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16/07/16 às 14:25

BR-242 Mato Grosso - A luta dos caboclos retireiros que criam gado no Araguaia

André Borges e Leonencio Nossa - Estadão

Edição para Agua Boa News, Michel Franck

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Nas cheias, as terras do distrito de Mato Verdinho, no município mato-grossense de Luciara, na beira do Araguaia, são fertilizadas por sedimentos trazidos pelo rio. Quando é época do baixio, surge o tapete verde. É uma região de pasto nativo, onde uma centena de famílias de caboclos, os chamados retireiros, vive há um século da criação coletiva de gado. No final dos anos 1990, pecuaristas e grileiros do Sul do País começaram a chegar à região para ocupar as terras férteis que pertencem legalmente à União. Eles fecharam acessos a lagoas e praias, alterando a vida da comunidade.

Por pressão de entidades sociais e sindicatos de trabalhadores, o governo decidiu criar, em 2013, uma reserva de desenvolvimento sustentável com o propósito de preservar o modo de vida dos retireiros e a área utilizada pelas famílias. A reação foi imediata. Os invasores começaram a insuflar parte da população contra a criação da reserva, dizendo que as pessoas perderiam suas casas, seus pastos naturais, seus direitos básicos e seriam expulsas da área. Uma série de protestos e ameaças, principalmente contra lideranças religiosas, tomou conta da cidade. Na rua principal de Luciara, os grileiros penduraram uma faixa: “A prelazia de São Félix do Araguaia é o câncer dos trabalhadores rurais”. O plano era jogar a população contra a entidade que vinha combatendo a presença de grileiros e fazendeiros na região.

Em setembro de 2013, a situação perdeu o controle e o terror tomou conta de Luciara. A estrada que leva ao município de cerca de 2 mil moradores foi fechada com barreiras e caminhões e o acesso ao aeroporto, travado por tratores. As margens dos rios foram bloqueadas. Na cidade, as casas do líder de retireiros Rubem Salles e do vereador indígena Jossiney Evangelista Silva (PSDB) foram incendiadas. Uma das lideranças da prelazia, o diácono José Raimundo Ribeiro, o Zecão, estava em São Paulo quando a confusão explodiu. Ele soube por telefone que sua casa tinha sido alvo de uma saraivada de tiros.

Zecão e a mulher, Rita de Cássia, nunca mais voltaram a pisar em sua casa em Luciara. Quando retornaram à região do Araguaia, seguiram direto para São Félix, a cerca de 100 quilômetros de onde viviam. “Não pudemos voltar nem mesmo para buscar nossas roupas. Amigos tiveram que fazer nossa mudança”, diz Zecão, que desde então foi incluído, com a esposa, no programa de proteção a pessoas da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Rubem Salles e Jossiney Evangelista Silva também entraram para a lista dos jurados de morte.

As ameaças não cessaram. Zecão e Rita tiveram de se mudar mais uma vez. Foram viver numa casa no centro de São Félix. No ano passado, um aparelho transmissor de dados foi encontrado em sua linha telefônica. Uma semana antes de conversar com a equipe de reportagem, o diácono teve a casa invadida enquanto estava fora. Cerca de 2 mil livros foram jogados no chão. Não roubaram nenhum objeto. “Foi mais uma ameaça, como fizeram em 2013, ao atirarem em minha casa. Dessa vez, queimaram alguns palitos de fósforo sobre papéis, mostrando que podiam ter queimado tudo”, diz. “Mas vou continuar aqui, só saio daqui morto. Aconteça o que acontecer, não vou embora.”

Em 2014, uma portaria publicada pela Secretaria de Patrimônio da União chegou a reconhecer o domínio público de 1,6 milhão de hectares dentro do Vale do Araguaia, área que engloba partes de Mato Grosso e Tocantins, onde vivem os retireiros. Era o passo para efetivar a criação da reserva. No ano passado, porém, essa portaria foi revogada. As famílias de retireiros possuem hoje perto de 3 mil cabeças de gado. Nos currais dos fazendeiros, os números ultrapassam 90 mil cabeças. Rubem Salles, líder dos retireiros que teve a casa queimada, diz que grileiros continuam a exercer forte pressão. “É uma situação difícil demais. Enquanto a reserva não sair, vamos ficar desse jeito. Eles estão jogando as cercas cada vez mais para cima das terras, expulsando as pessoas”, diz Rubem. “Nosso gado está pastando dentro da água, porque não temos mais onde colocar. Os animais comem dentro da água, depois caçam algum lugar para dormir, no seco.”

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