Para a titular da Delegacia de Crimes Cibernéticos, Sabrina Leles, não há dúvidas de que ao menos a morte de um dos cinco adolescentes – Higor Pires Moreira, de 15 anos, que se enforcou em 21 de fevereiro – tenha ocorrido por influência de uma comunidade do Facebook administrada por adolescentes.
A polícia disse que ainda não há comprovação de vínculo do grupo com o suicídio de Gabriel Câmara, de 13 anos. Em outras três ocorrências – uma jovem de 19 anos de Montividiu e duas de 15 anos de Rio Verde – foram encontrados amigos em comum com os administradores.
O dono da comunidade confirmou que as vítimas eram membros, mas negou em uma publicação incentivar suicídio. "Não temos nenhum envolvimento com essas mortes, e se ouve grupos terceiros usando o nome do nosso grupo e induzindo o suicídio coletivo, nós não estávamos cientes disso (sic)."
Mensagens trocadas em grupo investigado pela Polícia Civil de Goiás; participante fala sobre levar cordas para encontro dos membros (Foto: Reprodução)
Ainda na publicação, o dono da comunidade afirmou que o grupo é "de humor e entretenimento virtual, onde 50% dos membros são depressivos e a maioria estão procurando diversão e novas amizades, o grupo em si não é responsável por qualquer ato de suicídio coletivo, nós não somos a favor disso e em nenhum momento apresentaram provas onde nós administradores do grupo, induzia tal membro a se matar (sic)."
A polícia afirmou que os quatro administradores do grupo identificados até agora e têm idades entre 14 e 19 anos. Eles usam um prenome acompanhado de uma palavra arábe, para se identificarem enquanto “família” e reforçarem quem tem o “poder”.
Mensagens trocadas em grupo investigado pela Polícia Civil de Goiás por suspeita de estímulo a suicídio; participantes comentam receber desafios (Foto: Reprodução)
Se comprovado que eles têm relação com os crimes, eles podem responder por ato infracional análogo à induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio. Por serem menores de idade, não podem passar mais do que três anos em reclusão.
A reportagem também tentou contato com o Facebook, mas o e-mail não foi respondido. Em seu “Termos de serviço”, a rede social veta aos usuários carregar vírus; intimidar, assediar ou praticar bullying; publicar conteúdo com discurso de ódio, ameaças, pornografia e incitação de violência; e praticar altos ilegais, maliciosos e discriminatórios.
Segundo a delegada Sabrina Leles, os curadores “recebem” os novos integrantes da comunidade virtual buscando saber todos os detalhes da vida deles.
“Perguntam sobre dificuldades de relacionamento, dificuldades com a família. Depois, usam isso contra esse menino: ‘você é um pobre, você é um nada, seu pai nem gosta de você. Você um dia vai morrer mesmo, por que não morre agora e acaba com o sofrimento antes’. É assim que funciona.”
Os participantes têm uma lista de desafios a cumprir caso queiram se tornar mais populares. Meninas são induzidas a tirar fotos nuas, com uma mensagem em alusão ao nome da comunidade gravada na pele, em regiões íntimas. Também são “parabenizados” os jovens que fazem selfies com o nome dos administradores escritos em papeis.
“O objetivo [dos administradores] é realmente essa falsa impressão de poder. Têm uma mente realmente criminosa, apesar da idade”, diz a delegada. “[O objetivo] Das vítimas é a sensação de pertencimento, ‘estou com pessoas me entendem’.”
Sabrina afirma que já se identificou que uma brasileira de 15 anos que morava no País Basco tirou a própria vida em setembro de 2017 influenciada pelo grupo. A polícia apurou que os administradores influenciam os adolescentes a tomarem remédios antes do suicídio, para se sentirem mais corajosos e ficarem mais aéreos, com possibilidade de reação reduzida.
“Eles falam [para as vítimas] ‘sua família não te ama, seus amigos não gostam de você, ninguém valoriza você’. Fazem o adolescente se sentir compreendido e dizem que ele pode abreviar esse sofrimento”, explica a delegada.
‘Situação mais inesperada’
A morte do filho caçula continua causando dor e indignação ao gerente de vendas Onilton Pires Moreira, de 45 anos. O homem conta que, cerca de 30 dias antes, o garoto – sempre sorridente e carinhoso – passou a se isolar mais. Não havia, porém, nenhum indício de que houvesse problema.
“Na parte do convívio familiar, ele estava um pouco mais afastado, queria ficar mais na internet. Muitas vezes a gente saía para a vida social e ele não queria. Como era um excelente filho, nunca nos deu problema, a gente acabava não insistindo muito, porque a gente achava que podia estar envolvendo a privacidade dele”, explica o pai.
Onilton diz não saber como o caçula se envolveu com a comunidade virtual, mas acredita que os administradores podem ter se aproveitado do fato de ele ser um menino bondoso e dedicado à família.
“Penso que pode ter havido algo como ‘a gente vai matar sua mãe, a gente vai matar o seu pai’.”
O gerente de vendas Onilton Pires Moreira e o filho caçula, Higor Pires Moreira; jovem se suicidou por influência de grupo da internet, diz polícia (Foto: Onilton Pires Moreira/Arquivo Pessoal)
No dia do suicídio, Higor pediu para faltar à escola alegando dor de garganta. Ele tomou 36 comprimidos de um remédio usado pelo pai para controlar a pressão arterial – o gerente de vendas é hipertenso e toma um por dia. Após ser questionado pela mãe, disse que a amava e saiu de casa enquanto ela entrava no quarto dele em busca de outras medicações.
O jovem foi encontrado enforcado no dia seguinte, em uma casa vazia a três lotes da na qual ele morava com a família. O pai lembra de procurá-lo no campo onde jogava futebol e em hospitais, além de acionar a polícia.
“Eu imaginei todas e quaisquer possibilidades, menos encontrar meu filho morto. Era a única possibilidade que não passava pela minha cabeça, até porque não tinha nenhum motivo para ele se suicidar, não tinha nenhum motivo para isso acontecer.”
A delegada Sabrina Leles afirma que os pais precisam ficar atentos à forma como os filhos usam a internet. "Não [podem] ignorar sinais que os filhos estão dando e qual conteúdo cibernético esta chamando atenção desses filhos."
A Polícia Civil considera estar com as investigações avançadas, ainda sem previsão para o fim do inquérito. Sabrina explica ter aberto as informações para evitar que haja novas vítimas até a punição de eventuais responsáveis.
O gerente de vendas Onilton Pires Moreira disse esperar que outras pessoas não sintam a dor que ele está sentindo.
"Nós como pais, queremos dar tudo para os filhos ,toda liberdade, tudo que a gente não teve. Eu acho que é por aí que às vezes a gente começa com os erros. Tudo aquilo que eu não tive, eu quis dar aos meus filhos."
"E com isso, talvez, eu tenha dado muitas informações e tecnologias, jogos em rede, jogos online, internet de alta geração, equipamentos de alta geração, e, como se diz, deixei ele viver o mundo dele, por mais que a mãe vigiasse.