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02/01/18 às 21:39 / Atualizada: 02/01/18 às 21:51

Jacarta está afundando tão rápido que pode acabar debaixo d'água

Michael Kimmelman - Fonte: The New York Times

Edição AguaBoaNews, Clodoeste Pereira 'Kassu'

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Jacarta está afundando tão rápido que pode acabar debaixo d'água

Foto: Divulgação

 Jacarta, Indonésia – Rasdiono se lembra de quando o mar estava a uma boa distância de sua porta, bem abaixo do morro. Naquela época, ele abriu seu estabelecimento de cores alegres, um tanto apertado, ao qual deu o nome de Blessed Bodega, onde ele e sua família vendem cabeças de bagre, ovos temperados e frango frito.
 
"Foi estranho. A cada ano, a água ia chegando mais perto. O morro desapareceu gradualmente", conta. Agora, o mar estava a poucos passos de sua bodega, detido apenas por um muro com vazamento.
 
Com a mudança climática, o nível do Mar de Java está aumentando e o clima aqui está se tornando mais extremo. No início de dezembro, outra estranha tempestade transformou brevemente as ruas de Jacarta em rios, e parou esta área de quase 30 milhões de habitantes.
 
Um pesquisador local do clima, Irvan Pulungan, assessor do governador da cidade, teme que as temperaturas possam subir vários graus, assim como o nível do mar – quase um metro na região ao longo do próximo século.
 
Só isso já significa um desastre em potencial para esta metrópole fervilhante.
 
Porém, o aquecimento global não foi o único culpado pelas históricas inundações que invadiram o estabelecimento de Rasdiono e grande parte do resto de Jacarta em 2007; o problema é que a própria cidade está afundando.
 
De fato, Jacarta afunda mais rápido que qualquer outra grande cidade do planeta, mais rápido até do que a mudança climática faz o mar subir – uma velocidade tão absurda que às vezes os rios correm contra a corrente, as chuvas regularmente inundam bairros e edifícios desaparecem aos poucos no subsolo, engolidos pela terra. A causa principal: seus habitantes estão cavando poços ilegais e drenando aos poucos os aquíferos subterrâneos sob a cidade; é como se esvaziassem uma bexiga gigante debaixo dela. Cerca de 40 por cento de Jacarta está agora abaixo do nível do mar.
 
Distritos do litoral, como Muara Baru, perto da Blessed Bodega, afundaram 4 metros nos últimos anos.
A mudança climática aqui age como em outros lugares, exacerbando a dezenas de outros males. E, no caso de Jacarta, uma imensidão de problemas causados pelos humanos – desenvolvimento descontrolado, uma quase total falta de planejamento, quase nenhum esgoto e apenas uma limitada rede de água potável canalizada – constitui uma ameaça à sobrevivência da cidade.
 
Os prédios que afundam, a população que se espalha, o ar poluído e alguns dos piores engarrafamentos do mundo são sintomas de outros problemas profundamente enraizados. A falta de confiança no governo é uma condição nacional. Conflitos entre extremistas islâmicos e indonésios seculares, ou entre muçulmanos e grupos de etnia chinesa atravancam o progresso, ajudaram a derrubar líderes que visavam reformas e complicaram tudo o que acontece aqui, ou o que não acontece, para fazer a cidade parar de afundar.
 
"Ninguém acredita no bem geral, porque há muita corrupção, muitos que fingem servir ao público, e o que é feito só serve a interesses privados. Não existe confiança", como coloca Sidney Jones, diretor do Instituto de Análise Política de Conflitos.
 
Os hidrologistas dizem que a cidade tem apenas uma década para impedir o naufrágio. Se não conseguir, o norte de Jacarta, com seus milhões de residentes, vai acabar debaixo d'água, juntamente com a maior parte da economia do país. No fim das contas, ao barrar mudanças gerais e uma revolução infraestrutural, Jacarta não será capaz de construir muros altos o suficiente para segurar os rios, canais e o aumento do Mar de Java.
 
E, mesmo assim, claro, se conseguir curar as feridas autoinfligidas, ainda precisará lidar com todas as ameaças crescentes das alterações climáticas.
 
Os problemas mais urgentes estão no norte, uma mistura de portos, prédios com temas náuticos, velhos mercados de peixe, favelas, usinas elétricas, shoppings gigantes com ar condicionado e os remanescentes congestionados do assentamento colonial holandês, com suas praças decrépitas e ruas de armazéns caindo aos pedaços ou museus empoeirados.
 
Alguns dos canais e rios mais poluídos do mundo cortam a área como uma teia de aranha.
 
É aí que a cidade afunda mais rapidamente.
 
Isso porque, depois de décadas de crescimento imprudente e liderança negligente, os problemas acabaram todos interligados.
 
As construtoras locais cavaram inúmeros poços ilegalmente porque a água canalizada abastece menos de metade da população, no que relatórios dizem ser valores exorbitantes cobrados por empresas privadas que recebem concessões do governo.
 
Os aquíferos não estão se regenerando, apesar das chuvas e da abundância de rios, porque agora, mais de 97 por cento da área de Jacarta está sufocada por concreto e asfalto. Os campos abertos que antes absorviam a chuva estão hoje pavimentados; os manguezais que ajudavam na vazão de rios e canais caudalosos durante as monções foram ocupados por favelas e prédios de apartamentos.
 
Sempre há a tensão entre necessidades imediatas e planos de longo prazo. É o mesmo que ocorre em outras áreas que estão afundando, como a Cidade do México. Aqui, todas as edificações, juntamente com a drenagem dos aquíferos, estão desfazendo as rochas e os sedimentos em que Jacarta está assentada.
 
E grande parte da população pobre rural se instalou em desenvolvimentos habitacionais informais, ou kampongs, amontoados ao longo de canais, as casas oscilando sobre palafitas, os cursos de água abaixo transformados em esgotos.
 
Todas essas casas, todo esse esgoto e lixo agora obstruem as estações de bombeamento que foram construídas porque a gravidade já não drena rios e canais naturalmente.
 
Para prevenir o naufrágio, uma das cidades mais populosas do mundo precisa parar com a escavação de poços, o que significa que precisa fornecer água limpa canalizada a seus residentes, limpar as vias navegáveis e instalar um sistema de esgoto, a um custo de incontáveis bilhões.
 
A limpeza dos canais e rios também exigirá um policiamento das fábricas que neles despejam produtos químicos, o que significa enfrentar a corrupção e reassentar muitas comunidades informais, o que depende da disponibilidade de terrenos e da construção de milhares de novas casas para os desabrigados, a maioria dos quais nem mesmo quer se mudar.
 
JanJaap Brinkman, hidrologista que há décadas estuda Jacarta para o instituto de pesquisa holandês Deltares, entende os moradores. O despejo não é uma panaceia, nem mesmo possível, disse ele, considerando os milhares de habitantes agora vivem no topo dos canais e rios em construções informais. Ao mesmo tempo, ressaltou, é necessário remanejar as pessoas, e os despejos enfraquecem a escassa reserva de boa vontade e de tempo precioso.
 
E acrescentou: "Precisamos tomar grandes atitudes agora. Se todas as discussões ficarem limitadas a pescadores e ao desenvolvimento, acabaremos com uma enorme calamidade e muitas mortes, e sem outra opção a não ser abrir mão de partes inteiras de Jacarta".

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