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21/11/15 às 21:56

Procurador da República diz que há terra para todos no Araguaia Xingu

Porém, representante do MPF diz que os direitos dos povos tradicionais devem ser assegurados

Rafael Govari, do ISA via Jornal O Pioneiro

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Procurador da República diz que há terra para todos no Araguaia Xingu

Conforme o procurador, o problema foi o histórico de ocupação, que permitiu a entrada da propriedade privada sem a demarcação de território destinado às comunidades tradicionais

Foto: Rafael Govari – ISA

CANARANA - O procurador da República do Ministério Público Federal de Barra do Garças-MT, Wilson Rocha Assis, concedeu entrevista para falar sobre os problemas fundiários e disputas pela terra na região Norte Araguaia Xingu. Nesta região do Mato Grosso estão 14 municípios e uma parte considerável do território não possui títulos. Além disso, existem disputas pela posse da terra envolvendo vários grupos, como fazendeiros, posseiros, assentados, camponeses, ribeirinhos, extrativistas, quilombolas, indígenas, retirantes... É um barril de pólvora perto de explodir. Sem a atuação do estado, prevalece a lei do mais forte e geralmente as comunidades tradicionais acabam sendo renegadas. Conforme o procurador, o problema foi o histórico de ocupação, que permitiu a entrada da propriedade privada sem a demarcação de território destinado às comunidades tradicionais. Um exemplo claro foi o caso Marãiwatsédé, onde o estado permitiu a entrada da propriedade privada numa terra que pertencia aos índios Xavante, causando posteriormente a desintrusão da área. Dr. Wilson diz que há espaço para todos, mas que não é uma solução fácil. A entrevista foi gravada e conduzida pelo jornalista Rafael Govari, do ISA (Instituto Socioambiental) e do Jornal O Pioneiro. Confira a transcrição do que disse o procurador.
 
RAFAEL- Há uma solução para a disputa pela terra e os problemas fundiários na região Norte do Araguaia Xingu?
DR. WILSON - Não existe solução fácil para um problema complicado como este, que envolve o histórico de ocupação da região, um histórico de ocupação o qual a gente percebe com certa clareza, um histórico de violação dos direitos dos povos e comunidades tradicionais que ocupavam esta região antes da chegada do chamado agronegócio. Então, o que a gente precisa é de criar condições de diálogo para que esses grupos tenham seus direitos reconhecidos e seus interesses contemplados pela ação do estado. A convicção do Ministério Público Federal é que há espaço para todo mundo, assim como a constituição assegura direitos a todos esses grupos, a gente vai ter que, em determinado momento, interritorializar esses direitos e garantir o espaço devido a cada um para que haja condições concretas de exercícios do direito a produção, do direito a propriedade, mas também do respeito aos povos tradicionais, da cultura, a diversidade que já existe, está presente no Vale do Araguaia e Xingu. Então, o esforço do Ministério Público é fazer com que esses interesses encontrem um termo adequado de reconhecimento recíproco. Que as terras indígenas sejam devidamente demarcadas e delimitadas e respeitadas pelos grupos que estão na região desenvolvendo outras atividades, vivendo de maneiras diferentes dos índios. Que os territórios tradicionais dos retireiros do Araguaia, dos quilombolas em Novo Santo Antônio, das comunidades camponesas da região, dos ribeirinhos, pescadores profissionais, que esses territórios sejam reconhecidos, demarcados e respeitados pelos particulares e pelo poder público. Não é um processo fácil de ser construído não, mas precisa ser construído e precisamos chegar a esse objetivo para garantir segurança jurídica para todo mundo que está aqui na região. Que todos esses grupos possam desenvolver seus modos de vida e viver em paz e em tranquilidade.
 
RAFAEL - Como chegamos a essa situação?
DR. WILSON - O Ministério Público entende que o histórico de ocupação dessa região inverteu a seguinte lógica: quando a gente analisa a Constituição da República, os tratados internacionais aos quais o Brasil se obrigou, a gente observa que antes da instalação da propriedade privada, é necessário o reconhecimento e a garantia dos direitos dos povos tradicionais. Quando a gente inverte essa lógica, quando a propriedade privada chega antes do reconhecimento desses territórios tradicionais, a gente passa a enfrentar uma situação de conflito, de conflito pela terra desses grupos que foram esbulhados os territórios que ocupavam imemorialmente. E aí, é a situação que a gente enfrente hoje aqui, a propriedade chegou nas últimas três ou quatro décadas com muita força, força econômica, um poder político muito significativo. Esses grupos [tradicionais] foram sendo encurralados, sendo expulsos de seus territórios e hoje tentam se reorganizar, se articular e apresentar perante o poder público, perante toda a sociedade, as demandas que a gente conhece, de reconhecimento dos territórios, de respeito aos seus conhecimentos tradicionais. Existe uma situação de conflito em razão desse histórico de ocupação do território aqui na região do Vale do Araguaia Xingu.
 
RAFAEL - Uma área de 1,6 milhão de hectares na várzea do rio Araguaia foi declarada como patrimônio da união, mas depois a portaria foi derrubada. Por quê?
DR. WILSON - Bom, atendendo a uma recomendação do Ministério Público Federal, a Secretaria do Patrimônio da União realizou um estudo técnico na região, que era ocupada tradicionalmente pelo grupo dos retireiros do Araguaia, e a partir desse estudo técnico delimitou-se um território de um milhão e seiscentos mil hectares, que foram objeto de uma portaria, a 294/2014, uma portaria de declaração de interesse do serviço público. A União caracterizou esse território como dela própria, como um território federal, terra da união, e em seguida destinou esse território para duas finalidades: regularização fundiária e reconhecimento de território tradicional. Houve uma reação política muito forte a essa portaria, movida por políticos locais e também a nível federal e estadual, e a portaria acabou revogada três meses depois de sua edição. Na portaria revogadora, a SPU constituiu um grupo de trabalho que iria fazer os estudos fundiários da região e apresentar solução para aquela situação posta, ou seja, uma área declarada da União, que é do ponto de vista técnico/jurídico uma área da União, porque é terreno marginal, são áreas alagáveis do rio Araguaia, um rio federal, mas nessa área já está instalada uma série de propriedades que foram tituladas originalmente pelo Estado de Mato Grosso. O MPF entende que de fato essa área é da União, a gente entende que do ponto de vista jurídico a portaria da SPU é correta, estamos de fato diante de uma área federal e diante dessa situação toda, o que a gente defende é que seja feita a regularização fundiária da região, regularização que demanda previamente o reconhecimento e a garantia dos povos tradicionais. Então, dentro desse processo que foi deflagrado pela SPU, mas que acabou sendo um pouco dificultado pela reação política local, o MPF entende pela necessidade de se fazer um estudo detalhado dos títulos que foram expedidos naquela região, as fazendas que existem na área, mas principalmente, que dentro desse processo sejam identificados, reconhecidos, delimitados e garantidos pelo poder público, os territórios que são ocupados pelos povos e comunidades tradicionais da região. Temos vários grupos tradicionais que demandam terra ali. Temos a proposta de criação da RDS (Reserva de Desenvolvimento Sustentável) Mato Verdinho, destinada aos retireiros. Temos estudo de terra indígena Karajá, Tapirapé, naquela região. E temos uma demanda territorial que ainda nem é objeto de estudo técnico na Funai, mas que é uma demanda que já está muito bem caracterizada, que é pelo reconhecimento do território dos Canela do Araguaia. Então é isso que nós temos que discutir, o problema está posto, não dá para negar que existe, um problema que precisa ser enfrentado, com serenidade, mas garantindo que nesse processo de discussão todos os grupos tenham condições de se manifestar e tenham seus direitos assegurados.

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