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16/07/16 às 14:33 / Atualizada: 16/07/16 às 15:08

O Apóstolo da floresta

André Borges e Leonencio Nossa - Estadão

Edição para Agua Boa News, Michel Franck

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O Apóstolo da floresta

Foto: Servicios Koinonia / Divulgação

Ele chama a doença degenerativa que o atingiu de “amigo” Parkinson. Aos 88 anos, d. Pedro Casaldáliga nunca esteve tão lúcido e ameaçado na defesa de índios e agricultores pobres na região de São Félix do Araguaia, prelazia no nordeste de Mato Grosso que comandou de 1970 a 2005. O Araguaia, um dos rios mais piscosos da Amazônia, que passa a menos de dois quilômetros da casa de tijolinhos e telha onde o religioso mora, ainda não entrou nos relatórios de construção de hidrelétricas. Os governos temem a força internacional desse catalão, uma das poucas figuras de resistência à ditadura militar que conseguiram manter a imagem intocada diante do turbilhão de mudanças e troca de papéis na vida política e social brasileira no período democrático.

Em abril do ano passado, a Igreja Católica transferiu a sede da prelazia para Porto Alegre do Norte, município localizado a 220 quilômetros de São Félix do Araguaia, para escapar da presença sempre crítica e contestadora de d. Pedro. O Vaticano nunca suportou a decisão do religioso de trocar o tradicional chapéu sacerdotal dos bispos, chamado de mitra, por outro bem mais simples, de palha, tampouco a substituição do anel episcopal de ouro por um feito de coco de tucum, presente do sindicalista Raimundo Ferreira Pinto, o Gringo, executado em 1980. Durante o regime militar, Pedro foi ameaçado de expulsão, acusado de dar apoio aos guerrilheiros do Araguaia, que atuavam a cerca de 800 quilômetros de São Félix.

Em 1976, ele viu o padre João Bosco Burnier morrer em seus braços após os dois pedirem que policiais não torturassem duas mulheres levadas a um presídio em Ribeirão Cascalheira. Revoltado, o povo invadiu a cadeia e destruiu o prédio. Uma pequena capela foi erguida no local. Em 2012, a Polícia Federal o retirou da cidade após ameaças de invasores da Reserva Marãivatsédé, dos índios xavantes, na divisa de São Félix com o município de Alto Boa Vista.

“O momento nunca foi tão difícil para os índios, mas também nunca houve tanta consciência sobre a realidade em que vivem”, afirma d. Pedro, com voz pausada e quase inaudível, em conversa de uma hora e meia com o Estado.

Numa campanha em rádios e emissoras de TV de Mato Grosso, os invasores chegaram a usar contra d. Pedro a imagem de um pequeno Cristo de concreto, erguido em Estrela do Araguaia, uma vila criada dentro da terra indígena por grileiros, no entroncamento das BRs 158 e 242. A campanha dizia que o “demônio” queria derrotar o redentor. Na desocupação da área, a Polícia Federal só poupou a estátua.

Um mapa político do Brasil foi fixado na parede do quarto de d. Pedro. Há muito, ele deixou de percorrer os sertões araguaianos e viajar a outros Estados para denunciar violações de direitos humanos na Amazônia. Mas sua figura é hoje, além de símbolo de resistência, a principal barreira contra o avanço da pecuária, da soja e da indústria ilegal da madeira ao longo da margem esquerda do Araguaia, o rio que separa Mato Grosso de Goiás e Tocantins.

Passados 48 anos de luta em defesa dos povos da Amazônia, Casaldáliga mantém uma avaliação crítica sobre os desmandos que ainda tomam conta da região. “A prelazia introduziu o livre diálogo com os trabalhadores rurais, mas eles continuam a ser vítimas do agronegócio”, afirma. “Os governos mudaram, mas a cobiça é a mesma.” As injustiças históricas com as quais convive desde que desembarcou nas margens do Araguaia, em 1968, não abalaram seu desejo de transformar a região. “É preciso unir as forças, resistir. É preciso se organizar e alimentar a esperança. Meu sonho é ver homens e mulheres vivendo em comunidades, com respeito a seus direitos sociais. É meu sonho.”

Frases

Religioso diz que Brasil o ensinou a resistir
"As autoridades mudaram muito, mas, sem dúvida, há uma consciência maior e vários grupos que reivindicam, persistem e se fazem sentir com nosso povo”

"A cobiça é a mesma. Esquecemos que as várias autoridades têm alcance para atingir a todos na região. E não mudou muito o esquema. Por isso os problemas continuam iguais”

"Não é possível que continue assim indefinidamente. Não é possível. Pelo bem da humanidade, tem que seguir e reivindicar. É pelo bem da humanidade”

"Eu sonho que haja consciência para eles e que uma reforma agrária popular aconteça. Sonho ver comunidades... comunidades”

 
"Todos nós que podemos ter uma consciência mais ou menos justa devemos insistir, explicitamente. Vocês estão fazendo isso aí, é um passo importante”

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