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22/08/18 às 14:31 | Atualizada: 22/08/18 às 16:05

De memória

Madorna. Isso mesmo. Entre sono profundo e acordado. Espremido no banco do caminhão tentava dormir à espera da alta madrugada para a partida. O olho teimava em não pregar e, enquanto isso ouvia Collid Filho com o melhor da música nas ondas da Tupi do Rio. Em determinado momento, ao som de Peixe vivo, Collid anunciou com voz embargada que Juscelino não estava mais entre nós, pois fechara os olhos pra sempre. Aumentei o volume, levantei-me e cabisbaixo ouvi os poucos detalhes sobre o adeus de JK. Era 22 de agosto de 1976. Sai de Fica Faca antes do nascer do sol, com a sombra da noite em doloridas trevas pela falta do nosso presidente visionário, que enxergava além da linha do horizonte, sem tirar os pés do chão.
 
Havia patrulhamento no rádio e pouco se falou sobre JK. No dia seguinte, por volta de 11 horas, em Juscimeira, soube mais detalhes. À tarde, em Rondonópolis, que era meu destino, conversei com amigos sobre a fatalidade. O Brasil chorava seu maior estadista. Os militares, donos do poder, não tinham como conter as manifestações de amor, carinho, respeito, admiração e muita dor pelo líder que partia.
 
Fica Faca foi como se tornou conhecida uma vila de Chapada dos Guimarães, e que mais tarde seria Nova Brasilândia. Sua ligação com o mundo era por uma estradinha que desembocava no Posto Paraná, de Otávio Eckert – à margem da BR-070 -, que ali chegou em 1974, quando tudo ao redor era vazio demográfico no cerrado. Trazendo JK para a dimensão do pequeno empresário Eckert lançou o loteamento que virou a bela Campo Verde.
 
Quando partiu, JK estava com os direitos políticos cassados por Ato Institucional. Era exilado em seu país. Carregava na alma a dor das humilhações a que foi submetido por sadismo de Estado. Tinha, porém, a consciência tranquila, as mãos limpas, a alma pura e um coração que pulsava pelo povo de sua terra. Transcorridos 42 anos do acidente na Via Dutra, que fechou seus olhos e apagou o olhar de Geraldo Ribeiro, seu amigo e motorista há 30 anos, o Brasil é um grande vazio de liderança.
 
O estadista foi além. Não se limitou a entrar para a história. Virou lenda. Cultivo respeito por ele. O menino órfão do pai João César de Oliveira, caixeiro-viajante que não resistiu ao frio das montanhas de Minas, JK teve infância pobre ao lado da mãe, a professora Mestra Júlia Kubitschek. Telegrafista, conquistou diploma de médico e alcançou a patente de coronel da PM Mineira.
 
Gerações se sucedem e o culto ao estadista continua. Sou testemunha disso. Minha neta Ana Júlia, 10 anos, o reverencia. Visita o Museu JK em Brasília e lê sobre ele. É xará de Mestra Júlia. Conversamos sobre nosso estadista. Ela, criança pura. Eu, na terceira idade e ferido pela dureza da vida. Somos unidos pelo amor que brota da consanguinidade e por paixão pela memória de Juscelino Kubitschek de Oliveira, o Nonô, o JK.
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