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24/12/18 às 09:32 / Atualizada: 24/12/18 às 09:49

Mulher relata que foi abusada por João de Deus cerca de 20 vezes: 'Não é possível que não vai ter fim'

Em entrevista exclusiva ao Fantástico, ela mostrou diário em que registrou encontros com o médium entre 2009 e 2010. Centenas de mulheres denunciaram que foram abusadas pelo médium, que está preso em Goiás e nega todas as acusações.

James Alberti, Fábio Castro, Tiago Eltz, Vera Souto e Vanessa Martins, G1 GO

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Mulher relata que foi abusada por João de Deus cerca de 20 vezes: 'Não é possível que não vai ter fim'

Engenheira Gleice Lima, que contou ter sido abusada por João de Deus

Foto: Reprodução/TV Globo

Uma mulher relatou que foi abusada por João de Deus entre 2009 e 2010 cerca de 20 vezes durante atendimentos espirituais na Casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia, Goiás. Ela contou sobre os abusos em entrevista exclusiva ao Fantástico e mostrou os registros que fez na época em um diário. O médium está preso suspeito de abusar de mulheres que procuravam tratamento espiritual. Ele nega as acusações.
 
A mulher contou que ficou deprimida e chegou a pensar em suicídio na época em que foi abusada pelo médium. “Eu pensava: gente, não é possível que isso não vai ter fim”, disse.
 
A vítima relatou que tinha 20 anos na época dos abusos e mantinha um diário – único espaço em que se sentia confortável para falar sobre o que passou. Em um dos registos, ela escreveu: “A vez que ele foi mais longe”.
 
“Ele ficava com o pênis dele passando no meu ventre. Colocava no meio das minhas nádegas”, disse.
 
Mulher escreveu em diário sobre abusos de João de Deus em Abadiânia, Goiás — Foto: Reprodução/TV Globo
Mulher escreveu em diário sobre abusos de João de Deus em Abadiânia, Goiás — Foto: Reprodução/TV Globo
 
Outro trecho do caderno mostra quando ela registrou uma ordem do médium, pedindo que ela prometesse que não iria perder peso. Em um terceiro momento, ela contou que ele havia prometido pagar pela formatura dela. A vítima disse ainda que chegou a reclamar para o próprio João de Deus, se mostrando desconfortável com a situação.
 
“Eu reclamei: cara, você está me deixando doente. Eu estou ficando cada vez pior. Mas ele: ‘Não. Você é forte’”, contou.
 
O Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) informou que o diário dela, cartas e passagens entregues por outras mulheres servem como documentos e farão parte das denúncias.
 
Casa Dom Inácio de Loyola, onde João de Deus fazia seus atendimentos, em Abadiânia, Goiás — Foto: Alessandro Vieira/TV Anhanguera
Casa Dom Inácio de Loyola, onde João de Deus fazia seus atendimentos, em Abadiânia, Goiás — Foto: Alessandro Vieira/TV Anhanguera
 
A engenheira Gleice Lima, brasileira que mora em Chicago, nos Estados Unidos da América (EUA), contou que já esteve em Abadiânia para passar por tratamento espiritual com João de Deus. Na época, ela tinha recebido diagnóstico de leucemia que, mais tarde, descobriu que estava errado.
 
A mulher contou que, na época, o médium disse que ela estava muito mal e, por isso, precisaria ficar em Abadiânia. Ela disse que, ainda no hotel onde ela estava hospiedada, João de Deus a forçou a fazer sexo oral nele, mas ela cuspiu no médium. A partir de então, ela disse que começou a ser ameaçada.
 
"Ele falou: 'você fica quieta, menina. A partir de hoje você não vai falar nada, você não vai embora. Se você falar para alguém, alguma coisa muito ruim vai acontecer com o seu filho'. Eu sabia que se ele quisesse me ver definhar e ele fizesse alguma coisa para mim, eu tinha certeza que ia acontecer", contou.
 
Ainda em Abadiânia, mesmo em meio ao medo, Gleice disse que conheceu um lituano deficiente auditivo que também procurava cura pelas mãos de João de Deus. Eles se apaixonaram, foram morar juntos e tiveram um filho.
 
Segundo Gleice, durante o tempo que ficou lá, o médium pedia que ela se aproximasse dele, se oferecendo para desenvolver a mediunidade dela, se tornando membro do grupo de assistentes pessoais dele. Ela contou que ficou dois anos lá e observou o médium de perto.
 
"Uma vez eu vi ele escondendo uma arma em um dos sofás no escritório dele. [...] Ele participava de garimpos de ouro no Pará, garimpos de esmeralda, isso em áreas indígenas e coisas do tipo", relatou.
 
O médium João de Deus, preso em Goiás sob acusação de abuso sexual — Foto: Reprodução/TV Anhanguera
O médium João de Deus, preso em Goiás sob acusação de abuso sexual — Foto: Reprodução/TV Anhanguera
 
A engenheira disse ainda que se lembra de ouvir o médium dizer que não viajaria para realizar curas no exterior por menos de R$ 1 milhão. "O interesse dele era estritamente financeiro. Eu não conheci uma pessoa que foi curada na Casa", comentou.
 
Gleice e o namorado se mudaram de Abadiânia para os EUA em 2015, onde vivem atualmente. Mesmo anos depois, ela relata que só agora está conseguindo falar sobre os abusos, que a marcaram.
 
"O João deu essa eperança e ele tirou. Ele agiu da forma mais covarde, porque ele tirou de mim a fé que eu tinha nas pessoas", disse.
 
Em ligação, o advogado de João de Deus, Alberto Toron, disse que os casos das mulheres que falaram na reportagem devem ser tratados em processo, individualmente.
 
Investigações
 
João de Deus está preso desde o dia 16 de dezembro, quando se entregou à polícia. Ele tem dois mandados de prisão: um por suspeita de abusos sexuais contra mulheres e outro por posse ilegal de arma de fogo. A defesa dele teve dois pedidos de soltua negados e recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF).
 
O médium prestou depoimento logo após a prisão. Ele afirmou à Polícia Civil que, antes de as denúncias virem à tona, foi ameaçado por um homem, por meio de uma ligação de celular. Além disso, negou os crimes e que tenha movimentado R$ 35 milhões nos dias anteriores à prisão.
 
O promotor Luciano Miranda contou que o MP-GO recebeu 596 e-mails entre denúncias, agradecimentos de vítimas, reclamações e até mensagens de apoio ao médium. Analisando os textos, o órgão levantou que há 255 vítimas em potencial. Dessas, 121 informaram as idades que tinham quando se sentiram abusadas.
 
"Foram identificados nesses e-mails recebidos que as vítimas tinham, na época dos abusos, de 9 anos até 67 anos", contou.
 
O MP-GO passou a receber denúncias depois que a coreógrafa holandesa Zahira Leeneke Maus e outras mulheres apareceram no programa Conversa com Bial contando o que passaram.
 
Polícia diz que mala de João de Deus tinha R$ 1,2 milhão em dinheiro vivo — Foto: Reprodução/JN
Polícia diz que mala de João de Deus tinha R$ 1,2 milhão em dinheiro vivo — Foto: Reprodução/JN
 
Buscas e apreensões
 
Nesta sexta-feira (21), o MP-GO e a Polícia Civil voltaram à Casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia, onde os abusos teriam ocorrido, além de outros endereços do médium. Durante a ação, eles apreenderam uma mala com R$ 1,2 milhão, esmeraldas e medicamentos. Mandados de busca anteriores já haviam encontrado mais R$ 400 mil em moedas nacional e estrangeiras e armas na casa dele.
 
Vídeos obtidos com exclusividade pelo Fantástico mostram que o dinheiro e outros objetos apreendidos estavam em esconderijos - alçapões e fundos falsos.
 
O Fantástico mostrou o interior de uma das casas de João de Deus. As imagens foram feitas na residência dele em Anápolis, a 55 km de Goiânia, e revelam um imóvel tem dois andares, quatro quartos, uma suíte com hidromassagem e um elevador.
 
Em entrevista exclusiva ao Fantástico, o delegado Valdemir Branco, que faz parte da operação que investiga o médium, comentou sobre a grande quantia em dinheiro achada. “Se ele escondeu é porque veio de algo ilícito. Ele terá que dar explicações”, afirmou.
 
A defesa do médium disse que a explicação para tanto dinheiro são doações que ele foi acumulando ao longo de 40 anos. Já os esconderijos existiam, segundo o advogado, por medo de assalto, crime do qual o médium já foi vítima.
 
A Vigilância Sanitária também participou desta ação e fez apreensões na farmácia da Casa Dom Inácio de Loyola, que fabrica e vende fitoterápicos. No local, eles recolheram "amostras de medicamentos e de água mineral vendida como fluidificada". A equipe também interditou o laboratório do local. Segundo o órgão, eles estavam produzindo medicamentos em escala industrial mesmo sem autorização.
 
Médium receita medicamentos que só são vendidos na Casa Dom Inácio — Foto: Reprodução/JN
Médium receita medicamentos que só são vendidos na Casa Dom Inácio — Foto: Reprodução/JN
 
Próximos passos
 
Os promotores pretendem ouvir João de Deus ainda nesta semana e denunciá-lo em seguida. Junto com o inquérito já fechado pela Polícia Civil, o órgão deve juntar outros casos recentes, ainda deste ano.

 
"Além do inquérito da Polícia Civil, o MP pretende agregar outros três fatos: dois crimes de violação sexual mediante fraude e um de estupro de vulnerável", explicou Luciano.
 
Situação atual
  • Médium é investigado por estupro, estupro de vulnerável, violação sexual mediante fraude e posse ilegal de arma;
  • MP recebeu 596 relatos de abusos sexuais e identificou 255 vítimas;
  • Mulheres que denunciaram João de Deus ao MP têm entre 9 e 67 anos;
  • Médium está preso desde o dia 16 de dezembro no Núcleo de Custódia do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia;
  • Polícia Civil colheu depoimentos de 16 mulheres. Um inquérito foi concluído e há oito em andamento;
  • Em operações em endereços ligados a ele foram achadas armas, pedras preciosas e mais de R$ 1,6 milhão;
  • Justiça também decretou a prisão do médium por posse ilegal de armas de fogo;
  • Há relatos de supostas vítimas 15 estados brasileiros e outros seis países;
  • MP e polícia também querem apurar denúncia de lavagem de dinheiro;
  • Não há pedido para suspensão do funcionamento da Casa Dom Inácio de Loyola, mas laboratório que fazia medicamentos no local foi interditada;
  • Defesa teve dois habeas corpus negados e foi ao STF;
  • Mesmo que o ministro Dias Toffoli conceda o habeas corpus, João de Deus segue preso por causa do outro mandado de prisão

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