Considerado uma ilha de prosperidade, o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), em Mato Grosso, não pode reclamar da sua inesgotável fonte de renda. Em 2015, por exemplo, o órgão arrecadou R$ 59,5 milhões do chamado recolhimento sobre a receita bruta dos produtores rurais. No mesmo compasso, o Senar gastou muito, mas muito mesmo com qualificação profissional, publicidade e folha de pagamento.
Levantamento realizado pelo portal O Documento revela que no ano passado o Senar despejou R$ 34,2 milhões em treinamento da mão de obra no campo e na cidade. Com o título “Qualificação do Produtor Rural”, a entidade liquidou somente entre os meses de julho e agosto, o equivalente a R$ 10,1 milhões com a promoção de cursos.
Seguindo o rastro das despesas do Senar, a reportagem descobriu que, em 2015, o órgão foi generoso com o setor de mídia no estado. De acordo com a prestação de contas, apenas com o quesito “Serviço de Comunicação de Massa”, liquidou-se nos 12 meses do ano passado cerca de R$ 4 milhões. Só em três meses, a título de exemplo, o Senar quitou R$ 1,7 milhão com o setor de publicidade.
A remuneração dos seus funcionários também causa inveja aos países de primeiro mundo. Os salários do Senar variam entre R$ 27.952,00 (superintendente) a R$ 2.831,56 (motorista), podendo ser acrescidos de gratificações que oscilam entre R$ 609,50 a R4 1.625,33, dependendo do cargo exercido.
A folha de pagamento global consumiu, em 2015, o valor exato de R$ 3,7 milhões. No entanto, soma-se a este grupo de despesa, o “velho” apoio administrativo que custou ao contribuinte rural outros R$ 6,5 milhões. Ou seja, enquanto o homem do campo trabalha 35 anos e pode, com muita sorte, se aposentar com salário miserável de R$ 900 reais, os funcionários do Senar não podem se queixar do holerite no final do mês.
Regalias, gastos exagerados com gráficas e fraudes em licitações levaram a Polícia Federal, em 2010, a promover uma verdadeira devassa na contabilidade do Senar. A Operação Cartilha, desencadeada, na época, pelos federais resultou em ações penais e cíveis, além de uma intervenção da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
Passados seis anos, a frágil contabilidade do Senar aponta para elevada soma despejada na sua folha de pagamento, gastos altíssimos com publicidade e despesas comparadas a uma “Mega-Sena” apenas para custear cursos levados aos produtores rurais.
Relatórios contábeis do Senar apontam gastos elevados com publicidade, cursos e folha de pagamento - Foto de ODOC
Operação Cartilha
A Polícia Federal cumpriu, no dia 25 de fevereiro de 2010, cinco mandados de busca e apreensão de materiais que subsidiaram uma investigação que mais tarde comprovaria irregularidades em licitações realizadas pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), em Mato Grosso, entre os anos de 2002 e 2009. Uma apreensão foi feita na sede do Senar/MT e outras quatro em Brasília (DF).
Na época, segundo a procuradora Vanessa Ribeiro Scarmagnani, do Ministério Público Federal em Mato Grosso, havia indícios de fraudes nas licitações para a confecção e impressão de cartilhas e manuais que seriam distribuídos pelo Senar/MT no Estado. "Era indispensável essas apreensões para reunir provas documentais que subsidiaram a nossa ação penal", declarou a promotora.
Técnicos da Controladoria Geral da União (CGU) acompanharam os policiais federais na chamada "Operação Cartilha". A investigação começou em 2009, a partir de fiscalização da CGU das aquisições, com e sem licitações, de materiais destinados à execução do Programa Agrinho e Programa de Formação Rural e Promoção Social, ambos de responsabilidade do Senar/MT. Os programas foram destinados para estudantes e trabalhadores rurais, respectivamente. Segundo as estimativas da CGU, o prejuízo ao erário ultrapassou a casa dos R$ 9.926.601,41 se considerados os dois programas.
O Senar/MT é um órgão de direito privado e de execução descentralizada das ações de formação profissional rural e promoção social do trabalhador rural, mantido com recursos do recolhimento de 0,2% sobre a receita bruta da comercialização de produtos agropecuários por parte de produtores rurais pessoas físicas.