Artigos / Eduardo Gomes

30/01/16 às 10:54

De negócio da China

Em setembro de 2011, quatro dias antes que o governador Silval Barbosa liderasse uma delegação sino-brasileira na BR-163, no trajeto de Cuiabá a Santarém, fui àquela cidade paraense. Silval enfrentou a poeira da estrada para apresentar a região ao Asian Trade & Investiments (ATI) - dirigido pelo brasileiro Marco Polo Moreira Leite – interessado em investir R$ 10 bilhões na construção de uma ferrovia com 1.800 quilômetros paralela àquela rodovia, ligando o centro geodésico do continente ao porto santareno na faz do rio Tapajós.

No regresso entrevistei Moreira Leite e chineses – com ajuda de intérprete – na vila Castelo de Sonhos (de Altamira), onde a delegação foi recepcionada com festa por autoridades e a população da região.

Ouvi que os chineses estavam dispostos a botar a mão na massa e, num prazo de 450 dias ou 15 meses, fazer o trem apitar subindo e descendo a Cuiabá-Santarém sobre trilhos. Escutei que a China domina bem a tecnologia ferroviária e, em média, ao executar obra no setor, assenta 4 quilômetros de linha diariamente, mesmo enfrentando tempestade de neve, que aqui poderia ser adaptada ao chuvaréu tropical; e que uma das questões mais estratégicas para Pequim é a política de segurança alimentar pra matar a fome de 1,3 bilhão de pares de olhinhos puxados.

Achei interessante a conversa e espichei o questionamento ao máximo. Falaram-me da importância de nossa soja para o pão do dia a dia deles. Disseram-me que por Santarém, a rota marítima do Brasil para Xangai e Hong Kong despenca 4 mil quilômetros no comparativo com os embarques portuários em Santos, que dista 20.475 quilômetros das duas cidades chinesas em viagem de navio que demora 39 dias.

A delegação de Silval tomou rumo norte e sozinho peguei a Santarém-Cuiabá (lá ela é assim chamada) pra Mato Grosso. Viajei desiludido com a possibilidade da construção, porque o Brasil não teria condições de cumprir a exigência dos chineses: oferecer garantia jurídica de que a obra não seria embargada nem a circulação dos trens suspensa. Sem essa chancela não haveria possibilidade de concretização do acordo, para a ferrovia e sua forma de utilização em ambos os sentidos compartilhada pela economia dos dois países.

A pressão ambiental e a questão indígena levantaram barreiras nos estados no trajeto. Além disso, Belém pressionou contra a obra, para não fortalecer Santarém, que aquela época estava elétrica esperando o plebiscito de 11 de dezembro daquele ano para definir pela criação ou não do Estado de Tapajós, cuja capital seria aquela cidade no ponto mais ao norte dos trilhos.

O gigantismo dos interesses inconfessáveis e a fragilidade do Estado Brasileiro descarrilaram o trem. Perdemos o negócio da China na terra dos salários privilegiados, das mordomias e das reservas de mercado para quem nada faz.
Eduardo Gomes

Eduardo Gomes

Eduardo Gomes é jornalista e escritor
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