Artigos / Juacy da Silva

30/01/23 às 11:46

Minha tornozeleira jamais será vermelha

“A violência nasce sempre de uma mistificação da religião. Também Jesus viveu em tempos de violência. Ele ensinou que o verdadeiro campo de batalha, no qual se afrontam a violência e a paz, é o coração humano: Porque é do interior do coração dos homens que saem as más intenções”. Papa Francisco.

“Oponho-me à violência porque, quando parece fazer o bem, o bem é apenas temporário; o mal que faz é permanente. A intolerância denuncia a falta de fé na própria causa”. Mahatma Gandhi, o “apóstolo” da não violência”, que liderou a Índia na luta contra a violência e o jugo do colonialismo inglês e a libertação do povo indiano.
 
Sonhei dia desses que estava mantendo um diálogo com um “patriota”, amigo meu, que durante pouco mais de dois meses, juntamente com milhares  de outros “patriotas” acamparam em frente aos quartéis do Exército, mas não consegui entender por que não também em frente `as instalação da Marinha e da Força Aérea, implorando, rezando, esbravejando de forma histérica slogans bem parecidos com os estimulados por Mussolini e Hitler, os pais do nazifacismo que, ao provocarem a segunda Guerra mundial foram responsáveis por mais de 55 milhões de mortes; que idealizaram os campos de concentração, onde morreram mais de 8 milhões de judeus, negros, homossexuais, deficientes e pessoas que não pertenciam `a raça pura, a raça ariana.

Neste sonho, meio semelhante ao que São João Batista teve na Ilha de Pátmos e que o inspirou a escrever o último livro da Bíblia Sagrada, o Apocalípse, consegui ver a exaltação, o ódio e a vontade manifesta claramente de destruir a democracia, atacar as instituições, principalmente o Poder Judiciário e o Presidente eleito e empossado, tendo como alvos prediletos a Suprema Corte e a mais alta corte da Justiça Eleitoral (STF e TSE) e alguns de seus ministros, que não comungam com esses “ideais” de um regime totalitário, onde o arbítrio, a tortura e o vilipêncio substituem os mecanismos do voto secreto e universal de escolha dos integrantes dos Poderes Legislativo e Executivo.

Interessante que neste diálogo com aquele amigo imaginário, “patriota”  que aparecia envolto em uma bandeira, verde e amarela, e volta e meia dizia, como em um canto de guerra ou um mantra, que “a nossa bandeira jamais será vermelha”, tentando demonstrar que a cor vermelha é a cor do comunismo, do socialismo, da esquerda, dos ateus, esquecendo-se de que as cores não trazem em si qualquer ideologia ou crença religiosa, tanto é verdade que durante o Império brasileiro a cor vermelha estava no brasão do Brasil, que o vermelho está presente na maioria das bandeiras dos estudos e capitais brasileiras e também em mais de 80% das bandeiras nacionais de inúmeros países, democráticos, republicanos, parlamentaristas, monarquias e também em paises governados por regimes totalitários de esquerda e de direita, civis e militares, ou religiosos extremados.

No sonho tentei dialogar com este amigo “patriota” que as vezes se tornava agressivo ante minhas ponderações de que o regime democrático, o nosso poder judiciário, enfim, nossas instituições tem inúmeros defeitos, principalmente o Judiciário, padecem de uma morosidade paquidérmica, uma burocracia insana, condena muitas vezes inocentes sem provas, faz vistas grossas para dezenas de milhares de pessoas que estão encarceradas sem sequer terem sido ouvidas por um juiz; que tem a “mão” pesada para condenar pobres e mão leve quando se trata dos ricos e poderosos; que tanto no Poder Legislativo quando no Executivo e também no Judiciário volta e meia a imprensa publica reportagens e notícias de muita corrupção, clientelismo, tráfico de influência, tantas mazelas, muitas mordomias e privolégios, mas que isto também está presente e em grau muito maior nos regimes e formas de governos autoritários, totalitários, ditaduras, inclusive militares, mas com uma diferenca,  nos países que vivem sob o regime democrático, o povo tem o direito de se manifestar e protestar PACIFICAMENTE, enquanto naqueles outros países, não importa que os governantes usem toga, vestes religiosas ou fardas, nem isso o povo consegue realizar.

Mas meu amigo de sonho, o “patriota”, não conseguia perceber que ele e seus “compatriotas”, na verdade estavam pregando e implorando um golpe de estado, para instalar uma ditadura militar naquele país, depondo um Presidente legitimamente eleito, simplesmente por não fazer parte da parcela da população que prega abertamente a derrubada do governo pela força.

De repente no sonho que já estava se tornando um pesadelo, vi uma multidão insandecida, furiosa, tresloucada, como que possuida por espíritos malígnos, como aqueles espíritos que pastores e padres, não apenas nos acampamentos, mas em suas igrejas, brandiam suas armas mitológicas e místicas, tentando expulsar tais demônios, como fez Jesus ao expulsar os espíritos malígnos que foram “incorporados” em uma manada de porcos, esses “patriotas” corriam sem rumo, de um lado para outra, em um grande gramado, desfraldando bandeiras, gritos histéricos e fisionamias que demonstravam e destilavam muito ódio, violência e vontade de sangue e destruição, pareciam possuidos por algum ente malígno.

Meio a uma penumbra no sonho, consegui perceber que este grande gramado, tinha ao fundo e de ambos os lados palácios governamentais. A medida que a bruma foi se dissipando, consegui identificar que esses imensos edífícios, com característica de uma arquitetura moderna, futurista faziam parte da capital de um país, que sempre se dizia ser “o pais do futuro”, e a turba enfurecida adentrou os tres edifícios que abrigavam os tres poderes daquele país: o Poder Judiciário, o Poder Legislativo e o Poder Executivo e começaram as cenas de destruição e violência sem precedentes.

Como era um domingo e nada estava funcionando naqueles poderes, a fúria daquela massa humana, como uma horda selvagem, agindo como no estouro de uma boiada (talvez por isso esses “patriotas” também atendem pela designação de gado), pessoas de diferentes idades, a maioria homens, muitas mulheres e até crianças e adolescentes faziam parte daquela massa insandecida de vândalos enfurecidos.

No sonho, ousei perguntar ao meu amigo “patriota”, “contra o que voces estão protestando de forma tão violenta”, ele, com um largo sorriso, quase diabólico, como demonstrando estar feliz pelo que estava prestes a acontecer, disse-me “estarmos pedindo, implorando, rezando para que Deus e o Exército, enfim, as Forças Armadas anulem as eleições  em que foram escolhidos novos governantes, inclusive e principalmente um novo presidente  que não é o nosso candidato, que é um Mito, guiado, escolhido e ungido por Deus, para ficar mais quatro anos no poder e podermos “varrer o comunismo” de nosso país”.

Antes mesmo que eu tivesse a oportunidade de perguntar de novo, ele disse “vamos fechar o STF e o TSE, prender todos os ministros, vamos prender o presidente eleito e muita gente e nosso Mito, o ungido pelo Deus altíssimo, que está fora deste nosso país aguardando apenas um sinal para voltar e re-assumir seu posto”. Depois eu soube que na verdade o tal Mito havia abandonado seu posto e fugido com medo de ser preso após a posse do novo governo.

Fiquei confuso com as respostas do amigo “patriota” e tornei a perguntar, “mas não houve eleição, as urnas eletrônicas não são confiáveis, o voto não é secreto, o Mito não foi eleito há quatro anos por essas mesmas urnas, os deputados federais, estaduais, senadores e governadores que fazem parte da mesma ideologia do Mito também não foram eleitos ou re eleitos por essas mesmas urnas? Por que voces querem a cabeça do Xandão e do Presidente Eleito?”.

Ele simplesmente deu, mais uma vez, uma grande gargalhada, como que possuido por uma força estranha e meio diabólica e disse, “ah, voce não sabe, os ministros, principalmente um que atende pelo nome de Xandão, ajudou a manipular as urnas, não entregou o código fonte, conspirou contra nosso Mito e vamos coloca-lo de volta no poder”. Confesso que, mesmo no sonho, fiquei pasmo ante tantas idéias confusas e sem nexo de racionalidade.

Perguntei, “porque o Mito e voces não apelaram para os recursos que as leis eleitorais permitem, dentro do que naquele país se chama “marco legal, ampla defesa, julgamento colegiado”, ele simplesmente me disse, isto não funciona, essas instituições estão cheias de comunistas, abortistas, socialistas, corruptos, pessoas que tem pacto com o diabo e essas pessoas estão do lado do malígno; apenas nós e os militares estarmos ao lado de Deus, por isso nosso slogan diz claramente :Deus, patria e família”, aquele mesmo slogan usado por Hitler e Mussolini e inumeros ditadores mundo afora, para justificarem as perseguições e arbitrariedades contra pessoas inocentes que foram assassinadas em decorrência da cor da pele, da orientação sexual, da ideologia, da religião ou da origem étnica.

Abruptamente, no sonho, meu amigo “patriota” disse, “eu não posso perder mais tempo com voce explicando no que baseiam nossas ações, estou indo, preciso juntar-me a essa multidão e vamos quebrar tudo naqueles edifícios, não vamos “deixar pedra sobre pedra” e, de longe, no sonho, consegui ver as ações de vandalismo, ódio enfurecido contra obras físicas dos poderes daquela República.

Nem mesmo a presença de um número minguado de forças de segurança, que em certos momentos ao invés de repelirem a turba enfurecida parecia que também faziam parte daquela multidão de “patriotas” que não estavam ali para brincadeira.

Os estragos foram muitos, apesar dos “patriotas” continuarem espalhando mentiras “fake news” tentando dizer que foram os comunistas infiltrados que fizeram toda aquela destruição ou em alguns momentos, como fez um parlamentar eleito que pertence a este mesmo espectro ideológico e ainda não empossado, tentando demonstrar que a destruição tenha sido mínima e não tão grande como a imprensa tem mestrado.

Ainda no sonho consegui ver muita destruição fisica, parece que ao destruir as instalações dos tres poderes daquela República, na imaginação daqueles “patriotas” que agiam como terroristas, como vândalos , como uma massa enfurecida, iriam gerar o caos naquela cidade, que é a capital daquele país e, como em um rastilho de pólvora gerar uma anarquia generalizada pelo país, pois em todos os estados também existiam “acampamentos” em frentes aos quartéis do Exército (que na verdade eram células terroristas onde se articulava um golpe de estado), e assim, o apelo surtiria efeito e os militares, “ os verdadeiros patriotas”, dariam um golpe, cuja minuta de Decreto, mais tarde seria encontrada em uma operação de busca e apreensão na residência de um integrante do alto escalão do governo do Mito, do ungido pelo Deus Altíssimo, sobre o qual o próprio Presidente do Partido ao qual pertence o Mito, o entao presidente derrotado, ter afirmado que “todo mundo” tinha copia daquela minuta de decreto, indicando que o golpe teria sido discutindo nas altas esferas do governo.

Todavia parece que toda esta maquinação não deu certo, da mesma forma que no “exército brancaleone” ou de Dom Quixote e Sancho Pança, este também acabou sendo um “golpe brancaleone ou quixotesco”, e como o tal Xandão e o Presidente eleito, democraticamente pelas urnas eletrônicas, agiram com tamanha rapidez que pegaram aquele turba enfurecida de surpresa, na tarde, noite do mesmo dia e no dia seguinte `aquelas cenas de um atentado golpista, não contra as instalacções físicas dos tres poderes daquela República, mas contra as Instituições democráticas e republicanas, milhares desses “patriotas” acabaram sendo presos. No sonho não consegui saber se meu amigo “patriota” foi preso ou fugiu.

O número de prisões só não foi maior porque também militares poderosos do Exército, que  se alinham ou alinhavam com a forma de pensar, sentir e agir do MITO, o Ungido pelo Deus Altíssimo e seus seguidores civis, e deram proteção a muitos desses “patriotas” e não permitiram que as forças policiais, sob o comando do ministro da Justiça e do interventor conseguissem cumprir com sua missão que era prender em flagrante os terroristas, baderneiros, vândalos e golpistas que tentam se passar ou podem ser considerados “travestidos” de democratas, e agem desta maneira irracional tendo como justificativa que estão protegidos por Deus e pela Constituição, no que concerne `a liberdade de expressão e manifestação, mesmo que essas manifestações descambem para a violência como aconteceu naquele domingo, como consegui ver no sonho.

Sob muita pressão, tanto do novo governo que se instalou quanto de Xandão, no que acabou também sendo secundado por todos os governadores, muitos dos quais fizeram campanha abertamente pela reeleição do Mito, e os presidentes do Congresso, do Senado e da Câmara e pela Presidnete do STF, todos/todas cerraram fileiras em torno da garantia dos poderes constituidos e na defesa das instituições democráticas e republicanas e das eleições, das urnas eletrônicas e da posse de todos os eleitos, inclusive do novo Presidente, condenando, publicamente, esses atos golpistas, terroristas, de vandalismo, que nem obras de artes importantes foram poupadas desses atos insandecidos.

Vi em meu sonho que na madrugada do dia seguinte (o “day after”) sob as ordens de Xandão, do Ministro da Justiça do Governo que naquela ocasião estava no poder há apenas uma semana, e do interventor na Segurança Pública naquela cidade/capital, de surpresa cercaram o acampamento dos “patriotas”, apesar de que muitos dos cabeças já haviam fugido durante a noite enquanto protegidos pelo exército, mas mesmo assim, foi possível prender mais de mil desses terroristas travestidos de patriotas e conduzi-los, em dezenas de onibus para serem devidamente identificados e “fichados” na Policia Federal.

A seguir consegui ver ainda no sonho, esses mais de mil “patriotas” juntando-se a mais de 400 que haviam sido presos em flagrantes no dia anterior, ainda durante os atos de vandalismo contra os edifícios públicos, e conduzidos, muitos algemados, para um grande complexo prisional, o dos homens tem o nome de Papuda e o destinado `as mulheres é chamado de Colméia. Não sei a razão desses nomes.

Nos dias seguintes e, pelo que consegui entender no sonho, ainda nos dias de hoje por ordem de Xandão, esses “patriotas” fujões estão sendo caçados e presos em diferentes partes do Brasil e conduzidos para serem identificados e definidos seus destinos.

A muitos desses “patriotas”, homens e mulheres, tem sido concedida a “prerrogativa” de responderem pelos seus atos terroristas em “liberdade”, mas sujeitos a certas restrições e também a obrigatoriedade de usarem um dispositivo eletrônico, que naquela República costuma-se chamar de tornozeleira eletrônica, que, entre os bandidos comuns são usadas como sinônimo de glória, de prestígio, de status e de poder, entre os demais criminosos presos ou foragidos.

Isto é o que também está acontecendo entre os “patriotas” que continuam contaminados por uma verdadeira lavagem cerebral e permanecem com suas idéias golpistas e fazem questão de exibirem suas tornozeleiras eletrônicas, como troféus, medalhas olímpicas, prêmios por atos de bravura, razão pela qual naquele país e naquela República, o risco de golpe de estado, de acirramento de conflitos politicos, religiosos e ideológicos e até mesmo de uma guerra civil continuam bem presentes, incluindo o agravamento da crise politica institucional, principalmente quando uma nova configuração do Parlamento (Senado e Câmara Federal) deverá estar iniciando uma nova legislatura, onde também existem centenas de parlamentares que se alinham exatamente com esta ideologia extremista e golpista, que alguns a denonimam de nazifacismo, de meu amigo de sonho, “patriota” e de centenas de milhares de outros compatriotas que continuam se alimentando de fake news, pelas teorias da conspiração, pelo golpismo, enquanto o Mito, o ungido pelo Deus Altíssimo, continua foragindo no exterior, a espera de que um dia, como imaginam os “patriotas”, seus seguidores fanatizados, voltará para “salvar” aquele povo e aquele país, como o atual governo está salvando indigenas que estão morendo, literalmente de fome, por incúria do governo capitaneado pelo Mito.

Esta paranoia é tão grande que o Presidente do Partido do Mito, ja chegou a dizer que se o mesmo não puder ser candidato nas futuras eleições presidenciais, em decorrência de vários processos que responde ou responderá na justiça, que poderá render-lhe a prisão, para alimentar a sanha dos “patriotas”, ja lançou a candidatura da esposa do Mito, que consegue fazer uma sintese quase perfeita do extremismo, fanatismo e fundamentalismo religioso com o extremismo político e ideológico. Ajustando, perfeitamente, ao figurino golpista de sempre.

Acabei acordando deste sonho, que foi muito mais um pesadelo do que um sonho bom, e, confesso, continuo meio atordoado, preocupado com os destinos do meu país, onde o radicalismo, o  negacionismo, o obscurantismo, a mentira, o ódio e a violência política estão substituindo os debates de idéias, o dialogo, a união de esforços para, finalmente, ser formulado um verdadeiro projeto nacional de desenvolvimento, com sustentabilidade, com justiça, justiça social, justiça Ambiental, justiça intergeracional, inclusão social, cultural, política e econômica e uma melhor distribuição de renda, riquezas e oportunidades, um país sem pobreza, sem fome e sem miséria.

Imagino, não apenas como em um sonho, mas na realidade que uma democracia e um país desenvolvido na ampla acepção da palavra, só podem ser construidos e fortalecidos quando as pessoas conseguem viver e conviver com outras que pensam, sentem e agem de forma diferente, de forma pacífica, civilizada e cordial, principalmente, quando aprenderem a respeitar os poderes constituidas, as instituições nacionais e a alternância de poder, manifestada soberanamente em eleições livres, secretas e universais.

Ah, quase que eu ia esquecendo, antes de despedir-se no sonho para juntar-se com a multidão dos vândalos que iriam destruir aqueles predios públicos, meu amigo “patriota” que continuava enrrolado em uma bandeira nacional, disse-me “olha, se um dia eu for preso e tiver que usar tornozeleira eletrônica, vou pinta-la de verde amarela, pois minha tornozeleira jamais será vermelha”.
Juacy da Silva

Juacy da Silva

Juacy da Silva, professor titular aposentado Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista, articulador da Pastoral da Ecologia Integral.
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