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09/06/19 às 10:46 / Atualizada: 09/06/19 às 11:41

Estradas precárias dificultam avanço de cidades 'filhas da soja' em MT

Há rodovias sem pavimentação e outras que 'morrem' no meio de fazendas. Trajetos passam por lugares sagrados para indígenas, que também se preocupam com o avanço das lavouras para os limites do Parque do Xingu.

Globo Rural

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Estradas precárias dificultam avanço de cidades 'filhas da soja' em MT
Estradas precárias dificultam avanço de cidades 'filhas da soja' em MT

A vila de Santiago do Norte, em Mato Grosso, quer virar cidade, mas, para isso, precisa de caminhos possíveis para alcançar novos lugares. A maior dificuldade para o distrito de Paranatinga que quer ser município está nas vias de acesso.
 
De um lado, está a estrada que leva até a sede do município, a 158 quilômetros de distância. De outro, a BR 242, que sai de Sorriso e morre dentro da fazenda da família do empresário Odir Nicolodi. É o espaço planejado, justamente, para abrigar a nova cidade.
 
A estrada está parada dentro da propriedade há 5 anos.
 
Mato Grosso é o maior produtor brasileiro de soja: no ano passado, foram quase 32 milhões de toneladas. Na última safra, o país produziu 116,9 milhões de toneladas do grão, enquanto os Estados Unidos, produziram 119,5 milhões. Mas, se dá para competir com os americanos na produção, no transporte fica impossível.
 
A expansão da soja no Mato Grosso se deu ao longo da BR 163, estrada que fica praticamente intransitável em épocas de chuva. Muitas cidades foram surgindo e se enriquecendo graças à soja nos 40 últimos anos.
 
Depois, a expansão mudou seu rumo e foi crescendo para leste, no trajeto da BR 242. Agora, a agricultura não tem mais para onde crescer: as plantações estão esbarrando nos limites do Parque Indígena do Xingu.
 
Quando o parque foi demarcado, em 1961, ficaram de fora as mais de 22 mil nascentes do rio Xingu, que correm dentro do parque. Essas nascentes estão espalhadas pelas fazendas de criação de gado e produção de soja. Ficaram de fora também muitos lugares sagrados para os indígenas, como a caverna de Kamakuaká.
 
Guiada por indígenas da etnia Waurá, a reportagem foi conhecer o local. A entrada da caverna é pequena, mas esconde uma oca por baixo da terra. O teto é muito baixo, mas, segundo o cacique Eleuka Waura, nem sempre foi assim e vários povos viviam ali dentro.
 
"A terra está subindo por conta do desmatamento ali em cima. Está tudo desmatado, por isso a terra desce toda para cá. O resultado para nós é esse aqui", afirma, no seu idioma, apontado para o teto.
 
A história da caverna de Kamukuaká tem algumas versões, algo comum em mitos guardados apenas pela tradição oral.
 
A que os Waurá contam é a seguinte: lá vivia o povo Kamukuaká. Um dia, o sol mandou mandou uma cobra grande, que vive até hoje do outro lado do rio atacar esse povo. As araras, então, cavaram um outro buraco na caverna para que o povo pudesse sair e ir para o céu. Esse povo desapareceu, mas continua vivo, em espírito, pela caverna.
 
A caverna é também um sítio arqueológico, e guarda muitos desenhos ainda visíveis. Para os Waurá, é tradição ir até o local sagrado, onde os mais velhos contam as histórias do mito da criação do mundo para as crianças e os mais jovens.
 
Pelo traçado original, a BR 242 passaria muito próxima à caverna Kamukuaká. Um novo traçado mais distante, como os indígenas gostariam, respeitaria o espaço sagrado, mas nada ainda está definido pelo governo federal.
 
Asfalto só na promessa
 
De Santiago do Norte, a reportagem partiu para Gaúcha do Norte, para depois seguir viagem até Canarana. Em duas horas de viagem, percorreu 40 quilômetros.
 
O município de Gaúcha do Norte vem crescendo desde 1980 com a certeza que de a BR 242 estaria asfaltada há mais de 30 anos, mas a estrada ainda é de terra.
 
"A BR 242 é a vida de Gaúcha do Norte porque o lugar surgiu quando falaram assim: vamos fazer uma cidade neste local porque aqui vai ter uma rodovia federal e vocês vão ter melhores condições de chegar. Já se passaram 38 anos e até hoje nós continuamos no chão", conta o corretor de imóveis Luis Vitorio da Silva.
 
Soja x floresta
 
Parte das terras de Gaúcha do Norte está dentro do Território Indígena do Xingu. Uma fazenda de 2,5 mil hectares de soja fica bem no paralelo 13, uma divisa entre a terra dos brancos e a dos indígenas. Dá para ver o marco do Parque Nacional do Xingu.
 
"Nos anos 1980, quando meus pais chegaram aqui, a Funai fez o picadão demarcando a área indígena. E, nessa época, já veio o anseio de construir a 242. Então, a Funai demarcou de 5 em 5 quilômetros para deixar bem claro que, ali, homem branco não entra", conta Luis.
 
A proximidade tão grande entre os campos de soja e a floresta é motivo de preocupação para o coordenador da Funai-Xingu, o indígena Kumaré Txicão.
 
"Atualmente o parque tem sofrido mais com a aproximação e desmatamento para plantação de soja em torno do Parque Indígena do Xingu", diz. "Quando jogam veneno [nas plantações], ele deságua na água e prejudica a saúde das comunidades", completa.
 
Segundo ele, outro problema é que o vento joga o veneno para dentro da aldeia na época da colheita da mandioca.
 
Para o presidente da Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso (Aprosoja), Antônio Galvan, essa proximidade entre a lavoura e o parque e o uso de defensivos agrícolas não trazem nenhum prejuízo, nem para a água e nem para a floresta.
 
"Agora, a gente não vê esse problema, não. Porque a natureza é tão pródiga e tão resistente que, se você passar até um inseticida na floresta, com certeza você vai ajudá-la. Porque sempre tem lá os seus inimigos tentando consumi-la. Mas a gente não tem esse objetivo, [a gente] não passa [na floresta] pelo fato de ser um produto muito caro. E a gente utiliza ele na lavoura, com certeza."
 
Desmatamento x recuperação
 
O Parque Indígena do Xingu tem dentro de sua área parte do território de nove municípios. Todos são grandes plantadores de soja, que estão nos limites do parque.
 
Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), nos últimos anos, o desmatamento cresceu em Mato Grosso, com perdas de quase 200 mil hectares por ano. Ou seja, uma área maior do que o município de São Paulo é desmatada a cada ano, só no estado.
 
A agrônoma Eliane Felten foi durante 12 anos secretária de Agricultura de Canarana, tempo em que criou projetos de reflorestamento no município. Ela acredita que é preciso encontrar o equilíbrio entre a produção e a proteção ambiental.
 
"Se o fazendeiro tem um potencial de fazer um grande estrago, se ele quiser recuperar, o potencial também é grande de recuperação", diz.
 
A agrônoma pensa no equilíbrio entre produção e meio ambiente, os produtores pensam em aumentar suas produções de grãos, os índios pensam na preservação da floresta e lugares sagrados, o empreendedor pensa no asfalto e em uma nova cidade. Como será daqui a 20, 30 anos, a paisagem desse lado do Brasil?

Ver vídeo da reportagem abaixo>>>

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  • por Edee, em 24/06/19 às 11:46

    Esta,faltando homem sério para governar e ditar as leis cabíveis e sensatas.

 
 
 
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