Notícias / Policial

16/07/16 às 12:23 / Atualizada: 01/09/16 às 16:03

ESPECIAL TERRA BRUTA - Curral clandestino: fazendas de gado pressionam florestas e terras indígenas

André Borges e Leonencio Nossa - Estadão

Edição para Agua Boa News, Michel Franck

Imprimir Enviar para um amigo
ESPECIAL TERRA BRUTA - Curral clandestino: fazendas de gado pressionam florestas e terras indígenas

Serra do Roncador: Entorno convertido em pastagem, entre as BRs 158 e 242 em Mato Grosso

Foto: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Na Ilha do Bananal, mais de 93 mil cabeças de gado são criadas em área onde, por lei federal, não poderia haver rebanhos.

Da Serra do Roncador (MT) à Ilha do Bananal (TO), o gado avança sobre áreas sensíveis de Cerrado e floresta. Sopés dos grandes granitos do norte do Mato Grosso e terras da maior ilha fluvial do mundo viraram pasto. Embora seja proibido criar gado em área indígena, na reserva dos carajás, no Tocantins, fazendeiros já mantêm mais de 93 mil cabeças de gado.

Pressionados pela ocupação descontrolada do solo, índios passaram a fazer parte do negócio, arrendando terras para invasores que pagam pequenas quantias para ter acesso à ilha banhada pelos Rios Araguaia e Javaés. Vice-cacique da Aldeia Santa Isabel do Morro, onde vivem 900 índios, Txiarawa Karajá conta que a tribo recebe de R$ 30 mil a R$ 40 mil por ano para não impor resistência. O dinheiro, rateado entre 15 fazendeiros, é repassado aos índios em duas parcelas. “A gente sabe que não é legal, mas aceita essa situação porque precisa do recurso. Eu acho que é pouco, não dá para resolver nada. Mas, como a Funai não tem dinheiro, precisamos fazer isso.”

Há mais de cinco décadas, fazendeiros chegaram para ocupar as terras. No fim dos anos 1980, auge das invasões, cerca de 11 mil não-índios viviam na ilha, com 300 mil cabeças de gado se alimentado de pastagens nativas. Pressionada por organizações ambientais e sociais, a Funai fez uma série de operações nos anos 1990, reduzindo o número de não-índios e a criação de bois. Em maio de 2008, a Justiça Federal deu um basta à situação. Àquela altura, havia mais de 200 pecuaristas na ilha, donos de 100 mil cabeças de gado. Eles receberam um prazo de 30 dias para retirar os animais. A sentença foi cumprida. Depois de décadas, a ilha voltava a ser dos índios. Mas, nos meses seguintes, voltou a ser invadida.

Em outubro de 2009, o Ministério Público Federal no Tocantins costurou uma decisão à revelia da lei federal. Foi selado “termo de compromisso” para permitir que o gado voltasse à Ilha do Bananal por meio de um “sistema de parceria entre indígenas e criadores não índios”. A Funai se negou a assinar. Na época, o MPF argumentou que “a prática, embora ilegal, constituía fonte de subsistência a inúmeros membros das comunidades indígenas javaé e carajá e sua interrupção acarretou situação de carência econômica e alimentar a essas comunidades”.

O retorno dos fazendeiros impunha regra clara: a quantidade máxima de bois na ilha era de 20 mil cabeças. Em outubro passado, a Agência de Defesa Agropecuária do Tocantins divulgou dados de uma campanha de vacinação, que evidenciaram o desrespeito à lei. A agência “celebrou” um recorde: 93.243 bovinos, quase cinco vezes o total permitido, foram imunizados. Em 2014, o número havia sido de 75.185 cabeças vacinadas contra febre aftosa.

Nos últimos anos, as áreas da ilha, que até então eram consideradas unidades de conservação ambiental, foram convertidas em terra indígena. Para o diretor de Criação e Manejo de Unidades de Conservação do Instituto Chico Mendes, Sérgio Brant Rocha, a mudança selou o destino da Ilha do Bananal, porque a Funai não conseguiu proteger a terra. “É uma situação absurda. A gente protegeu a ilha a vida inteira. Já havíamos levado todos os pecuaristas para fora de lá, mas hoje o gado voltou.”

Na outra margem do rio, em São Félix do Araguaia, o sucateamento da Funai expõe a fragilidade da instituição. Não há sequer uma canoa para servidores chegarem à ilha e ouvirem os índios. Funcionários são obrigados a fazer “vaquinhas” para comprar água potável ou lâmpadas. “Reconhecemos as dificuldades enfrentadas não apenas por essa, mas também por outras coordenações técnicas locais da Funai, fruto de fragilidades orçamentárias e de recursos humanos”, informou a direção do órgão, em Brasília.

Ignorada pelo Ministério Público, pelos governos de Tocantins e Mato Grosso e pela Justiça Federal, a Funai declarou “posicionamento contrário à prática de arrendamento em terras indígenas, tendo em vista que, além de ilegal, a atividade não acarreta maiores ganhos aos indígenas e limita o uso de suas terras”. O contrato firmado entre índios e não índios, lembra a fundação, é nulo, conforme entendimento de tribunais. “Pouco importa o nome (arrendamento, parceria, prestação de serviços), a forma do ajuste (contrato escrito, contrato verbal, termo) ou eventual concordância de algum índio. Para caracterizar a ilicitude, basta haver uso ou exploração da terra indígena por terceiro estranho ao grupo indígena.”

Matéria relacionada:

Marcados para morrer no Castelo de Sonhos

 

comentar  Nenhum comentário

AVISO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do Agua Boa News. É vetada a inserção de comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros. O site Agua Boa News poderá retirar, sem prévia notificação, comentários postados que não respeitem os critérios impostos neste aviso ou que estejam fora do tema da matéria comentada.

 
 
 
Sitevip Internet