tivesse me formado aos 24 anos, sem a experiência de vida que tenho hoje, talvez não desse tanto valor como dei agora”, afirmou.
 
Exemplo bom vem de casa
 
Histórias de superação como a de Ronaldo ocorrem frequentemente e estão mais perto de nós do que imaginamos. No caso dele, o exemplo estava dentro de casa.
Sua mãe, costureira profissional, esperou chegar nos 47 anos de vida para ter condições de retornar à sala de aula.
 
“A minha mãe também lutou muito. Recentemente ela se formou em Serviço Social, pegava vários ônibus para sair de Várzea Grande e vir estudar em Cuiabá, se formou com muito custo”.
 
"Não pretendo parar por aqui. Apesar das dificuldades, eu sigo firme"
 
A exemplo de sua mãe e de tantos outros brasileiros, Ronaldo espera que sua história também sirva de inspiração. Mais do que isso, que seu trabalho possa de fato ajudar outras pessoas.
 
Ele agora se prepara para iniciar mais uma etapa: acaba de ser aprovado para um curso de pós-graduação na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
 
“Depender do sistema público é muito complicado. Tenho um filho de 11 anos e eu fico pegando no pé dele para que estude. Não posso pagar um curso de inglês, mas falo para ele estudar pela internet. Não pretendo parar por aqui. Apesar das dificuldades, eu sigo firme”.

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