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03/04/18 às 15:22

Goiás - Polícia investiga grupos na web por incentivo a suicídio de adolescentes; houve cinco casos desde fevereiro

Em mensagens de celular, há citações a mortes coletivas e cordas. Dono de comunidade virtual com 18 mil seguidores negou incentivar crime.

Raquel Morais, G1 GO

Edição: Clodoeste 'Kassu' AguaBoaNews

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Goiás - Polícia investiga grupos na web por incentivo a suicídio de adolescentes; houve cinco casos desde fevereiro

Mensagens trocadas em grupo investigado pela Polícia Civil por suspeita de indução a suicídio; DDD dos celulares dos participantes é 062

Foto: Reprodução

A Polícia Civil de Goiás investiga grupos em redes sociais que tentam induzir virtualmente seus participantes – a maioria adolescentes – ao suicídio. Pelo menos cinco casos ocorridos no estado teriam relação com essas “comunidades”. A investigação começou em 21 de fevereiro, quando dois meninos, de 13 e 15 anos, tiraram a própria vida em Goiânia.
 
Conversas extraídas de um grupo de mensagens online ajudam a entender como as “comunidades” funcionam: administradores “oferecem” cordas, “torcem” por suicídios coletivos, fazem provocações e perguntam “quem começa”.
 
A suspeita é de que eles cooptam adolescentes com base em alguma fragilidade emocional e se vangloriam de induzi-los a tirar a própria vida, como forma de poder. Os números de celular têm DDD 062.
 
Em uma comunidade no Facebook, os investigadores afirmam que os participantes recebem uma lista de desafios. Entre eles estão praticar automutilação, enviar vírus para contatos, derrubar páginas e, por último, se matar. Não há “obrigação” de cumpri-los, mas apenas quem faz o que é sugerido consegue “crescer” em status junto aos moderadores. A página tem mais de 18 mil seguidores.

Em mensagem trocada em grupo investigado pela Polícia Civil de Goiás, participante fala sobre suicídio e pergunta aos outros membros 'quem começa' (Foto: Reprodução)
 
Para a titular da Delegacia de Crimes Cibernéticos, Sabrina Leles, não há dúvidas de que ao menos a morte de um dos cinco adolescentes – Higor Pires Moreira, de 15 anos, que se enforcou em 21 de fevereiro – tenha ocorrido por influência de uma comunidade do Facebook administrada por adolescentes.
 
A polícia disse que ainda não há comprovação de vínculo do grupo com o suicídio de Gabriel Câmara, de 13 anos. Em outras três ocorrências – uma jovem de 19 anos de Montividiu e duas de 15 anos de Rio Verde – foram encontrados amigos em comum com os administradores.
 
O dono da comunidade confirmou que as vítimas eram membros, mas negou em uma publicação incentivar suicídio. "Não temos nenhum envolvimento com essas mortes, e se ouve grupos terceiros usando o nome do nosso grupo e induzindo o suicídio coletivo, nós não estávamos cientes disso (sic)."


Mensagens trocadas em grupo investigado pela Polícia Civil de Goiás; participante fala sobre levar cordas para encontro dos membros (Foto: Reprodução)
 
Ainda na publicação, o dono da comunidade afirmou que o grupo é "de humor e entretenimento virtual, onde 50% dos membros são depressivos e a maioria estão procurando diversão e novas amizades, o grupo em si não é responsável por qualquer ato de suicídio coletivo, nós não somos a favor disso e em nenhum momento apresentaram provas onde nós administradores do grupo, induzia tal membro a se matar (sic)."
 
A polícia afirmou que os quatro administradores do grupo identificados até agora e têm idades entre 14 e 19 anos. Eles usam um prenome acompanhado de uma palavra arábe, para se identificarem enquanto “família” e reforçarem quem tem o “poder”.
 

Mensagens trocadas em grupo investigado pela Polícia Civil de Goiás por suspeita de estímulo a suicídio; participantes comentam receber desafios (Foto: Reprodução)

 
Se comprovado que eles têm relação com os crimes, eles podem responder por ato infracional análogo à induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio. Por serem menores de idade, não podem passar mais do que três anos em reclusão.
 
A reportagem também tentou contato com o Facebook, mas o e-mail não foi respondido. Em seu “Termos de serviço”, a rede social veta aos usuários carregar vírus; intimidar, assediar ou praticar bullying; publicar conteúdo com discurso de ódio, ameaças, pornografia e incitação de violência; e praticar altos ilegais, maliciosos e discriminatórios.
 
Forma de agir
 
Segundo a delegada Sabrina Leles, os curadores “recebem” os novos integrantes da comunidade virtual buscando saber todos os detalhes da vida deles.
 
“Perguntam sobre dificuldades de relacionamento, dificuldades com a família. Depois, usam isso contra esse menino: ‘você é um pobre, você é um nada, seu pai nem gosta de você. Você um dia vai morrer mesmo, por que não morre agora e acaba com o sofrimento antes’. É assim que funciona.”
 
Os participantes têm uma lista de desafios a cumprir caso queiram se tornar mais populares. Meninas são induzidas a tirar fotos nuas, com uma mensagem em alusão ao nome da comunidade gravada na pele, em regiões íntimas. Também são “parabenizados” os jovens que fazem selfies com o nome dos administradores escritos em papeis.
 
O objetivo [dos administradores] é realmente essa falsa impressão de poder. Têm uma mente realmente criminosa, apesar da idade”, diz a delegada. “[O objetivo] Das vítimas é a sensação de pertencimento, ‘estou com pessoas me entendem’.”
 
Sabrina afirma que já se identificou que uma brasileira de 15 anos que morava no País Basco tirou a própria vida em setembro de 2017 influenciada pelo grupo. A polícia apurou que os administradores influenciam os adolescentes a tomarem remédios antes do suicídio, para se sentirem mais corajosos e ficarem mais aéreos, com possibilidade de reação reduzida.
 
“Eles falam [para as vítimas] ‘sua família não te ama, seus amigos não gostam de você, ninguém valoriza você’. Fazem o adolescente se sentir compreendido e dizem que ele pode abreviar esse sofrimento”, explica a delegada.
 
‘Situação mais inesperada’
 
A morte do filho caçula continua causando dor e indignação ao gerente de vendas Onilton Pires Moreira, de 45 anos. O homem conta que, cerca de 30 dias antes, o garoto – sempre sorridente e carinhoso – passou a se isolar mais. Não havia, porém, nenhum indício de que houvesse problema.
 
“Na parte do convívio familiar, ele estava um pouco mais afastado, queria ficar mais na internet. Muitas vezes a gente saía para a vida social e ele não queria. Como era um excelente filho, nunca nos deu problema, a gente acabava não insistindo muito, porque a gente achava que podia estar envolvendo a privacidade dele”, explica o pai.
 
Onilton diz não saber como o caçula se envolveu com a comunidade virtual, mas acredita que os administradores podem ter se aproveitado do fato de ele ser um menino bondoso e dedicado à família.
 
“Penso que pode ter havido algo como ‘a gente vai matar sua mãe, a gente vai matar o seu pai’.”


O gerente de vendas Onilton Pires Moreira e o filho caçula, Higor Pires Moreira; jovem se suicidou por influência de grupo da internet, diz polícia (Foto: Onilton Pires Moreira/Arquivo Pessoal)
 
No dia do suicídio, Higor pediu para faltar à escola alegando dor de garganta. Ele tomou 36 comprimidos de um remédio usado pelo pai para controlar a pressão arterial – o gerente de vendas é hipertenso e toma um por dia. Após ser questionado pela mãe, disse que a amava e saiu de casa enquanto ela entrava no quarto dele em busca de outras medicações.
 
O jovem foi encontrado enforcado no dia seguinte, em uma casa vazia a três lotes da na qual ele morava com a família. O pai lembra de procurá-lo no campo onde jogava futebol e em hospitais, além de acionar a polícia.
 
“Eu imaginei todas e quaisquer possibilidades, menos encontrar meu filho morto. Era a única possibilidade que não passava pela minha cabeça, até porque não tinha nenhum motivo para ele se suicidar, não tinha nenhum motivo para isso acontecer.”
 
Alerta aos pais
 
A delegada Sabrina Leles afirma que os pais precisam ficar atentos à forma como os filhos usam a internet. "Não [podem] ignorar sinais que os filhos estão dando e qual conteúdo cibernético esta chamando atenção desses filhos."
 
A Polícia Civil considera estar com as investigações avançadas, ainda sem previsão para o fim do inquérito. Sabrina explica ter aberto as informações para evitar que haja novas vítimas até a punição de eventuais responsáveis.
 
O gerente de vendas Onilton Pires Moreira disse esperar que outras pessoas não sintam a dor que ele está sentindo.
 
"Nós como pais, queremos dar tudo para os filhos ,toda liberdade, tudo que a gente não teve. Eu acho que é por aí que às vezes a gente começa com os erros. Tudo aquilo que eu não tive, eu quis dar aos meus filhos."
 
"E com isso, talvez, eu tenha dado muitas informações e tecnologias, jogos em rede, jogos online, internet de alta geração, equipamentos de alta geração, e, como se diz, deixei ele viver o mundo dele, por mais que a mãe vigiasse.

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