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08/09/19 às 20:22

Pilotos relatam insegurança e medo de sequestro na profissão

Apenas neste ano, quatro pilotos desapareceram em Mato Grosso; pilotos ressaltam que precaução é necessária

Jad Laranjeira, Mídia News

AguaBoaNews

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Pilotos relatam insegurança e medo de sequestro na profissão

Rolfe Erbe, que atua há oito anos como piloto de aviação executiva

Foto: Alair Ribeiro/MidiaNews

Os casos de sequestros de aeronaves estão se tornando cada vez mais frequentes. Em Mato Grosso, apenas neste ano, pelo menos quatro pilotos desapareceram com as respectivas aeronaves durante o trabalho.
 
O primeiro caso aconteceu no dia 27 de janeiro, quando o piloto Valdemir Elias do  Couto, de 33 anos, sumiu após deixar o aeroporto de Alta Floresta, com destino ao Pará.
 
 
O segundo ocorreu no dia 1º de abril. Na ocasião, o piloto Cleiton Figueiro Rodrigues, de 27 anos, desapareceu após decolar do Aeroporto Canarinho, em Sinop (a 500 km de Cuiabá) também com destino ao Estado do Pará.
 
O terceiro piloto desaparecido é Joerli Silvares Teixeira, de 34 anos, de Guarantã do Norte. O desaparecimento dele foi denunciado pela esposa, que registrou um boletim de ocorrência, relatando que o marido saiu no dia 7 de maio de Espigão d'Oeste (RO) com destino a Fortaleza.
 
No último contato que os dois tiveram, ele disse para a esposa que estava sobrevoando Peixoto de Azevedo. A mulher acredita que a aeronave de Joerli tenha caído entre Mato Grosso e o Pará.
 
Reprodução
pilotos
Cleiton Figuiero, Joerli Silvares, Valdemir Elias e Vamir Nogueira desapareceram

 
O caso mais recente aconteceu no dia 4 de julho, com o piloto Valmir Nogueira Moreira, de 63 anos. Ele foi visto pela última vez na cidade de Poconé (a 104 km de Cuiabá), onde ele saiu com uma aeronave e tinha como destino final uma fazenda em Corumbá (MS).
 
O paradeiro de todos ainda é um mistério. A Polícia Federal é responsável pelas investigações quando ocorre esse tipo de crime. Até o momento, nenhum inquérito foi concluído.
 
Medo e insegurança
 
A reportagem do MidiaNews conversou com alguns pilotos que trabalham ou já trabalharam com táxi aéreo – modalidade mais propícia a ser alvo de criminosos para sequestro ou roubos de aeronaves.
 
Eles afirmam que o medo de voar sempre os acompanha, especialmente aqueles que trabalham com táxis aéreos, bem como os que prestam serviços para empresas privadas. No entanto, afirmam que o medo não é suficiente para levá-los a desistir de voar, profissão apontada como uma “paixão”.
 
De acordo com Rolfe Erbe, que atua há oito anos como piloto de aviação executiva, não dá mais pra confiar que ao menos o piloto seja liberado quando um avião é alvo sequestro. Segundo ele, antes era praxe os bandidos liberarem o piloto logo após o roubo, porque até então o interesse sempre havia sido no sequestro da aeronave para o contrabando de drogas, entre outros crimes.
 
Apesar de nunca ter passado por nenhuma situação de risco enquanto voava, ele conta que já fez trabalhos que são considerados perigosos, como por exemplo o transporte de valores.
 
“No começo da minha carreira, eu fazia muito o transporte de valores, que é uma coisa que dá um pouco de preocupação para gente, assim como táxi aéreo. O receio existia, mas o sistema que operávamos era muito bem armado, quando tinha esse tipo de trabalho”, afirma.
 
“A primeira coisa que [os clientes] fazem é nos avisar, no dia anterior, o horário que vai ser o voo. Só que o que eles marcam, eles não cumprem. Por exemplo, se marcam para as 7h, eles aparecem às 8h ou 9h, para justamente que nem nós tenhamos domínio de horário, porque lá a operação dura 10 minutos", explica.
 
"Além disso, o pouso só acontece se tiver pelo menos um carro da Polícia Federal e um caminhão blindado na pista. A ordem sempre foi essa. Se tiver tudo certo, aí a gente pousa”, completa.
 
Ele relata que já realizou o transporte de presos, mas que assim como o transporte de valores, tudo sempre foi muito bem planejado.
 
“Em 2012, fui buscar uma quadrilha em Belo Horizonte (MG). A operação foi feita em vários lugares e havia  presos de diversas situações. Nesse dia o esquema de segurança foi muito forte, porque o nosso medo era sequestro nos pontos de abastecimentos”, conta.
 
Segundo ele, o destino das aeronaves que são sequestradas é sempre o mesmo: Bolívia. E uma vez que chega ao País, o Governo não os devolve e dá um “jeitinho” de colocarem para atuar em prol do País.
 
“Todo avião que cai na Bolívia não volta. Isso é uma coisa que eu queria entender, porque o Governo não se manifesta. A gente sabe que às vezes isso é forma de ‘pagamento’. E aí é criada toda uma história em cima. O piloto, às vezes, se lasca no sequestro e ainda há a duvida se ele foi sequestrado realmente ou se foi algum tipo de roubo pra receber seguro, ou para fazer pagamento ilícito", diz.
 
Ele afirma que, muitas vezes, o piloto até sabe onde o avião está, mas não pode fazer nada, porque a aeronave já pertence à Força Aérea Boliviana.
 
"E isso é, no mínimo, curioso. Os aviões que foram roubados aqui tiveram que ser 'resequestrados' lá para poder voltar para o Brasil. Senão, não volta”, afirma.
 
“Eu tenho certeza que se cair um avião boliviano no Brasil, ele vai ser extraditado, porque avião com matricula estrangeira e voando sem plano de voo aqui já pode ser interceptado pela Força Aérea”, ressalta.
 
Erbe afirma que o segredo é sempre estar em estado de alerta, independente do local de pouso. De acordo com ele, as pistas mais visadas em Mato Grosso são as de Tangará da Serra e Cáceres, mais conhecidas como “rota do tráfico”.
 
“Na aviação particular, você não sabe onde vai pousar. A precaução que eu tomo é sempre não ficar muito perto do lugar depois do pouso. Quando a gente vê que está muito limpo o lugar, ou ermo, sem nada por perto, eu sempre pego um táxi e vou para outro lugar esperar”, diz.
 
“Mato Grosso tem muita pista que, quando você pousa, parece mais uma estrada abandonada. Mas também é porque não há motivo para um fazendeiro deixar alguém cuidando da pista. Por isso que chamamos de rota de tráfico, porque tem muita pista que simplesmente não tem ninguém por perto”, afirma.
 
A ordem sempre é a mesma para todos os pilotos: informar o local que está indo. Caso seja um lugar desconhecido, deve informar os demais colegas, por meio de WhatsApp, para saber se alguém no endereço informado opera ou tem conhecidos na região que cuidem da pista. A intenção é saber se o pouso pode ser feito durante a noite ou se há algum vigilante.
 
Alair Ribeiro/MidiaNews
Asta Aviação 15082019
Maioria das aeronaves roubadas tem a Bolívia como destino

 
Envolvimento com tráfico
 
Muitos roubos de aeronaves acontecem também por conta do envolvimento dos próprios pilotos, que possuem informações privilegiadas que facilitam na hora de cometer o crime, segundo o profissional.
 
Erbe, que também dá aulas em uma universidade em Cuiabá, afirma que já viu alunos e também colegas de trabalho se envolverem em sequestro de aeronaves.
 
“Já tive vários colegas presos e envolvidos. Como trabalhei com escola de aviação e também dou aula em uma universidade, muita gente passa por nós. Já tive aluno que virou ladrão, que era assassino, que traficava. Teve alguns, inclusive, que me surpreenderam porque era de nosso convívio, muito próximo. Aqui tem uma espécie de 'fábrica de malandros'", lamenta.
 
O profissional explica que o perigo em se envolver nesse tipo de crime é sempre debatido em sala de aula e como essas decisões podem afetar toda a carreira que almejam no futuro.
 
“Sequestrador de avião não tem muito valor no nosso meio, e felizmente a gente tem uma rede muito rápida por meio do WhatsApp. Então, se alguém aprontar algo, por exemplo, no nordeste  a gente fica sabendo em uma hora no máximo. Outro exemplo é se tiver algum piloto foragido. Nós nos comunicamos e o isolamos”, afirma.
 
Sequestro por índios
 
O piloto Josemar Trampush, que atua na área há 12 anos, conta que já viveu momentos de terror ao ter a aeronave sequestrada por índios em uma aldeia na região do Parque Indígena do Xingu, em Mato Grosso.
 
Em casos como esse, segundo ele, é feito um pedido de resgate para que o avião, o piloto e o restante a equipe sejam liberados.
 
Na aviação particular, você não sabe onde vai pousar. A precaução que eu tomo é sempre não ficar muito perto do lugar depois do pouso.
 
Na ocasião em que foi sequestrado, ele relata que levava uma equipe do Discovery Channel para produzir uma reportagem na localidade. Segundo ele, a viagem já estava toda acertada, mas quando estavam se preparando para irem embora, os índios impediram a equipe de deixar o local, exigindo dinheiro para que fossem liberados.
 
“Aconteceu em 2012. Eu havia levado pessoal para fazer filmagens e quando já tínhamos feito tudo, na hora de vir embora, a situação complicou. Eles prenderam todo mundo na aldeia. Estávamos no meio do Xingu e não tinha pra onde fugir, porque é mata para todo o lado. Foi quando começaram as ameaças: 'Quando chegar guerreiro, guerreiro vai matar vocês, se não pagarem'; 'para sair tem que pagar'; 'vieram sem autorização'", relembra Trampush.
 
Ela afirma que chegou a ser agredido e a equipe só foi liberada porque a equipe da Discovery Channel tinha em mãos R$ 20 mil para gastos e deram a eles.
 
O comandante da aeronave disse que sentiu muito medo na ocasião.
 
“Você se sente vulnerável, porque a lei não pega eles. Eu sentia que, se eles quisessem me matar ali e jogar num canto, ninguém ia reclamar. Eles não iriam arcar com alguma conseqüência, é complicado. Mas eles também não estão errados. Estão dentro do terreno deles, é o direito deles. A gente tem que ver os dois lados”, diz.
 
Esse tipo de sequestro mediante a exigência de alto valor em dinheiro já acontece há vários anos, muitas vezes em aldeias no Pará e no Norte do Xingu, conforme os pilotos.
 
Em 2017, dois empresários mato-grossenses também foram sequestrados por índios em São Félix do Xingu, no Pará, que exigiam R$ 100 mil para que os liberasse.
 
Eu havia levado pessoal para fazer filmagens e quando já tínhamos feito tudo, na hora de vir embora, a situação complicou. Eles prenderam todo mundo na aldeia.
 
“Sequestro de índio não é incomum. Eles prendem o avião mesmo com o pessoal da FUNAI [Fundação Nacional do Índio] dentro, mesmo autorizados. Quando eles acordam e resolvem que o avião é deles, e alguém tem que pagar por isso, é isso”, afirma Trampush.
 
Amor pela aviação
 
Apesar de todos os riscos da profissão, os pilotos ressaltam que amam a carreira que escolheram.
 
“No final, é a aviação que escolhe você, e nessa condição os riscos são inevitáveis. Resta a nós, como pilotos, entendê-los e reduzir a exposição a eles”, afirma Erbe.
 
À reportagem, o comandante Thiago Torrente, que também se diz apaixonado pela profissão, afirma que a profissão é arriscada, mas gratificante.

"A falta de rotina sempre me atraiu, e você acaba não tendo um trabalho convencional, de ficar o dia inteiro em uma sala, em um local fechado. O trabalho na aviação é um ambiente bem dinâmico. Você nunca vai ter um dia igual ao outro, por mais que sejam parecidos. Sempre vai ser diferente ou ter uma dinâmica diferente", conta.

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