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06/05/16 às 22:01 / Atualizada: 06/05/16 às 22:10

Antropologista compartilha a ‘deterioração da cultura’ indígena na Ilha do Bananal

Relatos tristes de quem vive na Ilha do Bananal, pelos olhos do antropologista campo-grandense Daniel de Brito, 36 anos

Autor: Kamila Alcântara - Top Mídia News

Edição para Agua Boa News, Clodoeste Kassu

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Antropologista compartilha a ‘deterioração da cultura’ indígena na Ilha do Bananal

Foto: Leilane Marinho

Lá no bananal mulher de branco levou pra índio colar esquisito. Índio viu presente mais bonito, eu não quer colar! Índio quer apito!”. A marchinha, composta por Haroldo Lobo e Milton de Oliveira, relata a visita da primeira dama Sarah Kubitschek a Ilha do Bananal, localizada entre os rios Araguai e Javaés, no estado do Tocantins. Quem dera essa ter sido a última intervenção do homem branco na terra indígena, mas os chamados 'costumes de branco' vem destruindo as tradições e a vida dos povos daquele lugar.

Neste Especial, contamos alguns dos relatos tristes de quem vive na Bananal, pelos olhos do antropologista campo-grandense Daniel de Brito, 36 anos, líder de um grupo de jovens missionários enviados para lá pelo projeto OYIM (One Year in Mission), da Igreja Adventista do Sétimo Dia.
 
Antes de qualquer coisa, é necessário que entendamos a política da Ilha, onde não entram policiais militares, guardas ou qualquer tipo de organização estadual ou municipal, pois a Ilha pertence à União, ou seja, só órgãos federais e o Exercito Brasileiro pode entrar, além dos projetos sociais. Há 26 anos, quando o presidente Jucelino Kubitshek financiou a construção do seu hotel, o Hotel JK, para que pessoas da “alta sociedade” brasileira turistasse em um lugar paradisíaco, foi o passaporte para a entrada do homem branco. Mas o projeto foi abandonado e tudo ficou em ruínas, inclusive a cultura do povo Karajás, residentes lá.
 
Era uma tarde de domingo, quando um dos celulares da redação tocou, o menos provido de tecnologia e que pega sinal em todos os pontos da cidade. Daniel, do outro lado da linha, falava rápido e tinha muitas coisas para contar, pois as experiências vividas na missão, a qual se dispôs a ir, eram impactantes, isso porque estava lá a apenas dois meses. A escolha da ligação para Campo Grande pode ter sido inconsciente, aquele desejo que nós temos de querer compartilhar algo para alguém que se tem algo em comum com a gente.
 

Foto: Leilane Marinho / oeco.org.br
 
“Genocídio e etnicidade de um povo”, definiu Daniel. Em um lugar de natureza exuberante, botos cor-de-rosa, água doce para todo lado, mata fechada, lagoas cristalinas, fartura de alimentos e tudo que o Brasil tem de mais rico em 20 mil quilômetros quadrados, mas um povo está sendo massacrado pelo alcoolismo, consumo de gasolina como entorpecente e suicídios.
 
“Olhando pelo lado sociológico da coisa, aqui ninguém tem uma fonte rentável particular, as famílias são assistidas por planos do Governo Federal, recebem tudo que precisam. Logo, eles não são produtivos, são eternamente tutelados pela Funai [Fundação Nacional do índio], infantilizados e não têm voz. Há um tempo tentaram proibir a venda de bebidas alcoólicas pelos comerciantes das cidades próximas a Ilha, mas existe aquela Lei de que todo brasileiro pode comprar o que bem quer. Nesse momento eles, o povo Karajás, são cidadãos como qualquer outro, mas no restante não passam de tutelados”, desabafa primeiramente o antropologista.  
 
Já é comprovado que os pele vermelha se tornam mais dependentes das drogas dos brancos. É muito complexo parar para pensar que esse problema, também muito forte no Mato Grosso do Sul, pode estar acontecendo em toda a extensão do país, disseminando um hábito que só leva a uma consequência, dentro da aldeia: o suicídio.
 
 “O trabalho mais difícil da missão é a questão do suicídio. Aqui as pessoas não ficam depressivas, como nós na cidade grande, aqui só de ficarem deprimidos já leva a morte. Basta um adolescente ser corrigido pelo pai, como aconteceu com um menino de 12 anos que estávamos trabalhando, que eles pegam qualquer coisa para amarrar no pescoço e tiram a vida”.
 
Nessa conversa por telefone, que durou pouco mais de 28 minutos, um dos pontos mais marcantes foi a forma que os jovens acharam para se drogarem, inalando o gás que sai da gasolina quando está evaporando. “Os rios aqui são como ruas, é a forma que eles se locomovem para as cidades da redondeza. O jeito mais rápida é usando barcos com motor de voadeira, que funciona a gasolina. Eu não sei quem, porque cargas d’agua, foi o primeiro a fazer isso, mas o fato é que eles pegam essa gasolina, que seria usada primeiramente para o motor e colocam em uma garrafa pet. Na garrafa eles fazem um furo e cheiram aquela gasolina. O efeito é devastador, mata os neurônios e eles ficam como zumbis”.
 
Por fim, Daniel relata a forma de relacionamento entre homens e mulheres na ilha. “É muito comum o adultério, pois os casamentos são forjados e arranjados, só porque duas pessoas solteiras se tocaram. Tocar ou conversar a sós já é considerado casamento pelos mais velhos. Os casais são frustrados, se tornando mais um motivo de suicídio. O último, mais tenso, foi um rapaz que pediu para ver o smatphone da esposa [essas coisas, mesmo na tecnologia 2g, já chegaram por aqui], mas ela não deixou. Ele tentou se matar por isso”, concluiu.
 
O projeto OYIN é internacional e faz a seleção de jovens uma vez por ano, que são levados para locais carentes de assistencialismo ou com sérios problemas sociais. Após conhecer a situação desses brasileiros, nós nos perguntamos: até quando o índio será tratado como um bem material da União, necessário para ser exposto em campanhas de conscientização contra o preconceito? Até quando o índio será a pauta menos lida ou desacreditada das redações de jornais? Problemas psicológicos existem em todos os humanos, não só no “homem branco
”. 

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