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22/07/17 às 17:42 / Atualizada: 22/07/17 às 17:49

Silval e a calma narrativa dos crimes

Com muita calma, ex-governador contou em três depoimentos a juíza Selma Arruda como funcionava o propinoduto instalado no Paiaguás

Eduardo Gomes, Diário de Cuiabá

Edição para ÁguaBoaNews, Clodoeste Kassu

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Silval e a calma narrativa dos crimes

O ex-governador Silval Barbosa diante da juíza Selma Arruda: confessou três vezes e segunda-feira retorna ao Fórum

Foto: Dinalte Miranda / DC

Silval Barbosa, ex-governador, não alterou o tom nem ficou corado em três longos depoimentos à juíza da Sétima Vara Criminal de Cuiabá, Selma Rosane Santos Arruda. Com naturalidade narrou fatos republicanos e de improbidade administrativa ocorridos em seu governo (2010/14) como se ambos fossem absolutamente normais. Assumindo crimes, apontando coautores e excluindo outros sobre os quais pesam acusações, Silval revelou mais que autoria: deixou claro que a pratica criminosa nos meios públicos é algo recorrente, que antecede sua administração e envolve autoridades de outros poderes e empresários. Sua mea culpa dissipa quase todas as dúvidas, menos uma: Receita Federal, Tribunal de Contas do Estado, Controladoria Geral do Estado, COAF, Assembleia Legislativa, Ministério Público, Ministério Público Eleitoral e outros órgãos de controle interno e externo não viram o mar de lama ou foram coniventes com ele?

Na semana passada, em três depoimentos à juíza Selma Rosane, Silval admitiu que recebeu R$ 7,2 milhões em propina para assegurar o funcionamento da empresa Consignum, de crédito consignado, nas entranhas do governo; na compra de um terreno rural na região do lago de Manso; e na aquisição de uma área no Jardim Liberdade, em Cuiabá. A cada palavra do ex-governador mais uma fresta de luz era lançada sobre a penumbra do poder. Dentre suas revelações uma suposta extorsão que teria sofrido do jornalista Antônio Carlos Milas, dono o jornal Centro-Oeste Popular, que teria embolsado R$ 200 mil para não publicar material sobre os fatos que resultaram nas confissões de agora.

Silval assumiu que chefiava uma organização criminosa entranhada no governo, que extorquia e cobrava propina, mas observou que nunca obrigou secretário a cometer crime, mas que “eles iam (atrás de negociatas e propinas) com prazer, principalmente porque sabiam que tinha vantagem”. Os depoimentos foram temáticos sobre três transações e não chegaram aos dois maiores projetos executados por seu governo: as obras para a Copa do Mundo de 2014 e o programa rodoviário MT Integrado, Sustentável e Competitivo. Para esclarecer a participação ou não de seus ex-assessores denunciados nas ações ele detalhou caso a caso. Ora alguns figuraram do lado republicano da linha divisora ora de sua banda pobre. Esse grupo seria formado pelos secretários Pedro Nadaf, Marcel de Cursi, José Nunes Cordeiro, César Zílio, Sílvio Araújo, Pedro Elias e Arnaldo Alves; os dirigentes de órgãos Afonso Dalberto e João Justino Paes e Barros; servidores de escalões inferiores; seu filho Rodrigo Barbosa; o procurador do Estado, Chico Lima; os empresários Willians Mitschur, Filinto Corrêa da Costa, Antônio Rodrigues, Alan Malouf, Filinto Müller e outros; os ex-deputados estaduais José Riva e Walace Guimarães.

As investigações sobre o governo Silval são abrangentes. Nos depoimentos ele foi cirúrgico falando sobre a ação objeto de sua presença diante da juíza. Sua conduta não pode ser vista como decisão de quem quer se calar. Ao contrário, o ex-governador destacou que está disposto a colaborar, mas quer tratar cada caso ao seu tempo.

O teor dos depoimentos tornou público o que muitos suspeitavam: seu governo era uma dualidade. Às claras funcionava mantendo a ordem, oferecendo educação e saúde, executando obras e levando programas sociais adiante, respeitando a interdependência dos poderes e planejando. Na penumbra, entre quatro paredes, era uma perigosa organização formada por altas autoridades com poder para beneficiar ou prejudicar empresas e muito preparada para dilapidar o erário público.

A estrutura corrupta do governo era uma perigosa e lubrificada máquina que alcançava seus objetivos graças ao funcionamento de todos os dentes de sua engrenagem. Para a compra superfaturada de um terreno de Filinto Corrêa da Costa, na região do lago de Manso, a sintonia entre os participantes foi perfeita. Para efeito legal e de rótulo perante a opinião pública Nadaf (Casa Civil) deu a autorização política. Afonso Dalberto (Instituto de Terras/Intermat) demonstrou a importância da compra. Chico Lima (procurador do Estado) atestou a lisura da operação. De Cursi (Secretaria de Fazenda) levantou os recursos. O resultado caiu no colo de Silval, com o devido rateio entre as partes. Nesse caso, além da participação de autoridade contou com mais um ingrediente: Chico Lima e Filinto são cunhados. Em outra oportunidade e distante do ex-governador, Nadaf em delação premiada confessou que teria pago R$ 50 milhões de propina para cinco conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCE) para que aprovassem as contas do governo de Silval no período de 2010 a 2014; o TCE tem sete conselheiros, mas à época somente seis titulares julgavam, porque Humberto Bosaipo estava afastado pelo Superior Tribunal de Justiça que o acusa de improbidade administrativa. Depondo, Silval não aceitou falar sobre essa delação deixando-a para outra ocasião. Se confirmada à fala de Nadaf a engrenagem seria ainda maior e Mato Grosso teria ficado a um passo do chamado estado paralelo.

As revelações de Silval deverão contribuir e muito para se saber como se extorquia e quanto se extorquiu e se desviou dos cofres públicos. Também servirá para exorcizar o fantasioso sobre fatos, como é comum se ver quando escândalos ganham as manchetes. Sem questionar a delação premiada de João Justino Paes e Barros, ex-presidente da companhia de mineração do governo (Metamat), de que teria comprado ouro no Nortão com deságio de 30% para que Nadaf e De Cursi lavassem dinheiro, o ex-governador observou que garimpeiro não vende ouro com desconto. Sua advertência é baseada na sua condição de ex-garimpeiro e ex-comprador do metal, que o faz saber as regras comerciais nos garimpos: venda somente em moeda corrente e no preço do dia.

Dívidas de campanha sempre é a tecla preferida para se justificar transações financeiras ortodóxicas. Silval não economizou palavras sobre seu endividamento em campanhas eleitorais citando que R$ 10 milhões de uma propina recebida foram destinados ao pagamento de uma dívida de campanha junto ao empresário Valdir Piran. Com desenvoltura verbal lembrou a ingerência do então deputado José Riva nas negociatas no Palácio Paiaguás em defesa de seus interesses tão escusos quanto aqueles; o favorecimento ao deputado Walace Guimarães quando de sua candidatura a prefeito de Várzea Grande em 2012, pelo PMDB; e o rateio de propinas e outros fatos criminosos também foram chancelados nos depoimentos.

Até onde Silval chegará e a quem mais atingirá? A resposta virá no amanhã. Réu em vários processos. Cumprindo prisão domiciliar com medidas cautelares depois de quase dois anos preso em Cuiabá, o ex-governador pelo PMDB demonstra na fala a mesma desenvoltura para o crime de colarinho branco que foi uma das marcas de seu governo. Tudo que diz é espontâneo, sem ligação com delação premiada, “para contribuir com a Justiça” – segundo ele. Tudo indica que ele ainda tem muito a dizer, mas ainda que se resumisse ao que disse à juíza Selma Rosane já teria prestado um grande serviço a Mato Grosso com a responsabilização de cada elo da cadeia criminosa que solapa as finanças públicas.

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