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04/06/16 às 19:37

INOCENTE - Após 6 anos, Justiça absolve pai acusado de estuprar criança

Laudo do Hospital Julio Muller atestou que não houve abuso sexual

Rafael Costa - Folha Max

Edição para Agua Boa News, Clodoeste Kassu

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Após seis anos, um pai acusado de estuprar a filha de apenas três anos de idade foi absolvido pela Justiça de Mato Grosso. A decisão da juíza da 1ª Vara de Violência Doméstica e Familiar, Ana Cristina Mendes, pôs fim a um drama que atormentou o servente de pedreiro João Carlos (nome fictício) em um cenário de completa injustiça marcado pelo abandono, depressão, rejeição e uma prisão preventiva de sete meses que ficará para sempre marcada em sua consciência.

Relatos que se assemelham a uma peça de ficção, mas se trata da difícil realidade que  um homem acuado por falsas acusações diante de seguidas falhas do aparelho estatal conviveu por seis anos. O drama começou no dia 26 de março de 2010, quando a diretora da creche na qual a menor de idade A.J.A.C permanecia durante o dia enquanto seus pais trabalhavam, registrou um boletim de ocorrência  na Polícia Civil narrando que a criança havia sido estuprada pelo próprio pai.

A suspeita se deu porque, ao ser chamada para tomar banho, a criança foi urinar e reclamou de dores na genitália, que ainda estava com forte ardência. Naquele momento, a funcionária perguntou o que tinha acontecido e a criança disse: “foi o papai”.

No final da tarde do dia 26 de março, ao buscar sua filha na creche, João Carlos, aos 27 anos, foi preso pela Polícia Civil diante da suspeita de estupro de vulnerável, crime previsto no artigo 217-A do Código Penal que prevê pena de 8 a 15 anos de reclusão. Um laudo do IML (Instituto Médico Legal) atestou o rompimento do hímen da criança, o que comprovaria o estupro.

Sem dinheiro para contratar um advogado para defendê-lo, João Carlos foi encaminhado ao presídio do Carumbé e foi assistido juridicamente pela Defensoria Pública. Quando já acreditava que mergulhava em um inferno sem volta, o pior ainda estava por vir.

Foi denunciado por estupro de vulnerável pela promotora de Justiça Lindinalva Rodrigues. A ação penal foi aceita pela Justiça que autorizou o compartilhamento de provas com a promotoria da Infância e Juventude que, por sua vez, requereu a suspensão do poder familiar com pedido final de perda do poder familiar. O pedido foi aceito pela Justiça e João Carlos perdeu ali a condição de pai de sua filha.
Em meio aos transtornos, a esposa pediu a separação consciente da existência do estupro. Isolado no presídio do Carumbé, entrou em crise compulsiva de choro despertando a atenção dos demais detentos.

Em certo dia, o advogado Anderson Nunes de Figueiredo foi visitar um de seus clientes e foi alertado por um agente prisional que um homem preso acusado de estupro da própria filha chorava compulsivamente jurando inocência do crime ao qual era acusado. Comovido com a história, o jurista decidiu defendê-lo e logo identificou nos autos do processo um laudo elaborado pelo Hospital Júlio Muller atestando que não houve rompimento de hímen e a criança não carregava nenhuma marca de abuso sexual. “A criança foi atendida no IML no dia da denuncia do ocorrido e depois pelo serviço de ginecologia do HUJM que não verificou nenhuma lesão externa vulvar ou perianal sugestiva de estupro ou manipulação genital”, dizia um dos trechos.

Ali se comprovava que a criança jamais foi vítima de violência sexual. O inchaço e dores na vagina era consequência de vulvovaginite inespecífica, que gera edema e discreto corrimento esbranquiçado por falta de higienização”.

No dia 28 de janeiro deste ano, por absoluta falta de prova, o acusado foi absolvido. Na audiência de instrução, duas médicas do Hospital Julio Muller atestaram através de laudo médico que não houve estupro e que o hímem da criança estava preservado. Uma das médicas que fez o atendimento da criança no HUJM foi ouvida em juízo como testemunha de defesa e confirmou aquilo que já tinha lançado no laudo por ela assinado, ou seja, que a criança não apresentava sinais de estupro e a situação da sua vagina era em decorrência de higienização pobre e fissura no ânus por constipação.
 
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Advogado Anderson Figueiredo foi responsável pela defesa do acusado
 
No dia 25 de maio, quando trabalhava numa obra de um condomínio residencial, João Carlos foi notificado  pelo oficial de Justiça da sentença de absolvição em seu favor. Sem entender as palavras jurídicas  e sem dinheiro para uma simples condução de ônibus, andou mais de 5 km até o escritório do advogado Anderson Figueiredo para saber o que estava acontecendo.
O jurista leu o documento e informou que a Justiça havia o absolvido. De João Carlos, nenhuma palavra saiu, apenas um choro compulsivo. Desta vez em liberdade e com a inocência devidamente reconhecida.
Críticas a investigação
Diante da evidência de que não houve estupro de vulnerável, a juíza Ana Cristina Silva Mendes criticou o procedimento adotado nas investigações e a falta de amparo psicológico a criança após a suspeita de abuso sexual. Assim, entendeu que a criança teve falsificação de memória, um fenômeno que é uma das principais vulnerabilidades do depoimento infantil. “Diante de um mínimo conhecimento acerca da psicologia infantil, nos casos de abusos sexuais, facilmente se observa que, desde o início, o ambiente, a abordagem da infante e os métodos utilizados para a colheita da prova mostraram-se bastante inadequados. Isso corresponde à criação de um ambiente anterior ao depoimento em que a criança sinta-se confortável, sem ameaças e encorajada a falar sobre o acontecido”, diz um dos trechos da decisão.
O advogado Anderson Figueiredo, que acompanhou todo o desenrolar do caso, classificou o episódio como absurdo. “Nunca vi em minha carreira jurídica uma pessoa ser acusada de um crime tão grave sem prova alguma. Independente da sentença que o absolveu, a vida deste homem acabou”, disse.
O jurista ainda acredita que outras pessoas inocentes possam estar presas por falsa acusação em municípios de Mato Grosso que não dispõem de estrutura de investigação. “Se não tivesse a estrutura e o atendimento do Hospital Júlio Muller em Cuiabá, o laudo do IML seria dado como prova cabal. E nestas cidades que não tem essa estrutura e não há condições de apresentar contraprova? Se esse fato ocorresse no interior, muito provavelmente esse homem seria condenado sem ter cometido crime algum”.
O jurista avalia a possibilidade de processar o Estado, já que o Laudo do IML que atestava o rompimento do hímen da criança foi derrubado por dois laudos emitidos por duas médicas pediatras do HUJM. Posteriormente o depoimento de uma das médicas em juízo foi categórico em dizer que a situação da criança lhe tinha chamado muito atenção, uma vez que estava diante de uma vítima de estupro atestado pelo IML. Porém, a criança em nada demostrava ter sido vítima de estupro. “É uma medida que estamos avaliando”.

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