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18/10/15 às 16:51

O Futuro da Cultura em Água Boa e no Brasil

Diz a lenda que Winston Churchill, primeiro-ministro da Grã-Bretanha durante a Segunda Guerra Mundial, em certa ocasião foi questionado por um de seus funcionários quantos aos recursos destinados as artes e a cultura em geral. O funcionário perguntou-lhe se não seria mais sábio utilizar esses recursos na fabricação de armamentos para a guerra contra Hitler. Churchill, de acordo com a lenda, respondeu - Então pelo o que estamos lutando?

Há de se salvar as devidas proporções aqui. A segunda grande guerra foi um evento sem comparações na história humana e que há 70 redefiniu nossa civilização para sempre. Mas tal acontecimento é recheado de situações que servem como perfeita fonte de analogias para problemas bem atuais e que afetam populações como a brasileira. Em decorrência da crise pela qual o país passa, a quantidade de recursos arrecadados esse ano para uso pelo poder público diminuiu maciçamente. Aliado a uma crônica hipertrofia do Estado brasileiro, isso reflete diretamente na qualidade das ações e serviços disponibilizados por esse poder. E em uma situação de crise como essa, a cultura é o setor que mais sofre. Mas então, deveríamos gastar recursos com a cultura quando estamos em uma situação tão delicada? Seria sábio aplicar valioso dinheiro em ações artísticas e intelectuais?

Sim. O sucesso de uma civilização e o estágio evolutivo em que se encontra depende muito menos de suas estruturas físicas do que de sua capacidade intelectual e humana de construir a sociedade. É inegável que projetos básicos de infraestrutura e serviços tradicionais, como saúde e transportes, são vitais para o funcionamento de um país, mas meu ponto aqui está em defender que essas conquistas estarão ameaçadas se essas não vierem acompanhadas com o desenvolvimento individual humano. E nesse quesito a cultura tem papel fundamental.

Suponhamos que amanhã cedo um grande terremoto assole a região do Araguaia e cidades como Água Boa e Canarana virem um amontoado destroços. Os serviços de saúde ficarão expostos, o de transporte estarão limitados e a capacidade de infraestrutura e resposta dos serviços públicos de maneira geral serão seriamente afetadas. Nesse terrível cenário apocalíptico, onde tudo o que construímos com tanto trabalho está pelo chão, será a determinação do povo, a sua força de caráter, seu conhecimento abstrato e seu poder de espírito que irão fornecer combustível para superar a terrível crise moral que acompanhará tal tragédia. Prédios poderão ser reerguidos, estradas refeitas, plantações replantadas, tudo se a alma de uma comunidade se manter forte durante esses momentos tão difíceis. E apesar de metafórico, o terremoto que atingiu o país enfraqueceu suas estruturas e expos a população ao desespero e desesperança. Nesse cenário, não podemos nos dar ao luxo de perder de vista um objetivo final, a razão pela qual estamos lutando. Precisamos de razões, de motivos e a cultura é um deles. 
 
Um Novo Modelo

Contudo temos que reconhecer certas limitações existem. Toda prefeitura, apesar de poder pré-definir certa quantidade de recursos a uma determinada pasta, como a cultura, sua liquidez dependerá inevitavelmente da capacidade de arrecadação da cidade naquele ano fiscal. Se não há arrecadação suficiente para cobrir o orçamento, não há dinheiro para se gastar. Soma-se a isso uma burocracia paralisante, que impede os administradores de mover recursos com agilidade entre as pastas e tem-se montado um cenário desfavorável de investimento em tempos de crise.  Temos que reconhecer também, que nós nos acostumamos mal no Brasil. Esperamos que o poder público tome conta de nós muito além do estágio da qual foi desenhado. Isso se reflete em uma inflação do poder público e consequentemente em um aumento de gastos em anos de fartura que levarão à escassez em anos de crise. Além disso, com uma filosofia de dependência destrói-se lentamente a livre iniciativa individual, uma das bases de uma sociedade democrática em progresso. Tudo isso resulta em uma população altamente dependente da movimentação política e refém das limitações orçamento-burocráticas.

Para contornar esse problema a única solução viável é a de fortalecer e devolver ao indivíduo a sua capacidade de iniciativa em uma comunidade, ao ponto em que ele empreenda as ações que julga necessárias e que leve a uma diminuição progressiva da sua dependência ao setor público. Isso resultará em um raio de ações menos susceptíveis a crises, o que pode significar até a existência ou não de políticas sociais inteiras. No caso específico da cultura se objetiva a aplicação de recursos privados em atividades com algum tipo de impacto cultura-social com correlativo e significativo retorno a empresa. Nesse quesito a criação de eventos culturais deve valorizar a imagem dos patrocinadores ao oferecer amplo espectro de benefícios, como a divulgação comercial de sua marca, privilégios em eventos e livre participação das decisões culturais. É necessário abandonar a ingenuidade de se esperar apenas por atitudes altruístas por parte do empresariado, principalmente porque vivemos em um país onde o custo da legalidade inviabiliza muito do potencial individual da comunidade privada.

Por parte do empresariado espera-se de pronto o reconhecimento da realidade atual, onde uma empresa que aplica parte dos recursos para fins socioculturais é uma empresa que vende mais. Portanto o patrocínio ou apoio dessas causas é um real investimento da imagem da marca, com resultados positivos a longo, médio e até curto prazo. Ao poder público cabe a responsabilidade de facilitar a ação da livre iniciativa, reduzindo a burocracia onde pode, e substituindo a velha política de camaradagem pela da eficiência de resultados e a de oferecer parcerias onde for necessária.

Como exemplo desse novo modelo cultural em Água Boa está a Associação Multicultural de Água Boa, a AMAB. Essa associação, em processo de formação, terá como objetivo articular entre a população, o poder público e o setor privado movimentos culturais e intelectuais que irão promover cultura para a população e retorno financeiro para as empresas. Nesse aspecto toda política de facilitação será bem-vinda, como aquelas que dão autonomia na aplicação do imposto de renda, incentivando mais uma vez a livre iniciativa. Espera-se, contudo, que as políticas de facilitação da aplicação de recursos não descambem para uma realidade de predominância de eventos com pouco ou sem qualquer impacto cultural.  Já no mês de novembro agora, dia 08, ocorrerá no município o 2º Festival de Cultura Urbana de Água Boa. Esse evento, o primeiro de grande porte a ser desenvolvido pela AMAB (da qual orgulhosamente faço parte) exemplificará essa nova tendência de aplicação e gerenciamento de recursos. Para tal evento calcula-se que 75% dos gastos serão bancados pela iniciativa privada que por sua vez terá uma compensação equivalente aos seus gastos, através de ampla divulgação comercial e pela manutenção de linhas de contato entre as partes, do momento da abordagem, durante e mesmo bem depois do festival.  

À população cabe o papel de buscar informações sobre as atividades a serem desenvolvidas com o apoio da iniciativa privada e individual e manter o interesse vivo por essas atividades bem como reconhecer quando existir e cobrar quando não existir nas empresas tal postura em relação a eventos culturais. Evoluir-se-á assim para uma sociedade que é capaz de articular por si própria ações variadas e que verá no poder público não uma figura paternal, mas sim a de um parceiro importante, mas não essencial. O futuro da cultura em Água Boa e no resto do país dependem disso.
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