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05/02/21 às 22:20

Entrevista: Trabalho, dedicação e o mundo todo pela frente

UFPA conta com mais duas representantes na Academia Brasileira de Ciências

Jornal Beira do Rio edição 157

AguaBoaNews/Belém

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Entrevista: Trabalho, dedicação e o mundo todo pela frente

Rosyane Rodrigues, com colaboração de Matheus Luz e Walter Pinto

Foto: Alexandre Moraes e Acervo Pessoal

Desde o dia 1º de janeiro, as professoras Simone Patrícia Aranha da Paz, do Instituto de Tecnologia (ITEC) e do Instituto de Geociências (IG), e Thaísa Sala Michelan, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), passaram a integrar a Academia Brasileira de Ciências. Para todos os pesquisadores, a indicação é o reconhecimento do trabalho realizado ao longo das suas jornadas científicas. Simone e Thaísa são unânimes em dizer que a filiação não premia apenas as cientistas, individualmente, mas os grupos de pesquisa dos quais elas fazem parte.

Em entrevista exclusiva ao Jornal Beira do Rio, elas falam sobre o início de suas carreiras; a importância que a Iniciação Cientifica, o contato precoce com os laboratórios e os outros pesquisadores tiveram nas suas trajetórias. Para as meninas jovens cientistas, o recado é um só: “Sigam bons exemplos de professores e cientistas e exerçam sua atividade com amor. Com muito esforço e dedicação, nós podemos tudo”.

Como aconteceu a escolha da sua área de atuação?

Simone Paz Nasci em Altamira (PA), mas minha família mudou para Marituba quando eu tinha 11 anos de idade. Em Marituba, recomecei minha caminhada escolar na 4ª série do ensino fundamental, na Escola Municipal João Milton Dantas. De lá, fui para a Escola de Ensino Fundamental, Médio e Técnico-Profissionalizante Agroindustrial Juscelino Kubitschek de Oliveira. Nesta mesma escola, em 1998, dei início ao ensino médio (técnico-profissionalizante). Durante o curso técnico em Agroindústria (1998 a 2000), além de frequentar aulas teóricas, havia práticas de Laboratório de Química e muitas visitas técnicas a agroindústrias da região. Tive a oportunidade de realizar estágio na Embrapa, onde, sem a menor dúvida, comecei a definir meu futuro profissional. Ingressei no curso de Engenharia Química da UFPA em março de 2003. Já na Semana do Calouro, tive a oportunidade de conhecer os laboratórios de ensino e pesquisa daquela faculdade e, de imediato, me interessei pela área de materiais.

Em agosto de 2005, conquistei a minha primeira bolsa de Iniciação Científica, com o tema de modelagem e simulação de sistemas de escoamento de fluidos em dutos. E, a partir daí, os meus dois primeiros prêmios científicos: Melhor Trabalho de Iniciação Científica do Instituto de Tecnologia, Programa CNPq-Pibic da UFPA, em 2005 e 2006. Como se não bastasssem, esses dois primeiros anos de iniciação à pesquisa cientifica ainda renderam o meu primeiro artigo científico internacional.  Em meados de 2007, comecei as pesquisas na área de materiais-mineração., área em que atuo desde então. Dessa forma, a ciência me encontrou e eu encontrei a ciência, caminhamos juntas até hoje e espero que assim seja até o fim de minha vida. Um casamento perfeito.

Thaisa Michelan Ciências e Biologia no ensino básico e fundamental sempre foram as disciplinas que mais me interessaram. Cresci em uma família em que minha mãe era professora de Biologia; e meu pai, agrônomo, então plantas e meio ambiente estavam sempre presentes em minha vida. Mas foi surpresa para os meus pais quando falei que faria Ciências Biológicas na graduação. A minha escolha não tem uma história empolgante, daquelas que já sabia o que gostaria de fazer desde criança. Fui uma adolescente que achava que seria médica (porque era “moda”, entre os amigos, achar que só sendo médica seríamos felizes). Mas como eu estava enganada! E como sou feliz e realizada hoje em dia! Encontrei na Universidade a chance de fazer o que amo e abrir caminhos diferentes para o futuro de muitos alunos.

Qual o papel da Iniciação Científica na sua trajetória acadêmica?

Simone Paz Conforme já descrevi, foi fundamental! E hoje, como docente, tendo orientado vários alunos de IC-Pibic, vejo o quanto um trabalho de Iniciação Científica faz a diferença na formação de um estudante de graduação.

Thaisa Michelan Foi o professor Sidinei Magela Thomaz, da Universidade Estadual de Maringá, que me apresentou o mundo científico. Com ele, conheci o que era fazer pesquisa ecológica (e sua importância para a sociedade), as teorias, as formulações de hipóteses e predições e como testá-las. A Iniciação Científica foi fundamental para eu seguir na pesquisa. Foi nesse momento que entendi e aprendi o que era fazer ciência. Fazer parte de um laboratório, ao longo da graduação, foi muito importante na minha formação. É frequentando o laboratório que começamos a entender como os projetos são elaborados e as pesquisas são realizadas. Acompanhamos trabalhos de colegas e amigos, formamos uma segunda família, afinal, passamos quase mais tempo na universidade do que em casa e aprendemos diariamente a ser pesquisadores melhores.

Até o momento, quais foram as suas contribuições para a ciência?

Simone Paz Desenvolvo pesquisa científica na Grande Área de Ciências Exatas, da Terra e Engenharias, com ênfase em: Caracterização Tecnológica, Mineralogia Aplicada e de Processo, Processos Minerometalúrgicos, Agrominerais-Fertilizantes e Síntese de Materiais Cerâmicos Funcionais. Venho apresentando novas propostas de aproveitamento de rejeitos minerais na produção de novos materiais e no desenvolvimento/otimização de métodos de controle na indústria mineral. Na academia e na pesquisa científica, a materialização dos nossos trabalhos se dá na forma dos artigos científicos, que é a forma principal de darmos conhecimento à comunidade nacional e internacional do que estamos fazendo.

Tenho difundido a ciência por meio de: 1) ensino, ministrando disciplinas na graduação e na pós-graduação, em que sempre destaco o pensamento científico e filosófico, a importância da curiosidade e da observação, da ousadia para “sair da caixinha” (departamentalização da ciência), da alienação e dos dogmas, de como é engrandecedor e libertador apreender o passado para projetar o futuro, suportado por bases sólidas construídas a cada série escolar, a cada livro, a cada disciplina, a cada professor, a cada exemplo prático, a cada estudo realizado de forma metódica e com afinco; 2) participação frequente nas associações e conferências científicas nacionais e internacionais; 3) liderança de um grupo de pesquisa multidisciplinar e conscientização de que cada indivíduo tem um papel social e, para isso, deve dar o seu melhor para que também receba o melhor do outro. Sem dúvida, a melhor das minhas contribuições para a ciência está na formação de recursos humanos, capazes de pensar e agir da melhor forma possível para o bem coletivo, os quais serão propagadores do saber científico.          

Thaisa Michelan Atualmente, meus estudos focam no impacto das ações antrópicas sobre a biodiversidade aquática e sua conservação, com ênfase em macrófitas aquáticas (plantas aquáticas, como o “mururé” ou “aguapé” e a vitória-régia). Importante lembrar que os ecossistemas de água doce ocupam menos de 1% da superfície da Terra e compõem apenas 0,01% de toda a água do planeta. Mesmo assim, abrigam cerca de 10% de todas as espécies conhecidas e sua conservação é de extrema importância, pois não conseguiremos sobreviver sem água.

Uma segunda vertente das minhas pesquisas é a introdução de espécies exóticas invasoras (espécies trazidas de outros países ou regiões). Com a perda da vegetação ripária ao longo dos nossos riachos, lagos e rios, a entrada das espécies exóticas invasoras é um grande problema de extinção da atualidade que precisa ser estudada, principalmente na Amazônia. O desmatamento das margens permite que essas espécies se estabeleçam e dominem o novo ambiente, afetando toda a cadeia trófica, chegando a diminuir a quantidade de peixes do local. Por isso é tão perigoso trazer uma planta de um novo local e plantar sem conhecê-la. Suas sementes podem se dispersar e acabar excluindo as espécies nativas que temos na Amazônia.

Qual o significado da filiação à ABC para você e para a sua carreira?

Simone Paz A escolha para a ABC significa, antes de qualquer coisa, um reconhecimento por um trabalho árduo desenvolvido ao longo de anos. Sou uma testemunha viva de que o estudo transforma vidas, famílias e povos. Essa filiação não premia somente a cientista, no seu singular, mas todos os colegas cientistas paraenses e ufpeanos. Tenho consciência da minha missão e responsabilidade para continuar transformando vidas por meio do ensino e da pesquisa. Quero continuar ouvindo o retorno dos alunos, pelas mensagens e palavras que classifico como o maior dos meus prêmios: “Professora, você transformou a minha vida. Eu sou outra pessoa depois de você”.   

Thaisa Michelan Receber esse reconhecimento é motivo para comemorar muito. É um reconhecimento não só a mim, mas a todo o trabalho de pesquisa e ensino que o grupo de biodiversidade da UFPA vem realizando. É uma oportunidade muito gratificante e única poder contribuir ainda mais para o desenvolvimento científico e da educação na Região Norte do país. Esse grupo tem como objetivo promover a ciência brasileira e, consequentemente, ajudar na elaboração de política pública no país. Por isso é tão importante que a Região Norte tenha representação e faça parte das discussões.

Considerando o contexto da pandemia, é possível dizer que a ciência recuperou o seu "crédito" junto à população?

Simone Paz A ciência nunca perdeu seu crédito. Em toda a história do desenvolvimento humano, em especial após o fim da Idade Média, quando começam a nascer e se expandir as universidades, principalmente na Europa, é nelas que é feita, em grande parte, a pesquisa científica, e de onde saem os produtos para a sociedade, como os desenvolvimentos tecnológicos, as descobertas na área da saúde humana, os medicamentos e as vacinas, entre inúmeros outros produtos e resultados. O que aconteceu neste momento tão excepcional que estamos vivendo, infelizmente, foi um oportunismo irresponsável por parte de diferentes agentes da sociedade, como políticos e governantes, querendo tirar vantagens de uma situação tão grave para a humanidade. A "ciência" foi usada de maneira maldosa e irresponsável, por todos os lados do espectro político-ideológico, quando um lado queria atacar o lado oposto.

Não é de hoje que temos diferentes pontos de vista sobre um dado assunto científico e, na verdade, é assim que tem que ser.  A ciência se baseia em ideias e ousadia, vai além do senso comum. E o novo sempre assusta. Quem quer ser o primeiro? Fico aqui pensando no primeiro corajoso que se lançou ao mar, que se projetou em direção à Lua, que tomou a primeira vacina. Assim, a ciência continuará a quebrar paradigmas.

Thaisa Michelan Gostaria que a resposta fosse sim, mas, infelizmente, não é. Na verdade, a ciência jamais deveria ter deixado de ter crédito para agora recuperá-lo, pois ela tem papel fundamental na sociedade. Nos últimos tempos, pesquisa, ensino e conhecimento científico estão sendo menosprezados e, juntos, eles podem fazer a diferença na vida das pessoas, não só contribuindo para a preservação do meio em que vivemos, mas também oferecendo maior acesso à educação e reduzindo a desigualdade social.

Pesquisadores e professores de todos os níveis de ensino, diariamente, estão lutando para melhorar suas aulas, descobrir novas tecnologias, remédios, métodos eficazes para que haja um caminho mais saudável e harmonioso entre as pessoas e o meio em que vivem. Precisamos de mais empatia em todos os grupos. Trabalhamos para a e pela sociedade, não temos nenhum objetivo diferente do que fazer pesquisa e ensino de qualidade, com resultados que possam ser revertidos para melhorar a qualidade e as condições de vida das pessoas, de forma harmônica com o ambiente em que vivemos, possibilitando a conservação dos serviços ecossistêmicos e da biodiversidade.

Qual o recado que você pode deixar para as meninas jovens cientistas que estão lendo essa entrevista?

 Simone Paz Vou responder a essa pergunta com um exemplo que chegou até mim, por meio das inúmeras mensagens que recebi, parabenizando-me pela eleição. A mensagem foi de um amigo, contemporâneo da pós-graduação, que, hoje, é professor de uma universidade federal na nossa região. Ele disse que, quando recebeu a mensagem, logo divulgou entre os seus contatos, em especial entre os seus alunos e orientandos, que ele descreveu como sendo a maioria de mulheres (bolsistas Pibic). Ele disse que as meninas ficaram tão empolgadas que começaram a comentar que "gostariam de ser igual a essa professora Simone Paz". Eu fiquei extremamente feliz e realizada, pois, além de desempenhar o nosso papel de formadores de recursos humanos, acima de tudo, tenho a plena consciência de que somos exemplo para os jovens, que se espelham em nós. Então, a mensagem que eu deixo é que procurem se espelhar nos bons exemplos de professores e cientistas, que exercem sua atividade com amor e dedicação. Durante a graduação, é fundamental a aproximação de um bom grupo de pesquisa com  o(a) seu(sua) líder, que, inevitavelmente, deverá ser seu orientador(a), que lhe mostrará o caminho da pesquisa científica. E, finalmente: muita dedicação e trabalho, mais transpiração do que inspiração.

Thaisa Michelan Desde o momento em que recebi a notícia, eu só pensei na representação feminina na ciência brasileira e falei para todas que os “parabéns” eram para nós, mulheres, pois tanto eu quanto a professora Simone representamos o grupo. Temos pesquisadoras e professoras fantásticas na UFPA, por exemplo, em Altamira, a professora Karina Dias, que, com todas as adversidades do interior, consegue levar ensino e pesquisa aos seus alunos de forma excepcional, e, em Belém, a professora Grazielle Teodoro, com a sua admirável dedicação e preocupação com a formação dos alunos. Elas são dois exemplos de inúmeros outros com que temos a sorte de conviver na UFPA e que, todos os dias, lutam para uma Universidade e sociedade mais justas e igualitárias. Sei que essa posição na ABC é importante para todos no Pará, mas, em especial, gostaria muito que nossas meninas, jovens cientistas, olhassem esse momento e entendessem que, com muito esforço e dedicação, nós podemos tudo. Então essa nomeação é para/por todas nós, mulheres que lutam, dia após dia, nos seus trabalhos para mostrar que são capazes e que, apesar das dificuldades que encontram diariamente ao longo de séculos, têm o mundo pela frente.

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