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17/10/18 às 12:25

Como as pessoas intensificam a percepção da violência

Em Cidade de Muros, publicado nos anos 1990, socióloga Teresa Caldeira mostra como as experiências traumáticas do crime podem aumentá-lo

Débora Ramos

AguaBoaNews

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Como as pessoas intensificam a percepção da violência

Foto: Divulgação

Na metade dos anos 1990, a socióloga brasileira Teresa Caldeira publicou um dos livros mais importantes das ciências sociais dos últimos tempos, Cidade de Muros, baseado em pesquisas etnográficas que ela fez entre 1989 e 1991 no Jardim das Camélias, na zona leste de São Paulo, na Mooca, na região central, e em Pinheiros, na zona oeste.
 
Hoje, a obra é leitura obrigatória desde cursos de Ciência Política, Sociologia até na faculdade de Psicologia, de Economia, Direito e Arquitetura e Urbanismo.
 
A fama de Cidade do Muros se explica em parte pelo fenômeno que Caldeira chamou de fala do crime, isto é, um conjunto de interações, discursos, narrativas e relações que tenta reorganizar simbolicamente o mundo a partir de rupturas com a ordem estabelecida pela violência.
 
Em outras palavras, há um antes e depois que uma pessoa tem uma experiência violenta, cujo código para reorganização é a fala do crime. Mais do que isso, esse reordenamento serve para explicar todos os processos sociais latentes, como crises econômicas e mudanças na cidade que as pessoas enfrentam depois do trauma de ter sido assaltado, por exemplo.
 
Segundo a socióloga, é durante essas crises que se criam estereótipos simplistas que são reproduzidos em diversos níveis sociais posteriormente, como os preconceitos contra nordestinos e negros em São Paulo que ela notou durante seus estudos.
 
"O crime organiza a estrutura de significado e, ao fazer isso, combate a desorganização da vida produzida pela experiência de ser vítima da violência. No entanto, esse uso do crime como divisor entre um tempo bom e outro ruim simplifica o mundo e a experiência", diz um trecho do livro.
 
"A divisão entre antes e depois acaba, reduzindo o mundo à oposição entre o bem e o mal [que não existia antes], que é a oposição central que estrutura as reflexões sobre o crime", continua.
 
O crime, para Teresa Caldeira, oferece uma linguagem para expressar, de maneira sintética, os sentimentos relacionados às mudanças nos bairros, na cidade e na sociedade brasileira de modo geral. Essas mudanças são vistas como um retrocesso pelos velhos moradores e sua associação com a invasão dos bairros por "criminosos".
 
A fala do crime, assim, é "produtiva", porque cria e reforça estereótipos ao tentar reorganizar a experiência da vida rompida a partir de um fato violento do qual a pessoa foi vítima.
 
Originalmente publicado em inglês na Universidade de Berkeley, na Califórnia, nos EUA, onde Teresa Caldeira fazia doutorado quando publicou o livro, ele só foi traduzido para o português anos depois.
 
Após o lançamento e diante de críticas que recebeu no Brasil, a socióloga reafirmou que não negava que o crime existe e que ele é normativamente ruim, mas que a fala do crime reproduz a violência e a aumenta. Portanto, ela não deixa de reconhecer que as queixas das pessoas são legítimas e que as experiências da violência são traumatizantes, mas a fala do crime alastra ainda mais o fenômeno -- o que inverte sua consequência.

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