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31/08/17 às 09:13

Após 13 anos - A última patrulha do Brasil no Haiti

Depois de 13 anos, a missão de paz chefiada por brasileiros encerra hoje suas ações operacionais

Estadão: Luciana Garbin, Enviada Especial / Porto Príncipe

Edição ÁguaBoaNews, Clodoeste Kassu

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Após 13 anos - A última patrulha do Brasil no Haiti

Tropas brasileiras fazem última patrulha em Cité Soleil

Foto: Helvio Romero/Estadao

Faltavam poucos quilômetros para a última patrulha da Missão das Nações Unidas para Estabilização do Hati (Minustah) chegar a Cité Soleil quando as bandeiras do Brasil e do Haiti foram desenroladas. Cada uma de um lado da segunda das sete viaturas brancas com sigla da ONU que seguiam em comboio. A escolha da comunidade onde sobrevivem cerca de 300 mil pessoas tem um significado. Foi lá que aconteceram alguns dos maiores confrontos entre gangues e militares brasileiros nos primeiros anos de operação.

Pacificada em 2007, Cité Soleil é um local onde se pode hoje circular, mas a miséria continua a impressionar. Esgoto corre em valetas na frente das casas e lixo, entulho e moscas estão por toda a parte. Adultos sem trabalho se espalham pelas ruas e grupos de crianças se formam em volta de cada estrangeiro que aparece. Algumas pedem dólar, água, chocolate ou o relógio do visitante, mas a maioria só quer cumprimentar, geralmente fechando a mão para dar um soquinho.

Entre os meninos e meninas de todos os tamanhos, a expressão que mais se ouve é “hey, you”, uma herança da comunicação que mantinham com soldados americanos numa missão anterior à Minustah. Até hoje, já foram cinco missões da ONU no país. A sexta deve começar em outubro, após o encerramento da Minustah.

Por determinação das Nações Unidas, que ainda consideram Cité Soleil zona vermelha, os militares brasileiros só andam ali com capacete, colete à prova de balas e armamento – ontem, levaram fuzis e calibre 12. Os dois primeiros itens da lista foram exigidos também dos jornalistas que acompanharam a última patrulha. A pacificação não eliminou o medo de problemas.

Apesar das armas, foi lá no entanto que o ‘Estado’ testemunhou as maiores demonstrações de carinho aos militares brasileiros por parte da população. E houve recíproca. Os 25 integrantes da operação deram a crianças a bandeirinha do Brasil que levavam no uniforme. “Ela estava comigo há 13 anos, desde que eu era soldado”, comenta o sargento Anderson de Jesus. “Mas foi por uma boa causa. Tomara que seja bem usada.”

Os brasileiros ocuparam Cité Soleil após a pacificação, em 2007. Até 2010, usaram como posto um local conhecido como Casa Azul, que desmoronou no terremoto e matou oito militares. Depois, manteve uma base grande dentro da comunidade, que foi entregue em 27 de junho à Polícia Nacional do Haiti. Na ida e na volta, a reportagem não avistou qualquer policial haitiano fazendo ronda por ali.
“Com a transição da Minustah, nossa presença foi diminuindo, mas existe ainda essa grande identificação”, comenta o comandante Alexandre Oliveira Cantanhede Lago.”Tem uma geração inteira que viu o brasileiro patrulhando aqui.”

É o que se chama no Haiti de Geração Minustah. Adolescentes como Genese Telusma, de 13 anos, que não lembram como era a vida sem ver soldados nas ruas, mas experimentam um período de relativa estabilidade política que pais e avós não viveram: entre 1986 e 2004, o Haiti teve 15 presidentes; de 2004 até agora, foram 3.

Ravil Loubert tem 22 anos e também teve a vida mudada pela missão e pelos brasileiros. A ponto de pedir para ser chamado de Fabio Júnior. “Brasileiro fica no meu coração. Não quero que brasileiro vai embora, não”, diz, em português. Em seguida, afirma ser fã de funk e canta, sem errar, trecho de uma música de Roberto Carlos. Até poucas semanas atrás, ele costumava fazer faxina no posto brasileiro em Cité Soleil. Com o fim da missão, perdeu o emprego e acha que não vai conseguir outro trabalho. “Hoje levantei e ainda não passou nada na minha boca.” Seu plano agora é migrar para o Brasil em novembro e encontrar o irmão, que já está trabalhando na Bahia.
 
Haitiano que fala português gosta do Fábio Jr e do Roberto Carlos
 
Atrás dele, algumas mulheres cortam uma espécie de quiabo para fazer sopa de água, pão, vegetais e banana. Algumas põem também siris pegos no mar poluído do Porto de Lohaf. Os caldeirões são colocados na rua, no que deveria ser uma calçada, em meio a muito lixo. Cada tigela é vendida por 40 gourdes. Na cotação local, US$ 1 vale 62 gourdes.

A sopa de Lauka Legra, de 35 anos, tem também veritaba, uma espécie de fruta local. Mãe de cinco filhos, ela reclama que a vida ali é dura porque as coisas são muito caras. Na vida dela, diz, a Minustah não mudou nada.

A seu lado, Jean Bernardet, de 50 anos, está preocupado. Ele ouviu dizer que os militares estão se retirando e acha que a situação vai piorar em Cité Soleil. “As coisas são melhores hoje. Quando a tropa chegou, a violência diminuiu”, conta. Ele tem muita dúvida se a polícia haitiana conseguirá manter o controle da área. Como a grande maioria das pessoas com quem o ‘Estado’ conversou nesta semana, Bernadet não tem emprego. Quando consegue algum dinheiro, compra algo no mercado para tentar revender na rua.

As tropas saem para caminhar e passam pela rua onde fica a escola dirigida por Mercelon Jeune, de 50 anos. A Union des Freres du Tabernacle atende 150 crianças desde 2000. Chegou a ter ajuda do governo para pagar professores, mas ela foi cortada há dois anos. As famílias que podem contribuem com 2 mil gourdes mensais, mas são poucas as que podem. Um quadro negro na entrada pede aos pais que tragam documentos das crianças para matrícula. Na sala de aula de paredes e bancos de madeira lascados, dois quadros negros servem para atender alunos da 1ª, 2ª e 3ª séries que têm aulas ao mesmo tempo.

De calça e camisa social, ele é um símbolo da elegância haitiana. Numa semana no país, o ‘Estado’ não viu um só haitiano sem camisa apesar do forte calor. Andar sem roupa remete aos tempos da escravidão e o país se orgulha por ter lutado anos contra ela.

Ao lado da reportagem, Michaud Michelet, que trabalha como tradutor da Minustah, observa tudo calado. Ele se entristece ao ver a miséria de Cité Soleil sendo retratada. “Como haitiano, não vou nunca gostar quando se mostra a parte ruim do país, mas sei que é algo que não posso proibir. Aqui também tem muitas pessoas educadas. Eu por exemplo fiz duas faculdades, falo idiomas, mas não aparecem histórias como a minha. Tem haitiano no Congresso americano, prefeito, senadores. E, apesar de toda a miséria, somos um povo que sempre tem um sorriso no rosto.”

Quase quatro horas depois, o comboio volta à base. Militares se cumprimentam ao descer dos veículos. “Missão cumprida. Esse é o sentimento”, resume o sargento Fabian Ulacia, um dos integrantes da última patrulha.
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