Notícias / Justiça

02/01/16 às 09:45

Fogo e enxofre caindo do céu: a Operação que prendeu um ex-governador

Arthur Santos da Silva / Olhar Jurídico

Imprimir Enviar para um amigo
Foto: Arthur Santos da Silva/ Olhar Direto
Fogo e enxofre caindo do céu: a Operação que prendeu um ex-governador
"Então o Senhor fez chover enxofre e fogo, do Senhor desde os céus, sobre Sodoma e Gomorra" (Gênesis 19:24). 
 
Sodoma foi destruída por Deus com fogo e enxofre caídos do céu. É o que afirma a Bíblia. Na crença, o castigo estabelecido serviu como combate de atos imorais. Os pecados devem ter sido muitos. Servindo como exemplo, mesmo que de formas subjetivas, qual seria a punição cabível para quem, na atribuição de governar o povo e administrar os interesses públicos, devendo cumprir fielmente ordenações legais, debanda para a corrupção?

Hoje, distante do simbolismo religioso, o fogo e o enxofre parecem ter o mesmo peso da privação de liberdade. Celas, como as que vivem temporariamente o ex-governador Silval da Cunha Barbosa, e os ex-secretários de Estado, Marcel de Cursi e Pedro Nadaf, configuram, para muitos, como punições ideais. Todos os nomes citados passam por investigação iniciada na operação com o mesmo nome da cidade antiga: Sodoma.

O procedimento, deflagrado no dia 15 de setembro pela Delegacia de Combate a Corrupção (Decor), com apoio das demais unidades especializadas da Polícia Civil, além de toda a estrutura da Secretaria de Segurança Pública especializada da área de Inteligência, do Laboratório de Combate a Lavagem de Dinheiro e o Centro Integrado de Operações Aéreas (Ciopaer), apontou um suposto esquema criminoso no Governo de Mato Grosso, que atuaria fraudando concessões de incentivos fiscais.

Foi baseado nesses fatos que o Ministério Público de Mato Grosso ofereceu denúncia, na Sétima Vara Criminal de Cuiabá, em setembro de 2015 (no dia 22), contra o ex-governador e os ex-secretários. Na ação, também fazem parte da lista de réus Silvio Cezar Corrêa Araúju, Francisco Andrade de Lima Filho e Karla Cecília de Oliveira Cintra. A juíza Selma Arruda julgará os arrolados por extorsão mediante violência ou grave ameaça, crime de organização criminosa, concussão (receber vantagens em razão de sua função) e ocultação de bens.

Consta da investigação que a antiga Secretaria de Estado da Indústria e Comércio, Minas e Energia (Sicme), atual Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Mato Grosso (Sedec), teria concedido incentivos fiscais, via Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial (Prodeic), de forma irregular, para algumas empresas. A irregularidade foi confirmada pelo empresário João Batista Rosa, colaborador (inicialmente delator premiado) no caso e dono da Tractor Partes, que entregou irregularmente a quantia de R$ 2,6 milhões para obter incentivo.

Assim, prezando pela “segurança” do correto andamento processual, foram decretadas, ainda no dia 15 de setembro, as prisões preventivas de Silval, Cursi e Nadaf.

O Rei e seus suditos atarefados 


 
A suposta organização criminosa teria desenvolvido um quadro de divisão de tarefas extremamente organizado.O MP afirma, na denúncia, que Silval Barbosa, enquanto governador do Estado liderava uma organização criminosa e delegava aos demais membros a execução de ações, especialmente, no contato com terceiros com o propósito de ocultar sua identidade. “Restou revelado, que mantinha rigoroso controle dos demais integrantes, que ocupavam cargos do alto staff do governo, ao passo que com outros possuíam estreita ligação de confiança”.

Contextualizando os fatos expostos em conseqüência da Operação Sodoma, o documento assinado pela promotora de Justiça Ana Cristina Bardusco afirma que a organização criminosa alicerçada no chefe do Poder Executivo, à época– Silval da Cunha Barbosa-, tinha suas bases na Secretaria de Estado de Indústria Comércio, Minas e Energia de Mato Grosso (SICME/MT), migrando para a Casa Civil e, ainda, para a Secretaria de Estado de Fazenda de Mato Grosso. Neste cenário as tarefas eram divididas para estabelecer um aparelhamento funcional.

“A organização é liderada por Silval da Cunha Barbosa, que fazendo uso do importante cargo de chefe do poder Executivo estadual, delegava aos demais membros a execução de ações, especialmente, no contato com terceiros, exteriorizando as condutas da organização, isto com o propósito de ocultar sua identidade. restou revelado, que mantinha rigoroso controle dos demais integrantes, que ocupavam cargos do alto staff do governo, ao passo que com outros possuíam estreita ligação de confiança”, afirma a denúncia entregue a Sétima Vara Criminal.

“Na divisão das tarefas, perseguindo os objetivos da organização criminosa, era da incumbência de Pedro Jamil Nadaf realizar o controle criminoso da concessão do benefício fiscal do Prodeic proporcionando à organização criminosa: 1- controlar e filtrar a concessão do benefício fiscal; 2- manipular a tramitação dos procedimentos administrativos para a obtenção do benefício. no interesse da organização criminosa, artificiosamente, criava situação na qual aspectos formais, deliberadamente, não eram atendidos, para no caso do empresário não se submeter às exigências impostas, as pendências seriam reveladas, provocando o cancelamento do benefício”, esclareceu o MPE, sobre o suposto papel de Nadaf no esquema.

“O denunciando Marcel Souza de Cursi era o mentor intelectual das artimanhas tributárias a serem executadas, com o fito de promover o ganho indevido da organização a título de ‘retorno‘ por parte dos empresários ou segmentos econômicos ‘beneficiados’ pelas inovações legislativas, muitas das quais, inclusive, com efeitos retroativos”, pontuou a promotora de Justiça.

Sílvio Cezar Correa Araújo, ex-chefe de gabinete de Silval Barbosa e Francisco Lima, ex-procurador do Estado, davam base ao combinado. “Francisco Gomes de Andrade Lima Filho este, quando necessário, utilizava, a favor da organização o seu cargo de procurador do estado e, ainda, de Silvio Cezar Corrêa Araújo, na condição de chefe de gabinete, ambos de estrema confiança do então governador Silval da Cunha Barbosa, lotados, respectivamente, na Casa Civil e gabinete do governador”.

Ainda segundo o Ministério Público, no último estágio do processo de corrupção, foi designada uma responsável por gerenciar a lavagem do dinheiro desviado. “para atingir os objetivos da organização criminosa, aponta a atuação da denuncianda Karla Cecília de Oliveira Cintra, que remunerada pela Fecomércio, já que ocupava o cargo de diretora financeira, sempre esteve, durante seu regular expediente, atuando no interesse do grupo criminoso, em atividades relacionadas com a lavagem de dinheiro”.


Delator com "qualidades" de vítima

(Advogado Huendel Rolim afaga o ex-delator premiado, João Batista, durante CPI)
 
Selma Rosane, no dia 2 de outubro, menos de um mês após as prisões, revogou decisão que concedeu condição de delator premiado ao empresário João Batista Rosa. O responsável por embasar todo o procedimento ganhou descrição com maiores "qualidades": passou a ser considerado vítima do suposto esquema para concessão de incentivos fiscais, perdendo a alcunha de coautor. Com a revogação, Batista não devolverá R$ 1,7 milhão ao erário, como combinado na delação.

Para revogar a colaboração premiada, a juíza esclareceu que o procedimento jurídico só pode ser celebrado com quem é coautor de delito. “No caso em exame, o Ministério Público entendeu que João Batista Rosa não é coautor de qualquer ilícito; ao contrário, reputou-o vítima da atuação criminosa da organização, de modo que não mais pode ser admitido o acordo celebrado, na forma como está”, afirmou a magistrada.

Dois que escaparam

Ainda permanecem dúvidas sobre a dimensão do enredo fraudulento. No processo, dois nomes escaparam, por não terem sido denunciados pelo MPE: a magistrada arquivou os autos contra Lourival Lopes e determinou suspensão das investigações em relação a Sérgio Pascolo (até sua acareação). Segundo a Sodoma, os dois servidores comissionados, lotados na antiga Sicme, eram subordinados a Pedro Nadaf.

Conforme o Ministério Público, Lopes, assessor técnico e coordenador do Prodeic (Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial de Mato Grosso), recebeu a atribuição de formalizar pareceres técnicos e Pascolo, superintendente de Indústria, teve a função de atestar falsamente a realização de vistoria nas empresas, que efetivamente não ocorreu, além de não juntarem ao processo outros documentos necessários dentre os quais Licença Operacional (LO) da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), embasando assim, a concessão irregular.

Sequestro de bens

Selma Rosane Arruda, aguarda o pedido de sequestro de bens contra os réus. Rosane solicitou que o bloqueio seja formulado de forma separada. “O pedido de sequestro de bens deve ser formulado em apartado, de acordo com o que dispõe o artigo 129 do CPP. Assim, determino a extração de cópia desta manifestação com autuação separada”, despachou a magistrada. Todos serão submetidos ao bloqueio, calculado sobre o valor da causa.

Derrotados

Atualmente, Silval Barbosa, Pedro Nadaf e Marcel de Cursi são responsáveis por seguidos recursos frustrados nas variadas esferas do Judiciário. Ainda em fase embrionária, o processo corrente na Sétima Vara Criminal passará pelas primeiras audiências de instrução em 2016.

Sobre Sodoma, especialistas em arqueologia e história antiga nunca encontraram evidências significativas de sua existência. Quanto à operação, e ao processo criminal: os fatos descritos pela investigação parecem bem mais palpáveis.


"E olhou para Sodoma e Gomorra e para toda a terra da campina; e viu, que a fumaça da terra subia, como a de uma fornalha" (Gênesis 19:24).

comentar  Nenhum comentário

AVISO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do Agua Boa News. É vetada a inserção de comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros. O site Agua Boa News poderá retirar, sem prévia notificação, comentários postados que não respeitem os critérios impostos neste aviso ou que estejam fora do tema da matéria comentada.

 
 
 
Sitevip Internet